ORÇAMENTO
IMPOSITIVO
O que é
orçamento impositivo?
A legislação e a execução prática
do orçamento da União, no Brasil, consideram a despesa fixada na lei
orçamentária como uma “autorização para
gastar”, e não como uma “obrigação
de gastar”. Isso abre espaço para que o Poder Executivo não realize algumas
despesas previstas no orçamento. Trata-se do chamado “orçamento autorizativo”, no qual parte das despesas pode ser “contingenciada”.
A ideia de “orçamento
impositivo” é mudar essa prática, tornando obrigatória a execução de
todo o orçamento nos termos em que ele foi aprovado pelo Congresso Nacional.
A Lei nº 4.320, de 1964, já facultava ao Poder Executivo a
prerrogativa de limitar a realização do gasto em função das necessidades de
controle de caixa, mediante a programação de cotas trimestrais de despesa.
A Lei de Responsabilidade Fiscal
– LRF (Lei Complementar nº 101, de 2000),
por sua vez, em seu art. 9º, prevê o contingenciamento1
com regras para adequação da despesa ao efetivo fluxo de receitas. Enquanto na
Lei nº 4.320, de 1964, a programação tinha o objetivo de “manter, durante o
exercício, na medida do possível o equilíbrio entre a receita arrecadada e a
despesa realizada”2, na LRF o
objetivo é o de assegurar “o cumprimento das metas de resultado primário ou
nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais”.
Trata-se, portanto, de garantir
ao Poder Executivo instrumento para controlar a despesa e gerar resultado
primário compatível com a estabilidade macroeconômica.
Está tramitando na Câmara dos Deputados
uma Proposta de Emenda à Constituição que foi apelidada de “PEC do orçamento
impositivo”. Apesar do apelido, o objetivo daquela proposição não é tornar
obrigatória a execução de toda a despesa do orçamento. A proposta ali contida é
tornar obrigatória a execução de parte das despesas agregadas ao orçamento pelo
Congresso Nacional, sob a forma de emendas individuais de parlamentares.
Segundo o texto, seria
obrigatório liberar os recursos para pagar essas emendas até o limite de 1,2%
da Receita Corrente Líquida (RCL) da União, realizada no exercício anterior.
Metade desses recursos deverá ser aplicada em ações e serviços públicos de
saúde.
Outra inovação relevante trazida
pela PEC é a fixação da obrigatoriedade de aplicação, pela União, de pelo menos
15% de sua receita corrente líquida em ações e serviços públicos de saúde. Pela
regra atual, fixada no art. 77 do ADCT, as despesas no setor de saúde devem
crescer no mesmo ritmo de variação nominal do PIB.
Este texto analisa as possíveis
consequências da aprovação da PEC, principalmente no que diz respeito à
obrigatoriedade de execução das emendas parlamentares, em termos fiscais e
políticos.
I – A rigidez
do OGU
Não obstante haja a possibilidade
de contingenciamento das despesas pelo Poder Executivo, o Orçamento Geral da
União (OGU), que contempla o Tesouro Nacional, a Previdência Social e o Banco
Central, caracteriza-se por elevada rigidez de despesas. No orçamento para
2013, por exemplo, 84% da despesa
primária é de caráter obrigatório, havendo pouco espaço para contingenciamento. Tal obrigatoriedade decorre de
dispositivos constitucionais ou legais. Por exemplo: todos os aposentados têm
direito a receber seus benefícios, não podendo haver cortes para contenção de
despesas; por sua vez, os servidores públicos efetivos são estáveis e seus salários irredutíveis. De forma
similar, há obrigações legais de gastos mínimos em saúde e educação. As
principais despesas obrigatórias por determinação constitucional ou legal são
aquelas referentes a:
- benefícios da previdência
social;
- pessoal e encargos sociais;
- despesas correntes
associadas à despesa de pessoal (auxílio alimentação, auxílio transporte,
salário família, etc.)
