STF
09/06/2011 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 565.089 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S) :RUBENS ORSI DE CAMPOS
FILHO
ADV.(A/S) :ELIEZER PEREIRA
MARTINS E OUTRO(A/S)
RECDO.(A/S) :ESTADO DE SÃO PAULO
PROC.(A/S)(ES) :PROCURADOR-GERAL
DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTDO.(A/S) :FEDERAÇÃO NACIONAL
DOS TRABALHADORES DO JUDICIÁRIO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO
DA UNIÃO - FENAJUFE
ADV.(A/S) :PEDRO MAURÍCIO PITA
MACHADO E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :SINDICATO DOS
POLICIAIS FEDERAIS NO ESTADO DE SANTA CATARINA - SINPOFESC
ADV.(A/S) :SÉRGIO PIRES MENEZES E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO NACIONAL
DE DEFESA DOS SERVIDORES PÚBLICOS - ANDESP
ADV.(A/S) :WLADIMIR SÉRGIO REALE
E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :UNIÃO
ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA
UNIÃO
INTDO.(A/S) :SINDICATO DAS
CLASSES POLICIAIS CIVIS NO ESTADO DO PARANÁ - SINCLAPOL
ADV.(A/S) :NAOTO YAMASAKI E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO DOS
OFICIAIS MILITARES ESTADUAIS DO BRASIL - AMEBRASIL
ADV.(A/S) :JOSÉ DO ESPÍRITO SANTO
ASSIST.(S) :SINDICATO DOS
POLICIAIS CIVIS DE LONDRINA E REGIÃO - SINDIPOL
ADV.(A/S) :EURICO HUMMIG FILHO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO DOS
INVESTIGADORES DE POLÍCIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADV.(A/S) :FRANCEO DELFINO DE
AZEVEDO E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :SINDICATO UNIÃO DOS
SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADV.(A/S) :DOUGLAS MATTOS
LOMBARDI E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO DOS
MILITARES FEDERAIS DOS EXTERRITÓRIOS E DO ANTIGO DISTRITO FEDERAL DO
BRASIL-AMFETADF
ADV.(A/S) :JOSÉ JERONIMO
FIGUEIREDO DA SILVA E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :SINDICATO SERVIDORES
PODER LEGISLATIVO FEDERAL E DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO - SINDILEGIS
ADV.(A/S) :AFONSO CARLOS MUNIZ
MORAES E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :UNIÃO DOS AUDITORES
FEDERAIS DE CONTROLE EXTERNO - AUDITAR
ADV.(A/S) :JULIANO COSTA COUTO E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :SINDICATO NACIONAL
DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL - SINPROFAZ
ADV.(A/S) :HUGO MENDES PLUTARCO
INTDO.(A/S) :FÓRUM NACIONAL DE
ADVOCACIA PÚBLICA FEDERAL (FORUM)
ADV.(A/S) :HUGO MENDES PLUTARCO
INTDO.(A/S) :SINDICATO DA POLÍCIA
FEDERAL NO DISTRITO FEDERAL (SINDIPOL/DF)
ADV.(A/S) :MARTA SIMÕES DE LARA E
OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO DOS
SERVIDORES DA SUCEN - ASSUCEN
ADV.(A/S) :RITA DE CÁSSIA B.
LOPES VIVAS
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA DOS GUARDAS MUNICIPAIS - ABRAGUARDAS
ADV.(A/S) :REGINALDO LUIZ DA
SILVA
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO DOS CABOS
E SOLDADOS DA POLÍCIA MILITAR E BOMBEIROS MILITAR DE GOIÁS
ADV.(A/S) :JOSÉ MARIA SILVA
SOBREIRO E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) :ASSOCIAÇÃO NACIONAL
DOS DEFENSORES PÚBLICOS FEDERAIS - ANADEF
ADV.(A/S) :RAFAEL DA CÁS MAFFINI
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO –
Adoto a título de relatório as informações prestadas pela Assessoria:
Eis a síntese do que discutido no
Recurso Extraordinário nº 565.089/SP, da relatoria de Vossa Excelência, cuja
repercussão geral da questão constitucional fora reconhecida pelo Tribunal em
19 de dezembro de 2007, nos seguintes termos:
VENCIMENTOS – REPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO
– ATO OMISSIVO – INDENIZAÇÃO – INCISO X DO ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL –
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO DO TEMA. Ante a vala comum da inobservância
da cláusula constitucional da reposição
do poder aquisitivo dos vencimentos, surge com repercussão maior definir o direito dos servidores a indenização.
O
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento a recurso de
apelação. Assentou a inexistência de direito de indenização aos recorrentes por
alegados danos patrimoniais sofridos em razão de omissão do Poder Executivo estadual,
consistente no não encaminhamento de projeto de lei destinado a viabilizar
reajuste anual dos vencimentos dos servidores públicos estaduais, como
determina o inciso X do artigo 37 da Carta da República.
