A judicialização da política no
Brasil
Eliane Spacil de Mello
Resumo: Este trabalho pretende
demonstrar uma visão geral da tendência atual da intervenção do Poder
Judiciário na política, ou seja, o fenômeno da judicialização da política,
definido como um processo de transferência decisória dos Poderes Executivo e
Legislativo para os magistrados e tribunais, de forma que para compreender esse
fenômeno, serão apresentados os elementos que constituem a separação dos
poderes, bem como será abordada a questão do poder democrático do Estado, entre
outros fatores. Além disso, o presente trabalho irá demonstrar que o referido
fenômeno acaba colocando o judiciário numa situação pela qual irá demonstrar
força ou fraqueza, que será revelada conforme for sua atuação e desempenho. [1]
Palavras-chave: judicialização; poder de
mocrático; Poderes; Estado.
Abstract: This paper aims to demonstrate an
overview of the current trend of the intervention of the judiciary in politics,
in other words the phenomenon of judicialization of politics, defined as a
process of transfering decisions of the Executive and Legislative branches for
judges and courts in order to understand that this phenomenon, are present the
elements that constitute the separation of powers, and will address the issue
of democratic power of the state. Furthermore, this paper will demonstrate that
this phenomenon which ends up putting the judiciary in a situation in which
will show strength or weakness, as that will be revealed for his acting and
performance.
Keywords: judicialization; democratic power;
Powers; state.
Sumário:Introdução; 1.A Separação
dos Poderes; 2. Da Jurisdição Constitucional e dos Princípios Democráticos; 3.
Do Debate quanto à Judicialização da Constituição Federal; Conclusão.
Introdução: Tem-se observado o
desenvolvimento de um processo de judicialização da política no Brasil. Com
isso, o judiciário amplia seu poder com relação aos demais poderes. Para
apresentar esse debate, se faz necessário fazer uma abordagem acerca dos
motivos que levaram à expansão do poder judicial, bem como analisar as
condições para a realização desse fenômeno e ainda verificar como se revelará
sua atuação e desempenho, ou seja, se demonstrará força ou fraqueza.
Além disso, analisar a ampliação
das áreas de atuação dos tribunais através da revisão judicial das ações
legislativas e executivas com base na constitucionalização de direitos e dos
mecanismos checks and balances e também a questão da introdução ou da expansão
de staff judicial, ou melhor, de procedimentos judiciais no Executivo e no
Legislativo.
Cabe verificar os motivos que
levaram ao processo de judicialização da política no Brasil, as condições para
o desenvolvimento desse processo e outras abordagens possíveis a essa
problemática.
Para melhor compreender esse
fenômeno, se faz necessário realizar uma análise quanto à separação dos
poderes, de forma a identificar sua estrutura e a função de cada poder dentro
do sistema, quanto à jurisdição constitucional e quanto aos princípios
democráticos, para poder adentrar no debate quanto à judicialização da
política.
Para finalizar, após a exposição
dos motivos, condições, aspectos e demais elementos formadores do processo de
judicialização da política, tecer comentários quanto a sua formação,
desenvolvimento e possibilidades em nosso país.
1. A separação dos poderes
O direito constitucional tem como
base estrutural a teoria da separação dos poderes, que retrata o caráter
representativo ao exercício dos poderes do Estado, de modo que a forma
democrática de governo é, ao menos formalmente, ligada à subordinação dos
poderes e à manifestação popular.
Nesse sentido Leal (2001,p.31):
“De uma forma direta ou indireta, o pensar sobre a separação dos poderes
significa refletir como se dá o processo de organização e funcionamento desses
poderes, isto sem entrar na discussão acerca de se não é mais acertado falar em
divisão de funções do Estado. Por sua vez, tal debate implica enfrentar a
questão da representação política dos poderes instituídos: suas características,
formação, desenvolvimento, etc.”.
A separação dos poderes se justifica na
afirmação de Montesquieu: “todo homem que tem Poder é levado a abusar dele; vai
até encontrar os limites”, de forma que cada poder freie o outro, impedindo
abusos de um sobre outro.
Montesquieu, em sua teoria, constatou
a existência de Três Poderes no Estado, quais sejam: Legislativo, Executivo e
Judiciário, de forma que ao Poder Legislativo cabe fazer as leis, corrigir ou
abrrogar as que estão feitas; ao Judiciário cabe punir os crimes ou julgar as
demandas; e ao Executivo exercer as demais funções do Estado, sua administração
geral, ficando responsável por executar as leis de uma forma geral.