- despesa mínima obrigatória em
saúde e educação;
- sentenças judiciais;
- seguro desemprego e abono
salarial;
- benefício mensal aos
deficientes e idosos de baixa renda (LOAS).
A Tabela 1 mostra a composição da despesa primária do governo central,
destacando os itens mais relevantes:
Há um segundo grupo de despesas
que, embora seja passível de contingenciamento, por não constituir obrigação
legal, tem alto grau de rigidez,
seja por constituir prioridade política
absoluta, seja porque é necessária para manter o funcionamento de serviços
essenciais. Podem ser citados:
- subvenções financeiras do
Programa Minha Casa, Minha Vida;
- gastos em educação acima do
mínimo obrigatório, em programas como merenda escolar, livro didático, sistema
de avaliação de alunos, transporte de estudantes, custeio das escolas, etc;
- funcionamento mínimo de
órgãos e programas essenciais: controle de voo, arrecadação pela Receita
Federal, socorro a comunidades atingidas por desastres, etc.
Acrescentando-se esse segundo
grupo de despesas ao conjunto dos dispêndios não passíveis de contingenciamento,
chega-se a um total de despesa de alta rigidez da ordem de 90% da despesa
total.
A emenda constitucional em
análise tende a ampliar a rigidez
orçamentária à medida que torna obrigatória
a execução das emendas parlamentares. A seguir analisa-se esse ponto.
II – As
emendas parlamentares e seus limites
As emendas parlamentares individuais estão usualmente incluídas dentro
daqueles 10% da despesa orçamentária
sujeita a contingenciamento. Tornando-se de execução obrigatória, elas
tornarão a despesa orçamentária ainda mais rígida a cortes.
O limite anualmente estabelecido
pelo Congresso para a apresentação de emendas individuais de parlamentares ao
orçamento, em 2013, foi de R$ 15 milhões por parlamentar3. O uso pleno desse limite por todos os parlamentares,
o que geralmente acontece, leva a um acréscimo de despesas da ordem de R$ 8,9
bilhões. Em 2013, 24,4% desse valor foram na área de saúde.
De acordo com a PEC em análise, o
limite de execução obrigatória das emendas passaria a ser de 1,2% da RCL. Tomando-se
por base uma RCL de R$ 639 bilhões em 20124, a execução obrigatória de emendas,
se vigente em 2013, equivaleria a R$ 7,69 bilhões. Isso significa que, se
estivesse em vigor em 2012, a execução obrigatória alcançaria 87% do potencial
máximo de emendas. Tais despesas, que antes eram discricionárias, passariam a
ser obrigatórias.
Nessa nova situação, as despesas
obrigatórias passariam de 87,9% para 88,7% do orçamento.
Contudo, a regra proposta na PEC
é de que 50% das emendas terão que ser obrigatoriamente utilizadas no setor
saúde. As despesas do setor saúde tendem a ser de caráter obrigatório (a menos
que estejam extrapolando o limite mínimo obrigatório por lei, o que
assumiremos, por simplificação, não ser o caso). Assim, com essa hipótese de
que toda despesa em saúde é obrigatória, apenas metade das emendas
parlamentares converterá despesas discricionárias em obrigatórias, pois a outra
metade será feita em uma categoria de despesa já obrigatória. Em consequência,
o impacto efetivo da PEC será o de levar as despesas obrigatórias de 87,9% para
88,5% do total.
Ao se direcionar 50% das emendas
para o setor saúde, no qual a despesa já é obrigatória, reduziu-se o potencial
da PEC de aumentar a rigidez do orçamento em valor em torno de R$ 4 bilhões.
