Quem são os “supereleitores” de 2014? Até o dia
6/9/14 eram: JBS
(Friboi,
R$ 112 milhões doados para os candidatos ou partidos políticos), OAS (R$ 66 milhões), Grupo Vale (R$ 52 milhões), Ambev (R$ 41 milhões), Andrade Gutierrez (R$ 32 milhões), Bradesco (R$ 30 milhões), UTC (R$ 28 milhões), Queiroz Galvão (R$ 25 milhões), Odebrecht (R$ 25 milhões), BTG Pactual (R$ 17 milhões)
(Estado 15/9/14: A4). Mas muito mais dinheiro vai rolar ainda até o final das
eleições. Os 19 maiores “financiadores” doaram metade do total (R$ 1 bilhão). Bancos, alimentação, bebidas e empreiteiras são os maiores
“doadores”. Em 2010, R$ 52 milhões foram ocultos (mas isso já não é possível).
De
que maneira esse dinheiro volta para eles (com excelente retorno)? Emendas
parlamentares, convênios fraudulentos, licitações com cartas marcadas, empréstimos
com juros baixos etc. Fundamental também é o direcionamento da produção
legislativa. Somente as leis que eles querem são aprovadas (nisso existe
bastante fidelidade dos parlamentares e governantes). Outro ponto relevante:
dentro do Congresso fazem de tudo para proteger essas empresas doadoras de
eventuais investigações. De todo esse dinheiro que sai dos cofres públicos para
os “doadores”, boa parcela fica como propina nas contas dos políticos (para a
construção dos “fundos
de campanha”).
Não
existe democracia perfeita. A nossa não é diferente. Seus vícios competem
diuturnamente com suas virtudes (e muito provavelmente as superam, até mesmo
com certa superlatividade). Dentre as mazelas das modernas democracias
destaca-se a pedintaria dos eleitores votantes, que acabou forjando ou
incrementando os “supereleitores
mandantes” (que são os que “democrática” e venenosamente
“financiam” as campanhas eleitorais dos mancomunados candidatos, exigindo
depois o devido “retorno” – para cada R$ 1 real “investido” em 2010, os
“supereleitores” receberam R$ 8,5 de volta, por meio de contratos lícitos
(poucos) ou cartelizados, fraudes, corrupção, aprovações de leis protetivas dos
seus interesses, favorecimentos e pagamentos de gordas propinas – veja Globo-G1
7/5/14).
O
fenômeno, tão conhecido como pouco insólito, bem típico também dos costumes que
alimentam e nutrem nossa vida política bolorosa (desde a era Imperial), não
escapou da arguta capacidade olfativa e observativa de Timon (personagem criado
por João Francisco Lisboa, Jornal de Timon, p. 186 e ss.).
Trágicas
e variadas consequências emergem desse deplorável sistema de pedintaria (os
eleitores pedem aos candidatos e estes instam os “supereleitores”, os
financiadores), que estimula o clientelismo, o servilismo, o favoritismo e a
corrupção, em detrimento da promoção de um sério debate em torno de ideias que
pudessem encaminhar boas soluções para os graves problemas do país. Dentre as
consequências, destacam-se:
Em
primeiro lugar, o despudorado uso da máquina pública para cobrir os gastos da campanha [para citar um
exemplo, o TRE-RJ está investigando se
as propagandas eleitorais da situação foram ou não pagas com dinheiro público].
Como bem sublinhava Timon: “Cumpre notar que os do lado do governo ficam a este
último respeito (gastos com campanhas) de melhor partido, porque os soldados
[mais gastos com marqueteiros, propagandas impressas, anúncios, panfletos etc.]
pagos à custa do tesouro servem para este fim, e andam num contínuo rodopio”
[são incontáveis os casos de abuso do poder econômico, de crimes eleitorais e
de corrupção cometidos com o “louvável” escopo de vencer as eleições – veja
Marlon Reis, Nobre deputado].