Constata-se então, que antes
disso, não havia uma ordem, e a confusão dos poderes imperava. Porém, com o
tempo, os Estados foram pouco a pouco adotando essa doutrina até que
atualmente, exceto poucos casos, todos os países têm os Três Poderes conforme a
doutrina posta então por Montesquieu.
Já no decorrer do século XX,
formulou-se o problema do “equilíbrio dos Três Poderes”, quando então se
posiciona Montesquieu (1996, p.24): “Para formar um Governo Moderado, precisa
combinar os Poderes, regá-los, temperá-los, fazê-los agir: dar a um Poder, por
assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir a um outro. É uma
obra-prima de legislação, que raramente o acaso produz, e raramente se deixa a
jurisprudência produzir. (...) Eis aqui pois a Constituição fundamental do
Governo de que falamos. Sendo o seu corpo legislativo composto de duas partes,
uma acorrentará a outra pela mútua faculdade de impedir. Ambas serão amarradas
pelo Poder Executivo, o qual o será, por seu turno, pelo Legislativo. Esses
três Poderes deveriam originar um impasse, uma inação. Mas como, pelo movimento
necessário das coisas, são compelidos a caminhar, eles haverão de caminhar em
concerto”.
Observa-se nesse aspecto, a clara
divisão entre os Poderes que caracterizam as funções básicas de um Estado
organizado, bem como o entendimento de que o Judiciário é um poder “neutro”, e
que o Executivo e o Legislativo são mais suscetíveis ao abuso de Poder, e, por
conseguinte, mais sujeitos a frear-se um ao outro.
Além disso, pode-se constatar que
para haver uma independência entre os Poderes e ainda, para que um possa frear
o outro, devem contar com garantias constitucionais.
Por fim, o que se destaca não é a
simples divisão dos Poderes, mas sim sua harmonia, ou melhor, sua atuação em
conjunto, concorrentemente e ao mesmo tempo independentes, e não de forma
isolada, estanque.
Para fins de nos situarmos na
história, cabe destacar que a teoria da Separação dos Poderes foi utilizada
pela primeira vez na Constituição norte-americana de 1787, a qual, apesar de
não mencionar expressamente, faz a enumeração das competências dos Três Poderes
citando suas respectivas funções. Também foram introduzidos os sistemas de
checks and balances, ou seja, o sistema de pesos e contrapesos entre os
poderes.
Após, constata-se a adoção da
teoria da separação dos Poderes na Constituição Francesa de 1791, de forma mais
rígida. Na seqüência, pode-se afirmar, de acordo com Queiroz Filho (2001, p.17)
que: “Com a superação da Revolução Francesa e a restauração da monarquia, essa
ideia de divisão de poderes estava consolidada, motivo pelo qual serviu de
modelo para as Constituições promulgadas a partir da Charte Constitutionelle de
1814, subsistindo tal concepção até hoje, mesmo nos regimes totalitários, ainda
que nestes os ditadores emprestem a esse princípio um caráter meramente formal,
legitimador do status quo. No Brasil, durante o Império, era adotado o regime
parlamentar, com quatro poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário e
Moderador. Foi na Primeira República que se convencionou que fossem três os
poderes “harmônicos e independentes” na linha de Montesquieu. As constituições
posteriores mantiveram o sistema em sua essência, concentrando, todavia, por
diversas vezes, parcelas variáveis das competências e atribuições dos demais
poderes em um só, via de regra o Executivo, conforme a conjuntura política. A
Constituição brasileira em vigor consagra o princípio da separação dos poderes
em seu art. 2º: “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
Porém, atualmente se observam
novos princípios que basicamente correspondem a uma “distinção das funções do
Estado” distribuídas em órgãos distintos, todavia, com “meios de atuação
recíprocos”
Nesse sentido Queiroz Filho apud
Canotilho (2001, p.18-19), constata que: “(...) o principio da divisão de
poderes, comporta duas dimensões, quais sejam: a separação como “divisão,
“controle” e “limite” do poder, ou como
constitucionalização e organização do poder do Estado, assegurando tanto uma
medida a este poder e consequentemente, garantindo e protegendo a esfera
jurídico-subjetiva dos indivíduos, quanto uma justa ordenação das funções
estatais, intervindo como esquema relacional de competências e
responsabilidades de seus órgãos”.