No
extraordinário interposto com alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, os
recorrentes articulam com a transgressão
do artigo 37, inciso X e § 6º, da Carta Federal.
Sustentam
ter o Diploma Maior assegurado o direito “dos servidores a uma revisão
geral e anual, que deve estar prevista legalmente” (folha 243).
Aduzem estar o pedido legitimado na inexistência “de lei ou ato administrativo
que promova a revisão geral anual” (folha 245), implicando perdas e prejuízos pecuniários aos servidores. Aludem à decisão
monocrática proferida no Recurso Extraordinário nº 424.584/MG, da relatoria do
Ministro Carlos Velloso, na qual fora deferido o pleito dos servidores.
O
Estado de São Paulo, nas contrarrazões de folha 267 a 284, salienta a
impossibilidade de o Poder Judiciário “legislar para aumentar vencimentos de servidores públicos” (folha 273).
Afirma
não se vislumbrar, na Carta da República, dispositivo “que possa forçar o
Governador do Estado de São Paulo a apresentar projeto de lei para aumento anual de remuneração de servidores”
(folha 274). Assevera que, “dentro de sua autonomia administrativa e
financeira, houve por bem o legislador estadual deixar ao Poder Executivo a
escolha da melhor forma de aplicação da referida norma” (folha 277).
O
Ministério Público Federal, no parecer, opina pelo provimento do recurso,
porquanto a Carta Política estabeleceria, como regra, que qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito deverá ser apreciada pelo
Judiciário, “assumindo a situação contornos mais graves quando está em
causa patente desprezo pela norma
constitucional, que, dirigida a Chefe do Executivo, impõe a deflagração
anual do processo legislativo, e, em sua outra face, voltada ao servidor
público, gera direito subjetivo à revisão geral dos vencimentos.”
É o relatório.
V O T O
O
SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Na interposição deste recurso,
observaram-se os pressupostos gerais de recorribilidade. Os documentos de
folhas 19, 254, 255 e 263 evidenciam a regularidade da representação processual
e do preparo. Quanto à oportunidade, a notícia do acórdão recorrido foi
veiculada no Diário de 23 de maio de 2007, quarta-feira (folha 212), ocorrendo
a manifestação do inconformismo em 6 de junho imediato, quarta-feira (folha
214), no prazo assinalado em lei. Conheço.
1. EFETIVIDADE CONSTITUCIONAL E SUPERAÇÃO
JUDICIAL DAS OMISSÕES LEGISLATIVAS.
Inicialmente,
algumas premissas hão de ficar assentadas. Registro que, desde cedo no Supremo,
defendi – e assim o faço até os dias atuais – a plena efetividade do texto da Carta Federal. No campo da omissão inconstitucional,
menciono o voto proferido em 6 de fevereiro de 1991, no julgamento do Mandado
de Injunção nº 232/DF, da relatoria do Ministro Moreira Alves. Naquela ocasião,
sustentei não apenas o cabimento da ação, mas a plena possibilidade de
pronunciamento de caráter concreto, no sentido de conceder ao impetrante aquilo
que realmente postulara: a fixação de parâmetros necessários à fruição de um
direito assegurado na Carta da República.
Assim
procedi por estar convicto de que a função precípua do Tribunal Constitucional é a guarda da Lei Maior, cujo artigo 102,
cabeça, confirma, textualmente, o que asseverei. Incumbe ao Supremo zelar para que
o principal documento normativo do Estado não seja esvaziado por conduta
omissiva ou comissiva dos agentes públicos, em especial dos agentes políticos e
órgãos de estatura constitucional, como é o caso dos ocupantes dos Poderes
Executivo e Legislativo. Na quadra vivida, encontra-se superado, finalmente, o
ciclo de atraso que perpassou o constitucionalismo brasileiro, marcado por
Constituições semânticas – na famosa classificação ontológica das constituições
elaborada por Karl Loewenstein (Teoría de la Constitución, 1976, p. 170) –, que
eram inobservadas pelo poder constituído sem maiores reservas.
Exatamente
para evitar essa situação, e ciente dos percalços experimentados em passado não
tão distante, o Constituinte lançou mão de diversos instrumentos processuais,
dos quais cito a ação direta de inconstitucionalidade
por omissão, tomada de empréstimo ao artigo 283 da Carta portuguesa de
1976, e o mandado de injunção, para
superar a omissão. Deu os meios para que se possa alcançar o fim, qual
seja, a efetividade – ou eficácia social, para utilizar a expressão de José
Afonso da Silva (A aplicabilidade das normas constitucionais, 2008, p.65) – das
normas jurídicas presentes na Lei Maior. O constitucionalismo entendido como
expressão de princípios de natureza política, dirigido unicamente ao próprio
Estado e aos agentes públicos, incapaz de gerar direitos subjetivos, não é mais
compatível com as expectativas sociais depositadas no texto constitucional e na
jurisdição que lhe guarda.