Do ponto de vista do controle
fiscal, a ideia de direcionar parte das emendas para a saúde é perfeita para o
Executivo, pois se evita um enrijecimento adicional do orçamento. O problema
surge quando se considera a qualidade da despesa. Se as emendas não forem adequadamente
peneiradas na fase de apreciação no Congresso, corre-se o risco de substituir
despesas em programas planejados e estruturados do Ministério da Saúde por
despesas avulsas e pouco articuladas decorrentes das emendas, sem impacto
significativo nos indicadores de saúde da população. Isso ressalta, mais uma
vez, a necessidade de o Executivo encontrar mecanismos de incentivar os
parlamentares a designar verbas para programas previamente estruturados. Dessa
forma todos ganham: os parlamentares têm o crédito junto aos eleitores pela
alocação da verba, enquanto o Ministério da Saúde não sofre uma pulverização em
seu orçamento.
Em suma, dos R$ 7,69 bilhões de
emendas parlamentares, a metade (R$ 3,84 bilhões) vai deixar de ser despesa
discricionária e passar a ser obrigatória. Para um orçamento já extremamente
engessado, o engessamento adicional promovido pela PEC não chega a ser de
grande impacto.
Ademais, em caso de haver
necessidade de contingenciar a execução de despesas não obrigatórias, a PEC
prevê que o percentual de contingenciamento que incidir sobre tais despesas
poderá ser aplicado às emendas parlamentares de execução obrigatória. Ou seja,
as emendas poderão ser contingenciadas, porém na mesma proporção das demais
despesas contingenciadas. Não se poderá, como ocorre atualmente, eleger as
emendas parlamentares como alvo principal do contingenciamento, protegendo-se
outras despesas do orçamento.
Outra mudança relevante promovida
pela PEC é que as emendas parlamentares deixam de ser consideradas como
“transferências voluntárias” da União a estados e municípios, passando a ter o
status de despesa obrigatória.
Isso tem grande repercussão
quando se leva em conta as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
acerca de transferência voluntárias, contidas no art. 25 dessa Lei. Esse artigo
determina o bloqueio de transferências voluntárias para os estados e municípios
que não cumprirem limites impostos pela lei relativos a: pagamento de tributos,
aplicação mínima de recursos em educação e saúde, observância dos limites de
endividamento e de despesa de pessoal, entre outros.
Ou seja, ao transformar as
emendas em despesas obrigatórias, a PEC livra os estados e municípios de terem
os recursos das emendas bloqueadas nos casos em que não cumprirem obrigações
impostas pela LRF.
Os estados e municípios também
poderão receber os recursos das emendas mesmo que não prestem informações
fiscais e financeiras ao Poder Executivo Federal para fins de consolidação das
contas públicas (art. 51 da LRF) ou que não instituam e cobrem todos os
impostos de sua competência (art. 11 da LRF).
Há, portanto, um enfraquecimento
dos mecanismos de imposição de responsabilidade fiscal aos estados e
municípios.
III – Implicações de ordem política da obrigatoriedade de execução das emendas
parlamentares individuais
O contingenciamento de emendas
parlamentares, em especial das emendas individuais, é normalmente referido como
um instrumento de barganha política à disposição do Poder Executivo Federal.
Sempre que precisa reforçar a sua base de apoio no Congresso, o Executivo
descontingencia parte das emendas em retribuição a voto ou posicionamento
favorável do parlamentar.
Pelo lado do parlamentar, as
emendas são usualmente consideradas importante instrumento eleitoral porque
permitem o atendimento de demandas da sua base eleitoral.
Uma primeira interpretação que
pode ser dada ao se amarrar as mãos do Executivo, e impedir a barganha do voto
parlamentar em troca da liberação de emendas, é de que aumentaria a
independência do Legislativo. Isso fortaleceria a democracia, uma vez que um
Poder perderia capacidade de se impor sobre outro.
Não obstante, a necessidade de
formar maiorias continuará a existir. Também continuará a ser prevalente o
“poder financeiro” do Executivo. O mais provável é que o mecanismo de barganha
por meio de emendas seja substituído por outro tipo de barganha. O perigo é que
os novos mecanismos sejam menos transparentes ou lesivos à eficiência da ação
pública. Não havendo como barganhar via liberação de emendas, pode-se barganhar
por meio da oferta de cargos públicos, de financiamentos subsidiados em bancos
federais, etc.