Assim, pode-se dizer, que essa
separação clássica foi repudiada por alguns estudiosos, como no caso de Karl
Loewenstein que colocou no lugar da teoria tripartite uma outra análise da
dinâmica do poder mais condizente com a dinâmica pluralista em que vivemos,
sendo representada por uma nova divisão: “a decisão política conformadora e
fundamental, a execução da decisão e o controle político”. Nesse aspecto, entre
nós, podemos citar Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que nega cientificidade à
teoria tripartite, bem como a uma especialização estrita, ao comentar que o
próprio Montesquieu abria exceção ao permitir que o Executivo pudesse vetar no
processo legislativo.
Portanto, o principio da
separação dos poderes tem indiscutível importância, não somente histórica
quanto na organização do Estado, na limitação e controle do poder, e ainda na
garantia das liberdades individuais e do próprio sistema democrático.
2. Da jurisdição constitucional e
do principio democrático
Constata-se que o ponto de
partida da ideia moderna de Estado Democrático teve suas raízes no século
XVIII, através da afirmação de determinados valores fundamentais do homem e da
exigência de organização e funcionamento dos mesmos bem como a busca de sua
proteção.
Quanto à formação do Estado
Democrático, pode-se assegurar que os marcos fundamentais para sua positivação
são as gerações de direitos.
O ideal na formação de um Estado
Democrático é que todos possam viver com
dignidade, de forma fraterna e justa com vistas à igualdade entre todos, independente de cor, raça, sexo,
condições financeiras, enfim, onde todos possam viver como verdadeiros cidadãos.
Quanto à relação existente entre
direitos humanos e democracia, surge a questão de que estando os direitos
humanos ancorados em direitos fundamentais constitucionais pode representar uma
restrição à democracia, bem como a expressão “todo o poder do estado emana do
povo” não é ilusória.
Bielefeldt apud Schmitt (2000,
p.128), define a democracia como “expressão da ilimitada soberania coletiva”.
Considera também que a capacidade de ação do soberano democrático depende de
substancial homogeneidade do sujeito coletivo político, que ele observa estar
ameaçado de duas formas pela universalidade dos direitos humanos: enquanto o
individualismo e o privatismo de reivindicações libertarias liberais
representam interna ameaça à coesão política do todo, o universalismo dos
direitos humanos questiona, externamente a unidade de um grupo popular em
particular.
Ainda Bielefeldt apud Schmitt
(2000,p.128), comenta da formulação de
um conceito de democracia, ao mesmo tempo, antiliberal e antiuniversalista,
cujo principio não é a liberdade geral, mas apenas a igualdade dentro de um
coletivo particular: “como princípios democráticos, igualdade e liberdade são
frequentemente arrolados lado a lado, quando na verdade são diferentes e muitas
vezes antagônicos em seus pressupostos, seu conteúdo e em sua eficácia.
Corretamente, apenas a igualdade pode vigorar como principio democrático, com
eficácia interna.”
Conforme Bielefeldt apud Schmitt
(2000,p.128) : “é licito ao soberano democrático adotar uma constituição
liberal, com direitos fundamentais e divisão de poderes”. Todavia, a ordem
constitucional somente pode ser considerada democrática se a incondicional
primazia do agir político for preservada e o povo, como soberano coletivo,
puder revogar, a qualquer momento as normas legais do estado de direito por ele
estabelecidas. O soberano coletivo é o povo, que representa a maioria com
ilimitado poder de decisão.
Bielefeldt apud Schmitt (2000,
p.130) faz uma analogia entre a soberania popular democrática e a soberania da
nobreza absolutista ao afirmar que: “o povo é soberano em uma democracia, pode
desfazer todo o sistema de normas constitucionais e decidir em um processo,
como o rei fazia através de processos na monarquia absoluta. O povo é juiz
supremo, como o é o supremo legislador”.
Ainda segundo Bielefeldt apud
Schmitt, (2000, p.130) quando a política se subordina às ligações jurídicas,
perde a qualidade de autêntica democracia, numa estrutura de divisão de poderes
onde instituições e procedimentos controlam-se e equilibram-se mutuamente.