Em
resumo, a inoperância da Carta Federal é
situação a ser combatida, presente o apelo do cidadão em tal sentido e a
prova da mora injustificável do legislador ou do chefe do Poder Executivo. Não
é admissível transformar a Lei Maior em
um “sino sem badalo”, como disse o professor José Carlos Barbosa Moreira a
respeito da interpretação conferida pelo Supremo ao mandado de injunção,
assentada precisamente no mencionado Mandado de Injunção nº 282. Não refletindo
a prática constitucional do Supremo a “vontade de Constituição” aludida por
Konrad Hesse (A força normativa da Constituição, 1991, p. 19), tem-se o
prejuízo à força normativa do texto constitucional e a perda de legitimidade do
Poder Judiciário como um todo.
Observem
haver este Tribunal, no julgamento do Mandado de Injunção nº 283/DF, da
relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, dado um passo adiante quanto à
superação das omissões inconstitucionais, ao reconhecer a possibilidade de obtenção de indenização por perdas e danos
em razão da mora legislativa na regulamentação do § 3º do artigo 8º do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, a ser fixada em liquidação.
Avançou-se mais na apreciação do Mandado de Injunção nº 712/PA, da relatoria do
Ministro Eros Grau, e do Mandado de Injunção nº 721/DF, de minha relatoria, nos
quais o Supremo retirou da inoperância o inciso VIII do artigo 7º e o § 4º do
artigo 40 da Lei Maior, determinando a aplicação analógica, respectivamente, das
Leis nº 7.783/89 e 8.213/91. A virada jurisprudencial na interpretação dos
limites do mandado de injunção deve ser vista sob prisma mais largo. Representa
o inconformismo do Tribunal com a omissão inconstitucional e a criação de soluções
para o problema que superem o singelo – e tantas vezes inócuo – apelo ao
legislador. É chegado o momento de superar a conhecida “síndrome da inefetividade das normas
constitucionais”.
Em
suma, conforme ressaltado pelo Ministro Celso de Mello no julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 1.458-7/DF, há de buscar-se a concretude, a
eficácia maior, dos ditames constitucionais.
Com
a propriedade decorrente da formação profissional e humanística possuída, Sua
Excelência fez ver:
A
omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a
imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento
revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição,
também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de
medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios
da Lei Fundamental.
(...)
É
preciso proclamar que as Constituições consubstanciam ordens normativas cuja
eficácia, autoridade e valor não podem ser afetados ou inibidos pela voluntária
inação ou por ação insuficiente das instituições estatais. Não se pode tolerar
que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de
emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento
negativo, a própria autoridade da Constituição e efetuem, em conseqüência, o
conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei
Maior.
Então,
com base nesse entendimento, passo ao exame da matéria.
2. GARANTIA DO
EQUILÍBRIO CONSTITUCIONAL ENTRE A REMUNERAÇÃO DO SERVIDOR PÚBLICO E OS SERVIÇOS
PRESTADOS.
Na
espécie, os recorrentes, servidores públicos civis do Estado de São Paulo,
postularam indenização pela falta da revisão
geral anual prevista no artigo 37, inciso X, da Lei Maior, com a redação
que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional nº 19/98. Narraram a reiterada
inação do Governador do Estado no tocante ao encaminhamento de projeto de lei
tendente a promover a revisão constitucionalmente exigida, resultando em grave
redução remuneratória com o passar dos anos.
Pois
bem, a relação jurídica Estado-servidor público é comutativa e sinalagmática.
Em síntese, existem direitos e obrigações recíprocos considerado o que
assentado não só quando da arregimentação da mão de obra como também na
legislação de regência. Há uma relação de equivalência estabelecida entre os
serviços prestados e aquilo que lhe é devido a título remuneratório. Essa
equação vem assegurada nos incisos X e
XV do artigo 37 da Carta de 1988, os quais preveem a obrigação de revisão geral
e a irredutibilidade dos vencimentos e subsídios dos ocupantes de cargos e
empregos públicos.
Percebam
o alcance das normas: resguardar os vencimentos dos efeitos perversos da
inflação. E por que assim o é? Se verificarmos a justificativa enviada pelo Dr.
Clóvis de Barros Carvalho, então Chefe da Casa Civil, junto com a proposta que
deu origem à Emenda Constitucional nº 19, veremos que uma das facetas da
denominada reforma administrativa foi
precisamente promover a modificação de paradigma relativamente ao tratamento do
servidor público. Esclareceu Sua Excelência os seguintes objetivos da proposta: “recuperar o respeito e a imagem do servidor
público perante a sociedade; estimular o desenvolvimento profissional dos
servidores e; por fim, melhorar as condições de trabalho”. Vê-se, então,
que a reforma administrativa veio para melhorar as condições do servidor. Esse
é o parâmetro a nortear a interpretação do artigo 37, inciso X, da Constituição
Federal de 1988.