Outra
fonte de receitas para cobrir os gastos eleitorais é o “dizimo” (cobrado dos parlamentares eleitos
assim como dos funcionários enganchados na “folha” do Estado,
frequentemente sem nenhum critério meritocrático).
Mas
a terceira e mais dramática consequência do sistema de pedintaria reside na
necessidade de buscar recursos de particulares ou de empresas para o
financiamento dos gastos eleitorais (é por meio desse processo que os mandatos
públicos são vendidos, de forma vil e abjeta, a ponto de macular a democracia,
atingindo sua medula espinhal).
Trata-se
de uma perversão inominável do sistema democrático, porque os “supereleitores”
(os grandes eleitores do País), quando depositam suas cédulas nas “urnas
donativas”, passam a contar com um poder que vai muito além daquele que
pertence ao votante de carne e osso (Estado 8/9/14: A3). A política brasileira
está completamente podre (C. A. Di Franco, Estado 15/9/14: A2). Só pode mudar
se houver muita pressão popular (daí nosso movimento “fimdareeleição.Com.Br”).
Adendo 1: Democracia podre
Marlon
Reis (no seu livro Nobre deputado) explica: “Dinheiro compra poder,
e poder é uma ferramenta poderosa para se obter dinheiro. É disso que se trata
as eleições: o poder arrecada o dinheiro que vai alçar os candidatos ao poder.
Saiba que você não faz diferença alguma quando aperta o botão verde de urna
eletrônica para apoiar aquele candidato oposicionista que, quem sabe, possa
virar o jogo. No Brasil, não importa o Estado, a única coisa que vira o jogo é
uma avalanche de dinheiro. O jogo é comprado, vence quem paga mais”.
Timon
dizia (já na metade do século XIX): “Por via de regra as posses dos simples
particulares [dos candidatos] não bastam para fazer face a estas enormes
despesas, posto que deles haja que gastem contos de réis, e até fiquem
arruinados; e então a necessidade [de vencer as eleições e não perder o poder,
as mordomias, os cargos públicos de provimento por indicação direta etc.]obriga
a recorrer a outro gênero de pedincha, mais restrito, porém mais em grande, a
que se chama tirar subscrição [ou seja: doações, que são, na
verdade, vergonhosos “investimentos”].
Timon
ainda explica: “Não faltam sujeitos que se oferecem para desempenhar o
melindroso papel de tesoureiro de campanha” [que se transforma num tipo de
pedinte-geral da nação]. Alguns deles aproveitam a ocasião para se apropriar de
uma comissão, que às vezes absorve quase metade do capital arrecadado. Muitos
“doadores” não se recusam a dar, porém, dão com a “pior cara que podem”.
Outros,
os que vislumbram melhores perspectivas [rentabilidades] nos seus
“investimentos”, ficam de bem com todos os candidatos [porque assim asseguram
que seus ganhos no mercado prosperem cada vez mais, que novos empréstimos de
dinheiro público auxiliem no crescimento das suas empresas, que novos contratos
sejam adjudicados ou fraudados etc.].
A
ajuda caridosa e “cívica” dos “supereleitores” favorece muito mais os
candidatos à reeleição, porque já azeitados com o sistema da pedintaria e do
fisiologismo, jogando para o lixo o princípio da igualdade. Toda essa baixaria
indecorosa e nauseante acontece, desde o Império, nas barbas de todos os
eleitores assim como das autoridades, que são os únicos que podem cortar na
raiz os rios de imoralidade inenarrável que correm do Oiapoque ao Chuí.
Adendo 2: flash do sufrágio
censitário
Não
se pode confundir o sufrágio (poder e direito de participar da vida democrática
do país) com o voto (instrumento que concretiza o poder de sufrágio). Quando
manifestamos nossa vontade numa urna eleitoral exercitamos nosso poder de
sufrágio (por meio do voto). Esse sufrágio pode ser restrito (como era no
período Imperial, por exemplo, posto que censitário, discriminatório, racial,
patriarcal) ou universal (que tende a democratizar a participação dos cidadãos
na vida política do país). São os donos do poder que definem a dimensão do
sufrágio.