De acordo com Bielefeldt apud
Kaltenbrunner, (2000, p.131), democracia significa domínio do povo, ou melhor:
domínio da maioria com base em igualdade de direitos civis. Ela determina que
quem deverá dominar é a maioria dos cidadãos politicamente iguais, seja
pessoalmente ou através de representante eleito por determinado período. Não
tem nada a ver com liberalismo.
A democracia representa um lugar
comum no campo da teoria política e jurídica sobre tipo ideal de sistema de
governo. Sob a forma direta, pode-se afirmar que a democracia atualmente se
resume a três modelos, conforme Leal apud Bobbio (2001, p.145): “[...] o governo do povo através de delegados
investidos de mandato imperativo e portanto revogável; b) o governo de
assembléia, isto é, o governo não só sem representantes irrevogáveis ou
fiduciários, mas também sem delegados; c) o referendum, acrescentando-se,
talvez, o plebiscito.”
E o regime democrático de governo
e de Estado se dá com a representação popular, através do sufrágio universal,
livre e secreto.
Pode-se afirmar, segundo Brito
(1995, p.39) que: “o poder legislativo do povo através dos seus
representantes eleitos é a dimensão
essencial da democracia e que a jurisdição constitucional é uma restrição à
democracia na medida em que retira, pelo menos em parte, à lei a sua força.
(...) A teoria jurisdicional vê, portanto, na jurisdição constitucional um
limite ou uma restrição ao principio do governo do povo pelo povo.”
Assim, democraticamente, somente
existe direitos e liberdades por meio da vontade do povo, e é pela Constituição
que o principio democrático se limita a si mesmo, no momento em que a
Constituição subordina o legislador ordinário ao legislador constitucional, de
forma que este não pode alterá-la.
Quanto ao fundamento democrático
da jurisdição da constituição, temos dois posicionamentos, quais sejam: as
teorias de John Hart Ely e de Ronald Dworkin, conforme explica Brito (1995,
p.41): “Ely continua a adoptar à partida a teoria tradicional da jurisdição
constitucional como uma restrição à democracia, mas pensa que os direitos de
participação política, e também os direitos e liberdades que são instrumentais
desta, tais como a liberdade de expressão e de associação política e o direito
à não-discriminação, derivam do principio democrático porque condicionam a
eficácia desse principio.A jurisdição constitucional que os defende e que
protege, assim, as minorias contra a lei da maioria, não lesa, mas antes
reforça o próprio principio democrático (...) Dworkin opõe uma concepção
estatística da democracia (...) baseada no principio maioritario, onde a acção
colectiva é uma simples função da acção individual, a uma concepção
comunitária, onde a acção colectiva é atribuída à comunidade, que tem autonomia
frente aos indivíduos, enquanto unidade ética de responsabilidade”.
Assim, pode-se afirmar, segundo
Brito (1995, p.43) que a jurisdição constitucional apoia-se no seguinte
argumento: “os juizes constitucionais são mais qualificados para resolver
questões de princípio, ou insensíveis à escolha, enquanto que os parlamentos e
os governos são mais qualificados para escolher”.
Uma questão que merece destaque é
um obstáculo que se observa resultante do processo de democratização da
sociedade, que é o referente ao aumento de demandas ocasionado pela maior
possibilidade de participação social. Com isso, o Estado teve que se organizar
e se moldar estrutural e funcionalmente para conseguir administrar o crescente
número de demandas. Então, diante da crescente participação da sociedade, bem
como o conseqüente aumento de demandas,
deu-se inicio a um processo de “fragilização da democracia”, também
devido à morosidade das respostas e muitas vezes até pela ineficiência das
mesmas, o que pode acabar ocasionando frustrações sociais e desgastes para o modelo seguido.
Importante se faz destacar,
quanto ao Estado Democrático, as afirmações de Leal (2001, p.129): “Os
conflitos sociais e a crise de identidade e legitimidade do Estado do Direito
em geral e em especial do Estado brasileiro, enquanto evidenciam a existência
de opiniões, comportamentos, desejos e crenças múltiplas e contraditórias,
convivendo no mesmo tecido social e revelando uma profunda marginalização
humana, denunciam o profundo questionamento do Poder e da ordem estabelecida,
inauguram práticas de resolução dos seus conflitos e problemas a partir de uma
normatividade própria e informal quando não ilegal. A forma pela qual esta
ordem estatal é desconsiderada, no decorrer de determinadas manifestações de
massa, acusa a contestação da legitimidade formal estabelecida, fazendo visível
a presença de um contrapoder e de uma contra-ordem.”