O
servidor público, em sentido amplo, não tem o mesmo poder de barganha dos
trabalhadores em geral. A greve no serviço público até hoje não foi
regulamentada via legislativa, tendo sido objeto da integração mediante mandado
de injunção. Nas relações jurídico-privadas, as greves têm por efeito a
suspensão do contrato de trabalho, presente o artigo 7º da Lei nº 7.783/89,
causando prejuízos às duas partes envolvidas na relação de emprego: os
trabalhadores acabam privados da remuneração e o empregador fica sem a produção
relativa à paralisação. É da natureza da suspensão a ausência do trabalho e do
salário, cabendo aos interessados promover a composição, vedada a dispensa
arbitrária – parágrafo único do artigo 7º da Lei nº 7.783/89.
O
servidor público, integrando o gênero burocracia, ao contrário, não causa
prejuízo ao tomador dos serviços ao deixar de prestar o serviço, ficando
reduzida a efetividade da greve enquanto instrumento de negociação. Ressalvado
o prejuízo indireto, político-eleitoral, o verdadeiro prejudicado com a
paralisação da máquina administrativa é o administrado. Daí a importância da
garantia constitucional. Essa se revela na leitura
teleológica que faço do artigo 37, inciso X, da Constituição, do qual
extraio o direito à manutenção dos patamares remuneratórios.
3. DISTINÇÃO ENTRE
AUMENTO E REAJUSTE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES
PÚBLICOS.
Atentem
para a distinção entre aumento e
reajuste. O Direito, tanto o substancial quanto o instrumental, é orgânico
e dinâmico, descabendo confundir
institutos que têm sentido próprio. Na espécie, não se trata de fixação ou
aumento de remuneração – estes, sim, a depender de lei, na dicção do inciso X
do artigo 37 da Carta da República. Versa-se o reajuste voltado a afastar os
nefastos efeitos da inflação. Objetiva-se a necessária manutenção do poder
aquisitivo da remuneração, expungindo-se o desequilíbrio do ajuste no que
deságua em vantagem indevida para o Poder Público, a aproximar-se, presente a
força que lhe é própria, do fascismo. Não se pode adotar entendimento que
implique supremacia absoluta do Estado, em conflito com o regime democrático e
republicano.
Consoante
a jurisprudência tradicional do Supremo, mostra-se inviável o aumento
remuneratório de servidor público por decisão judicial, porquanto o Poder
Judiciário não possui função legislativa – Verbete nº 339 da Súmula: “não cabe
ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de
servidores públicos sob fundamento de isonomia”. A visão é correta. Não há
espaço para a concessão de aumento pela via judicial, mas os recorrentes não
buscam isso. Buscam a indenização pelo
descumprimento de um dever jurídico, consistente no inadimplemento de
majoração remuneratória para resguardo da equação entre remuneração e trabalho.
O
Supremo já assentou que “a correção
monetária não se constitui em um plus, não é uma penalidade, mas mera reposição do valor real da moeda
corroída pela inflação” – Agravo Regimental na Ação Cível Originária nº
404, da relatoria do Ministro Maurício Corrêa. Com idêntico fundamento, há
jurisprudência no sentido da desnecessidade do pedido expresso relativo à
correção monetária, mesmo inexistindo dispositivo semelhante ao artigo 293 do
Código de Processo Civil, que trata especificamente dos juros. A propósito,
cito o que decidido no Recurso Especial nº 1.112.524/DF, da relatoria do
Ministro Luiz Fux, à época no Superior Tribunal de Justiça: “A correção monetária plena é mecanismo mediante
o qual se empreende a recomposição da efetiva desvalorização da moeda, com o
escopo de se preservar o poder aquisitivo original, sendo certo que
independe de pedido expresso da parte interessada, não constituindo um plus que
se acrescenta ao crédito, mas um minus que se evita”.
Por
quê? Porque, como já dito, correção monetária não é acréscimo, não é ganho, é
mera reposição com o escopo de preservar o valor. Surge a percepção de ser a
correção monetária uma necessidade para manter o objeto da relação jurídica, e
não vantagem para aquele que pretende obtê-la.
Ainda
sobre a matéria, noto que o direito ao reajuste da prestação devida pela
Administração Pública é componente essencial do sistema de contratação pública,
como tem amplamente reconhecido a doutrina.
Observem
a denominada intangibilidade da equação econômicofinanceira dos contratos
administrativos, a revelar, no caso de prestação de serviços ou de entrega de
bens, o direito ao reajuste da contrapartida estatal sempre que necessário ao
equilíbrio do ajuste. A lógica mostra-se rigorosamente a mesma, considerada a
parte final do inciso XXI do artigo 37 da Carta da República, no ponto em que
mencionada a manutenção das condições efetivas da proposta apresentada no
certame licitatório, extraindo-se o direito subjetivo aos reajustes,
repactuações e revisões.