De
1500 a 1821 os brasileiros não eram eleitores, logo, não votavam. Depois da
independência formal do Brasil (1822) veio a Constituição de 1824, que admitiu
o sufrágio discriminatório e censitário (somente o homem podia votar e desde
que proprietário de terra ou outro bem de raiz, com 25 anos ou mais e que
tivesse renda mínima de 100 mil réis). Para os cargos mais importantes, a renda
mínima exigida era maior (é dizer: somente a elite seleta podia eleger seus
pares para os cargos mais importantes da monarquia constitucional).
O
voto direto para as eleições legislativas só aconteceu em 1881 (mas somente os
donos do poder votavam, porque foram excluídos os parasitados analfabetos).
Resultado: na eleição de 1886, apenas 0,8% da população votou (Laurentino
Gomes,1889).
Nos primeiros anos da República
Velha (a partir de 1889) ainda era baixíssimo o número de votantes. A elite
comandante (fundamentalmente agroexportadora) nunca perdeu sua vocação
parasitária, mas não mais imperando com a escravidão (abolida formalmente em 1888),
sim, com o neoescravagismo (trabalho assalariado vil, ignóbil e imoral, que foi
recusado por praticamente todos os estrangeiros que para ca vieram para
trabalhar).
Neoescravagismo,
analfabetismo, concentração de riquezas (nas mãos dos eleitos pelo modelo
segregacionista de sociedade) e exclusão da imensa maioria da população do
processo eleitoral: esse era o sistema eleitoral nos primeiros anos da
República, que se caracterizava também (sobretudo) pelo voto manipulado,
fraudado, roubado ou comprado.
O
voto do eleitor, num determinado período, foi aberto. Isso deu margem para a
fraude. Também foi (e ainda é) uma prática corrente, nesse período, o voto
de cabresto, comandado pelo coronelismo (veja Victor Nunes Leal, Coronelismo,
enxada e voto).
Nas
duas ditaduras (1930-1945 e 1964-1985) não se falava em voto (ao menos para o
executivo federal). No período democrático de 1946-1963 continuava o voto
roubado, comprado, falsificado, fraudado. As eleições, ao longo do século XX,
foram se universalizando, mas sem nenhuma garantia de limpeza no processo
eleitoral. É dizer: continuávamos sob o império do voto viciado. Na
redemocratização (Nova República, a partir de 1985) continua predominando o
abuso do poder econômico (que compra os votos dos parlamentares que, por sua
vez, compram os votos dos eleitores).
O
sufrágio censitário ou pecuniário, como se vê, foi abolido frente aos eleitores
votantes, mas não morreu completamente, não foi extirpado dos nossos costumes
políticos. Quando banido, escorraçado e enxotado pela porta da frente, ele
regressa pela janela: porque nunca deixou de ser a essência dos eleitores
mandantes (dos supereleitores).
Dentre
todos os pecados das capengas e sôfregas democracias, um dos mais deploráveis
reside na existência de duas categorias de eleitores: os votantes (141,8
milhões nas próximas eleições) e os mandantes (estes são os que financiam as
campanhas eleitorais conforme seus interesses, consoante suas polpudas
planilhas “cívicas e democráticas”, inspiradas no mais saudável e “conspícuo”
progresso da “nação”).
O financiador economicamente potente
(no mês de agosto/14 os destaques foram Construtora OAS, o frigorífico JBS e a
Construtora Andrade Gutierrez – veja Estado 8/9/14: A3) é um eleitor
supinamente diferenciado. Os candidatos se acusam de estarem sendo financiados
por banqueiros ou empresas. Mas toda essa demagogia e hipocrisia (que esnoba os
banqueiros) só tem valor da boca para fora, sem nunca afetar o âmago do seu
“coração”.
Professor
Jurista
e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto
Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a
1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11
991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ]
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