Assim, se percebe, através dessa
ideia ampliada de Estado Democrático, que não se pode conceber a democracia sem
considerar a legitimidade do poder político, sendo, para isso, necessária a
ampliação do espaço público.
3. Do debate quanto à
judicialização da Constituição Federal
O Constitucionalismo, por ter
emergido das revoluções liberais, se estruturou na soberania popular, governo representativo,
subordinação do poder às leis, divisão dos poderes e ainda na proteção da
propriedade e na liberdade dos cidadãos.
Aos poucos, o espaço
constitucional foi ampliando seu espaço, seja pela ampliação dos direitos
fundamentais, seja pela organização dos poderes, bem como pela
constitucionalização de novas matérias e, até mesmo, pela constitucionalização
de novas categorias de direitos, como, por exemplo, os direitos sociais, à
saúde, à cultura, à segurança social, ao ambiente, aos partidos políticos, etc.
Além disso, vislumbra-se o surgimento de novos órgãos constitucionais, como o
Tribunal Constitucional, os conselhos econômicos e sociais, os órgãos de
autogoverno da Magistratura, entre outros.
O motivo que levou ao processo de
ampliação do poder judicial no Brasil,
se deve em grande parte pelo expressivo aumento das ações judiciais, pelo
desenvolvimento da revisão judicial, e ainda da própria jurisprudência pelos
tribunais, que acabaram por tornar mais sofisticados os mecanismos de controle
jurisdicional.
Além disso, constata-se também
questões relativas à judicialização da política
ligados a interesses econômicos globais, no sentido de que sem uma
estrutura judiciária sólida, são grandes os riscos de ocorrer ainda mais
problemas econômicos e sociais.
Outra questão importante é quanto
as mudanças de comportamento jurisprudencial dos tribunais. Ocorre que estes
passaram a agir nos vazios deixados pelos poderes representativos, de forma que
essas alterações foram muitas vezes impulsionadas pelas mudanças
interpretativas das Escolas Jurídicas, onde se constata a crise do Positivismo
Jurídico, ocorrida muita vezes por omissão dos poderes Executivo e Legislativo,
entre outros fatores.
No caso do Brasil, em específico,
de acordo com Costa apud Bastos (2001, p.165): “No Brasil há uma distancia
grande que medeia entre o povo e seu Poder Judiciário. Esta falta de
entrosamento do Poder Judiciário com a soberania popular faz com que ele também não se
apresente seguro, com força bastante para pronunciar aquelas decisões que
possam efetivamente coibir os desmandos de Executivo, sempre inclinado a ser
arbitrário e caprichoso, como todo detentor do poder”
Destaque-se que somente após a
Constituição Federal de 1988 se tornou possível reconhecer o veto constitucional
do judiciário.
No tocante à separação dos
poderes, no Brasil se observa, conforme análise feita por Costa (2001, p.165) :
“Depois do golpe (1964), o poder foi assumido pelos militares que tentariam
resolver os problemas a sua maneira. O Legislativo e o Judiciário sofreram
profundas alterações. À semelhança do Estado Novo os poderes do Executivo foram
aumentados. Seus atos escaparam ao controle do judiciário.”
Assim, pode-se afirmar que passou
a ocorrer uma assimetria entre os poderes. Com a ampliação dos direitos, de uma
forma geral, inclusive dos direitos políticos, acabou fazendo com que os grupos
de interesse passassem a utilizar ou aplicar o veto nos tribunais para resolver
situações de seu interesse.
Dessa forma, um fator fundamental
para tornar possível o processo de judicialização da política, é a participação
dos grupos de interesse nas ações judiciais.
Outro fator que propicia a
judicialização da política, ocorre quando as instituições majoritárias ficam
inertes, são ineficazes ou por algum motivo não resolvem as demandas sociais,
faz com que tribunais se obriguem a por fim nos conflitos que poderiam ser
tratados nos respectivos âmbitos.
É possível identificarmos dois
tipos de judicialização: um dos tipos de judicialização pode ser o controle
jurisdicional de constitucionalidade, ou seja, quando o judiciário realiza a
revisão de uma decisão do Poder Político, baseando-se na Constituição, situação
em que o Judiciário amplia seu poder
frente aos demais poderes; outro tipo ocorre quando se utiliza o aparato
judicial na administração pública.