Quanto
ao tema, assevera Gustavo Binembojm: “O princípio do equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos administrativos é usualmente conceituado
como o dever de preservação da relação de equivalência que se estabelece, no
momento da apresentação da proposta do licitante vencedor, entre os encargos
assumidos pelo contratado e as retribuições a ele devidas” (Temas de direito
administrativo e constitucional, 2008, p. 388). A necessária observância à
equação econômico-financeira do contrato está presente na jurisprudência do
Supremo, como dão conta os acórdãos proferidos na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2.733/ES, da relatoria do Ministro Eros Grau, e na
Medida Cautelar na Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº
2.599, da relatoria do Ministro Moreira Alves.
Pergunto:
e não se estaria aí a depender de lei também? De certo modo, sim. Todo gasto
público pressupõe autorização legal para ocorrer licitamente. Hipoteticamente,
pode surgir o direito à revisão contratual sem que haja orçamento para efetuar
o pagamento correlato. Nesse caso, o que fazer? Não existe maior complexidade:
o contratado busca a tutela jurisdicional, valendo-se de ação de cobrança. Se
julgada procedente, há a inscrição do título executivo em precatório, presente
o artigo 100 da Carta Federal, e o pagamento segundo a inclusão dos débitos no
orçamento público. Penso que a mesma solução deve ser aplicada à situação em análise.
No
mais, atentem para a interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais.
A garantia é de manutenção do valor da remuneração, e não da correspondente
expressão monetária. Descabe confundir, como alerta Diogo de Figueiredo Moreira
Neto, “valor” da remuneração com a equivalente “expressão pecuniária”. O
acréscimo remuneratório em percentual inferior à inflação do período representa
inequívoca diminuição do valor da remuneração, em desacordo com a garantia constitucional.
O autor expressa com singular clareza:
Entendido
o dispositivo, conjuntamente com a regra do art. 37, X, que determina a
“revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos e do subsídio”,
impõe-se concluir que o legislador constitucional assegurou a irredutibilidade
do valor dos vencimentos e não a de sua expressão monetária, pois, se assim não
fosse, estaria consagrada, paradoxalmente, com a garantia constitucional, uma
perversa opção política para reduzi-los por simples omissão, quando e no quanto
fosse desejável à Administração, bastando, para tanto, que os Chefes do Poder
Executivo se abstivessem de enviar mensagem de reajustamento ao Legislativo
para a correção das perdas inflacionárias da moeda (Curso de direito
administrativo, 2009, pp. 336 e 337).
4. DA DOUTRINA
CONSEQUENCIALISTA NA INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO.
Considerados
os precedentes do Tribunal no tocante à evolução do tratamento da omissão
inconstitucional e o contexto jurídico mencionado, não me parece assistir razão
à tese que rejeita qualquer eficácia ao artigo 37, inciso X, da Lei Maior.
Somente argumentos de índole pragmática são capazes de revelar solução diferente.
A ausência de lei pode induzir à crença de que a opção política de esvaziar a
norma constitucional decorre das consequências sistêmicas que a implementação
dela causariam? Ou, em outras palavras: o impacto financeiro do preceito
constitucional sobre as contas públicas justifica a inobservância do preceito?
A resposta é desenganadamente negativa.
O
pragmatismo jurídico leva a considerar as consequências práticas da decisão
judicial, lançando o magistrado em posição que não lhe é confortável. Ao reconhecer-lhe
a condição de agente político no sentido estrito do termo, retira o juiz do
hábitat natural e o põe na função de legislador, para que tome a decisão com
fundamento na antecipação hipotética de resultados. Margarida Maria Lacombe
Camargo afirma: “o juiz pragmatista está
mais comprometido assim em atuar politicamente do que extrair decisões
dedutivamente das normas jurídicas. Ele é orientado empírica e
politicamente a partir de dados apresentados por outras ciências, notadamente a
economia” (in “Fundamentos teóricos do pragmatismo jurídico”, Revista de
Direito do Estado nº 06, 2007, p. 208).
Exceção
feita ao Ministro Barata Ribeiro, médico na origem, que integrou o Supremo por
curtos onze meses, os juízes possuem formação estritamente jurídica. A eles não
é dado fazer prognósticos econômicos ou sociais para que sirvam de fundamento
decisório. Não incumbe ao Poder Judiciário analisar a conveniência dessa ou
daquela norma, mas apenas assentar se determinada pretensão é ou não compatível
com o ordenamento jurídico.
No
mais, “a parte que tem a lei ao seu lado espera que lhe seja atribuído pelo
tribunal o que por direito lhe cabe”, conforme pontua Karl Larenz (Metodologia
da ciência do direito, 1997, p. 516). A prevalência das consequências sobre o
direito legislado resulta na inversão da lógica jurídica.
Esclareço
não preconizar, com isso, ignorar-se no processo a quadra vivida. Não perco de
vista o horizonte social quando busco a solução dos problemas jurídicos com que
me defronto. Aliás, qualquer interpretação
jurídica parte da consideração de elementos fáticos, ainda que seja uma interpretação
em abstrato, pois, mesmo em casos tais, o magistrado não deixa de formular
a hipótese e alcançar conclusões com base na realidade conhecida. O que não
posso aceitar é que, presente a obrigação jurídica sob todos os cânones
interpretativos – extraída da literalidade, historicidade, sistematicidade e
teleologia da Constituição –, simplesmente se deixe de reconhecê-la ante razões
de índole pragmática.
Impõe-se
o contorcionismo técnico para salvar as finanças públicas, mas este é o papel
do Tribunal Constitucional? A resposta só pode ser negativa. O Supremo tornou
esse enfoque claro ao apreciar casos envolvendo a colisão entre direitos
fundamentais, que ficariam submetidos à ineficácia por argumentos de índole
financeira. Faço referência a decisões que resultaram no deferimento de
coquetéis para tratamento da Aids, direito à matrícula em creche, direito a
tratamentos médicos e internação hospitalar – vejam, por exemplo, os acórdãos relativos
ao Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 271.286-8/RS, ao Recurso
Extraordinário nº 436.996-6/SP, ambos relatados pelo Ministro Celso de Mello, e
ao Recurso Extraordinário nº 226.835-6/RS, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão.
Invariavelmente, este Tribunal tem assentado a plena eficácia da Carta,
colocando em segundo plano considerações pragmáticas.
O
Supremo não deve ser um filtro pragmático quanto a disposições constitucionais
cuja eficácia depende de recursos para que seja concretamente observada. É de
combater-se a rotulada “insinceridade normativa”,
na expressão de Luís Roberto Barroso. Conforme o autor:
[...]
não é incomum a existência formal e
inútil de Constituições que invocam o que não está presente, afirmam o que não
é verdade e prometem o que não será cumprido (...) Em certos casos, ela [a
disposição constitucional] se apresenta desde o primeiro momento irrealizável.
De outras vezes, o próprio poder constituído impede sua concretização. E,
ainda, um preceito constitucional frustra-se em sua realização por obstáculos
opostos por injunções de interesses de segmentos econômica e politicamente
influentes (O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 2006, p.
61).
Cabe
aos poderes constituídos agir com responsabilidade, e não simplesmente jogar
para o Supremo o ônus de impedir que as promessas políticas inconsequentes
tornem-se realidades desastrosas. O Supremo não é o Ministério da Fazenda ou o
Banco Central do Brasil. Não compete ao Tribunal fazer contas quando está em
jogo o Direito, mais ainda quando se trata do direito constitucional.
5. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO PELA OMISSÃO INCONSTITUCIONAL.
Segundo
San Tiago Dantas, o “catedrático-menino” da Nacional de Direito, as normas
jurídicas podem ser consideradas sob três aspectos: a estrutura externa, ou invólucro, que normalmente é a lei; o conteúdo, que traduz, em geral, uma
regra de cunho econômico, ético, político ou moral, e a estrutura interna. Relativamente a esse último ponto, esclarece o
professor: “Quando se considera uma norma jurídica qualquer e se examina a sua
estrutura interna, nela se descobrem sempre dois elementos: um é o comando; outro é a sanção”. E arremata:
“O comando é aquilo que se deve fazer, a sanção é aquilo que acontece se assim
não se fizesse. (...) A sanção é o mal de que se está ameaçado no caso de não
se obedecer ao comando. Os dois elementos são, por conseguinte, inseparáveis”
(Programa de direito civil, 1979, p. 79). Em outras palavras, não é próprio do
Direito, e menos ainda do direito constitucional, a existência de normas
jurídicas cujo descumprimento não produz qualquer consequência prática.
Forte
nessas premissas, a cabeça do artigo 37 da Carta da República trouxe os princípios aos quais está submetida a
Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios – legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência. Mais do que isso, remeteu à observância dos incisos
que se seguem. O inciso X prevê que a remuneração dos servidores públicos e o
subsídio de que trata o § 4º do artigo 39, também da Constituição, somente
poderão ser fixados ou alterados por lei
específica, respeitada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada a revisão geral anual, sempre
na mesma base e sem distinção de índices.