Assim, o aumento puro e simples
do número de demandas judiciais, por si só, não configura no fator único
causador do processo de judicialização da política, mas sim o caráter substantivo, ou melhor, o
comportamento judicial que se traduz no fato de juizes modificarem leis ou atos
dos outros poderes, e também o alcance da interferência das suas decisões nas
políticas públicas, isto sim tem uma conotação muito mais efetiva nesse
processo.
Nesse viés, cabe evidenciar
alguns motivos que levam à expansão do poder judiciário, quais sejam: colapso
do socialismo, evolução da jurisprudência constitucional, os direitos humanos,
as guerras mundiais, ativismo dos juizes entre outros.
Dessa forma é evidente a dificuldade
que se tem em conceituar, justificar e caracterizar o processo de
judicialização da política no Brasil.
Portanto, pode-se concluir, após
feita essa análise, que para a expansão do poder Judiciário no Brasil, sem
dúvida, precisa da democracia, pois não seria possível tratar de política
judiciária em regimes fechados. Porém, quanto ao papel do Supremo Tribunal
Federal, deve haver um maior aprofundamento e maior diversidade em suas
abordagens, pois, mesmo apesar dos avanços que já obteve, ainda tem um longo
caminho a percorrer para que se efetive de forma plena o processo de
judicialização da política no Brasil. Enfim, após a análise acerca das
condições para o desenvolvimento da judicialização da política no Brasil,
pode-se concluir que temos sim as condições necessárias para que esse processo
se efetive por completo.
Conclusão
Após as leituras realizadas
acerca desse tema tão importante que é a judicialização da política no Brasil,
pode-se observar o posicionamento de alguns autores, que definiram, situaram, bem como manifestaram
suas opiniões quanto aos motivos, condições e possibilidades desse processo se
desenvolver e se efetivar no Brasil.
O fenômeno da judicialização da
política, pode ser definido como um processo de transferência decisória dos
Poderes Executivo e Legislativo para os magistrados e tribunais. Para que isso
seja possível, a democracia é um fator essencial, visto que a ampliação do
poder judiciário somente acontecer dentro de regimes abertos.
Também se constatou que conforme o
poder Judiciário conduzir o desenvolvimento desse processo de judicialização da
política, irá demonstrar sua força ou sua fraqueza. Irá, pois, demonstrar sua
força, se conseguir atuar com celeridade, bem como se conseguir provar que,
mesmo diante de situações de stress, como diria Boaventura de Souza Santos,
conseguir agir “segundo os melhores critérios técnicos e as melhores práticas
de prudência e conseguir neutralizar quaisquer tentativas de pressão ou de
manipulação”.
Portanto, conforme analisado, o Brasil
possui todas as condições necessárias para a efetivação da judicialização da
política, por sua estrutura, bem como pelo fato de que no Brasil o Supremo
Tribunal Federal controla boa parte dos conflitos jurídicos, tanto através da
competência originaria quanto pela via recursal.
Referências
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Direitos Humanos; tradução de Dankuart Bernsmuller. São Leopoldo. UNISINOS,
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Tribunal Constitucional - Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional
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democrático. Coimbra Editora, 1995.
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LEAL, Rogério Gesta. Teoria do
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MONTESQUIEU, Charles de Secondat,
Baron de. O Espírito das Leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos
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de Pedro Vieira Mota. – 4ª ed. melhor. – São Paulo: Saraiva, 1996.
QUEIROZ FILHO, Gilvan Correia de.
O controle judicial de atos do poder legislativo: atos políticos e interna
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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLITICA
N. 23, ARTIGO: Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos
para uma nova abordagem. Ernani Rodrigues de Carvalho, 2004.
http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n23/24626.pdf acesso em 11/09/2012, 16:45 hs.
Nota:
[1] Trabalho orientado pelo
Prof.Dr. Argemiro Luis Brum. Doutor em Economia Internacional pela EHESS de
Paris (França) e mestre em Economia Agrícola pelo Institut Agronomique
Méditerranéen de Montpellier (França). Professor permanente dos cursos de
Mestrado em Direitos Humanos e de Desenvolvimento– Unijui.
Informações Sobre o Autor
Eliane Spacil de Mello
Mestranda em Direitos Humanos
pela Unijui - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
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