O quadro demonstra o desprezo do Executivo
ao que garantido constitucionalmente aos servidores públicos quanto ao reajuste
da remuneração de forma a repor o poder aquisitivo da moeda. Nas esferas federal, estadual e municipal,
em verdadeiro círculo vicioso, os olhos são fechados à cláusula clara e precisa
do inciso X do artigo 37 da Carta Federal, asseguradora da revisão geral
anual da remuneração, sempre na mesma data e sem distinção de índices. A
consequência é o achatamento incompatível com a própria relação jurídica
mantida, decorrendo desse fenômeno a quebra de equação inicial e o enriquecimento sem causa por parte do
Estado. Continua ele contando com a valia dos serviços que, paulatinamente,
são remunerados de maneira a revelar decesso. Os servidores, ante a inércia
verificada, percebem valores que, em razão da inflação e da ausência do
afastamento dos nefastos efeitos, tal como imposto pela Constituição Federal,
já não compram o que compravam anteriormente.
Iniludivelmente,
trata-se de ato omissivo do Estado – e sou voz minoritária relativamente à
autoaplicabilidade do preceito constitucional alusivo à revisão. Vejam, a
propósito, o acórdão relativo ao Mandado de Segurança nº 22.439, da relatoria
do Ministro Maurício Corrêa – a atrair a incidência do disposto no § 6º do
mencionado artigo 37 da Lei Maior:
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado
o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
A
norma constitucional, evoluindo em relação a teorias passadas que consagravam a
irresponsabilidade pública, previu a responsabilidade
objetiva do Estado pelos atos praticados por agentes públicos. Notem que a
responsabilização estatal pelos atos danosos causados aos particulares tornou-se
um dos alicerces do Estado Democrático de Direito, não se cogitando, em tempos
atuais, de intangibilidade dos atos do Poder Público, própria ao Estado
absoluto.
No
campo da omissão, haverá o dever de indenizar quando ficar concretamente
demonstrado que, existindo a obrigação legal de agir e a possibilidade de
evitar a lesão, ocorreu o fato danoso. Conforme ressaltado pelo pensador do
Direito Celso Antônio Bandeira de Mello:
[...] se o Estado, devendo agir, por imposição
legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões
legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por esta incúria,
negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não
evitado quando, de direito, devia sê-lo. Também não o socorre eventual incúria
em ajustar-se aos padrões devidos.
Reversamente,
descabe responsabilizá-lo se, não obstante atuação compatível com as
possibilidades de um serviço normalmente organizado e eficiente, não lhe foi
possível impedir o evento danoso gerado por força (humana ou material) alheia.
[...]
É
corretíssima, portanto, a posição sempre e de há muitos lustros sustentada pelo
Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, segundo quem a responsabilidade do
Estado é objetiva no caso de comportamento danoso comissivo e subjetiva no caso
de comportamento omissivo”. (Curso de direito administrativo, 2006, pp. 968 e
970)
Volto ao caso submetido a julgamento. O que
se tem é o desrespeito pelo Estado, solapando o direito do servidor
público, de norma de envergadura maior a impor o reajuste anual da remuneração,
ano a ano, considerado o mesmo percentual que, alfim, é ditado pela inflação do
período. Como então não se entender cabível a verba indenizatória, presente o
que Celso Antônio Bandeira de Mello aponta como incúria e que se revela como
verdadeira postura de força diante do prestador dos serviços? Do mesmo modo,
apreciando especificamente a questão, Clèmerson Merlin Clève e Flávia Piovesan
dizem, respectivamente:
Em
qualquer hipótese, as omissões declaradas inconstitucionais concretizam uma
verdadeira censura constitucional ao Poder omisso, com repercussões diversas, entre
elas a responsabilização civil do Estado quanto aos danos porventura ocorridos
(A fiscalização abstrata da constitucionalidade no Direito brasileiro, 2000, p.
347)
Sob
o prisma da ilicitude, a inconstitucionalidade será um pressuposto de
responsabilidade civil a acrescer a outros, entre os quais um específico dever
de atuação (ou de não-atuação) por parte do Estado. A par da responsabilidade por atos inconstitucionais, e
mais ou menos conexa com ela, pode haver responsabilidade civil do Estado por
omissões inconstitucionais, máxime por omissões legislativas (Proteção judicial
contra omissões legislativas, 2003, p. 123)
Concluir
não caber o acesso ao Judiciário para impor a responsabilidade própria a quem
de direito é olvidar a garantia constitucional de acesso ao Judiciário para
afastar lesão ou ameaça de lesão a direito. O círculo vicioso hoje notado nas
três esferas – federal, estadual e municipal – não pode persistir. Chega à
extravagância encaminhar-se, ante declaração de inconstitucionalidade por
omissão, como aconteceu em decorrência do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 2.492, projeto de lei estipulando percentagem mínima de reajuste em
flagrante desarmonia com a inflação do período, como o projeto do qual resultou
a Lei nº 10.331/2001. Não é republicano.
Não
é o exemplo que o Estado deve dar aos cidadãos em geral – que, em última
análise, há de ser o de respeito irrestrito à ordem jurídica.
6. CONCLUSÃO
Provejo
o extraordinário para julgar procedente o pleito formulado, impondo ao Estado de
São Paulo a obrigação de indenizar os autores em razão do descompasso entre os
reajustes porventura implementados e a inflação dos períodos. Considerem para
tanto o índice oficial referente à inflação de cada um dos períodos, presente o
mês de janeiro de todo ano, e as parcelas satisfeitas, que, segundo o pedido,
diz respeito aos vencimentos, férias e 13º salários. Observem a incidência de
juros moratórios bem como da correção monetária, contados os primeiros a partir
da data da citação – artigo 397, parágrafo único, do Código Civil.
Imponho-lhe
os ônus da sucumbência e as despesas processuais, fixando os honorários
advocatícios, consoante disposto no artigo 20 do Código de Processo Civil, na
base de dez por cento sobre o valor da condenação devidamente corrigido. Em
cumprimento ao acórdão, apurem as quantias próprias, levando em conta as
parcelas remuneratórias vencidas.
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Quinta-feira, 03 de abril de 2014
Julgamento sobre indenização por
falta de revisão anual em vencimentos é suspenso por pedido de vista
Após o voto-vista da ministra
Cármen Lúcia, que reconheceu o direito de servidores públicos paulistas de
receberem indenização por não terem sido beneficiados por revisões gerais anuais
– acompanhando o entendimento do ministro Marco Aurélio (relator) –, e do voto
do ministro Luís Roberto Barroso, que divergiu dessa posição, o ministro Teori
Zavascki pediu vista dos autos do Recurso Extraordinário (RE) 565089. O caso,
com repercussão geral reconhecida, voltou ao Plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF) na sessão desta quinta-feira (3).
Os autores do recurso afirmam que
não buscam obter, na Justiça, qualquer espécie de reajuste ou aumento nos
vencimentos, mas apenas indenização pelas perdas inflacionárias sofridas nos
últimos anos, por conta da omissão do Estado de São Paulo que, desrespeitando o
disposto no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal, não concedeu a
revisão geral anual para os servidores públicos estaduais.
No RE, os autores lembram que o
STF já reconheceu, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
2492, a mora legislativa do governo paulista sobre o tema desde 1999 – ou 12
meses após a edição da Emenda Constitucional (EC) 19/1998, que deu a redação
atual ao mencionado inciso –, o que seria bastante para caracterizar a omissão,
fazendo surgir daí a obrigação de indenizar.
No início do julgamento, em junho
de 2011, o ministro Marco Aurélio reconheceu o direito dos servidores à
indenização. Para ele, a revisão não é ganho, nem lucro, nem vantagem, mas um
componente essencial do contrato do servidor com a administração pública. Além
disso, seria uma forma de resguardar os vencimentos dos efeitos da inflação.
Concluindo pelo provimento do recurso, o ministro lembrou que a revisão geral
anual está assegurada na Constituição, no artigo 37, inciso X.
Na sessão desta quinta-feira (3),
a ministra Cármen Lúcia se manifestou no mesmo sentido do relator. Para ela, a
omissão quanto à edição de leis para garantir revisão geral anual aos
servidores paulistas configura frontal desrespeito à Constituição, causando
danos aos servidores paulistas, o que permite invocar a responsabilidade do
ente estatal.
"Reconhecida a mora do
governo de São Paulo e evidenciado o dano aos servidores daquele estado, que,
por falta da lei prevista pelo artigo 37, inciso X, da CF, viram-se privados da
reposição do valor da moeda, não cabe dúvida quanto à possiblidade jurídica do
pedido veiculado nesse RE", frisou a ministra. Por se tratar de omissão
ilícita, já reconhecida desde o julgamento da ADI 2492, o ressarcimento tem
natureza reparatória, concluiu Cármen Lúcia ao acompanhar o relator pelo
provimento do recurso, lembrando que o estado chegou a editar leis, mas
meramente simbólicas, que não chegaram a implementar, de fato, o direito dos
servidores à revisão geral anual.
Divergência
A divergência na votação foi
aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso, para quem o dispositivo constante do
artigo 37, inciso X, da Constituição não deve ser visto como um dever
específico de que a remuneração seja objeto de aumentos anuais, menos ainda em
percentual que corresponda à inflação apurada no período.
Segundo Barroso, revisão não significa
modificação. Assim, para o ministro, o estado seria obrigado a avaliar
anualmente a remuneração geral dos servidores, o que não significa
necessariamente a concessão de aumento. O chefe do Executivo tem o dever de se
pronunciar anualmente e, de forma fundamentada, dispor sobre a conveniência e
possiblidade, ou não, de concessão de reajuste geral anual para o
funcionalismo.
Ao votar pelo desprovimento do
recurso, e contra o que ele chamou de uma forma de indexação permanente, o
ministro revelou o temor do retorno a uma situação de indexação ampla, geral e
irrestrita, como já aconteceu no Brasil em passado recente.
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