Ainda que sujeito a várias
críticas, o processo de barganha Executivo-Legislativo baseado em emendas
parlamentares é transparente. Qualquer jornalista tem acesso às emendas
apresentadas por cada um dos parlamentares, pode acompanhar a sua execução, bem
como pode ver como votou cada um dos Deputados e Senadores.
Fechar essa janela transparente
de barganha cria o incentivo a se abrir outras janelas menos transparentes.
Por outro lado, é possível que, sabendo a
priori que as emendas individuais serão efetivamente executadas, o Poder
Executivo passe a se mobilizar para fazer uma seleção mais criteriosa das
emendas a serem aprovadas. Para isso, mobilizaria sua base no Congresso para
fazer um pente fino nas emendas. Pela sistemática atual, as emendas individuais
não são submetidas a qualquer análise de custo-benefício. São tratadas como uma
verba que provavelmente não será liberada e, se o for, trata-se mais de um
dinheiro que se paga para se ter a fidelidade parlamentar do que para se ter o
serviço público que será prestado pela obra ou programa instituído.
É possível que a execução
obrigatória leve a um tratamento mais criterioso das emendas, inclusive pela
definição, na lei de diretrizes orçamentárias, de critérios rígidos para
apresentação de emendas, vinculando-as a programas preexistentes do Executivo,
inserido em um planejamento de ações que evitaria a dispersão de recursos.
Pelo exposto acima, temos que a
aprovação da PEC elevará a rigidez do orçamento, embora em proporções não
alarmantes, seja porque as emendas parlamentares não representam um valor
elevado em relação ao gasto primário total, seja porque o Executivo conseguiu
que parte das emendas fosse direcionada para despesas já obrigatórias, na área
de saúde.
Do ponto de vista político, há o
risco de o processo de barganha no parlamento, atualmente feito de forma
transparente, por meio da liberação de emendas, passe a se dar com base em
procedimentos menos transparentes e, portanto, fora do poder de fiscalização da
mídia.
____________________
1No jargão técnico, o
procedimento é conhecido como “limitação de empenho e movimentação financeira”
(LRF, art. 9º).
2 Art. 48, alínea “b”, da Lei nº
4.320, de 1964.
3 Parecer preliminar ao PL nº 24,
de 2012, p. 44. Disponível em:
http://www12.senado.gov.br/orcamento/loa?ano=2013&categoria=3.1.3&fase=elaboracao.
4 Fonte: Relatório Resumido de
Execução Orçamentária – Secretaria do Tesouro Nacional.
Por Marcos Mendes e Fernando
Álvares Correa Dias
Publicado em 12/05/2014
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Saiba o que é
o Orçamento Impositivo
Brasília - A aplicação do
Orçamento Impositivo é uma das principais discussões atualmente da Câmara dos
Deputados. A proposta pretende obrigar o governo a executar as emendas
parlamentares aprovadas pelo Congresso para o Orçamento anual.
Essas emendas são os recursos
indicados por deputados e senadores para atender a obras e projetos em pequenos
municípios. A proposta estabelece que o presidente da República pode ser
processado por crime de responsabilidade caso não cumpra o Orçamento aprovado.
Atualmente, o Orçamento federal
tem caráter autorizativo. Isso quer dizer que o governo não é obrigado a seguir
a lei aprovada pelos congressistas, tendo apenas a obrigação de não ultrapassar
o teto de gastos com os programas constantes na lei.
Segundo o líder do governo na
Câmara, Arlindo Chinaglia (PT/SP), há acordo para votar em primeiro turno a
proposta de emenda à Constituição que torna obrigatória a execução de emendas
parlamentares ao orçamento. No entanto, até esta terça-feira (13) não há ainda
uma posição do governo federal favorável ao orçamento impositivo.
O governo concorda com a proposta
de uma emenda aglutinativa que destine 30% do valor total das emendas para a
saúde. Pelo texto aprovado por uma comissão especial, o Executivo será obrigado
a executar 1% da receita corrente líquida no exercício do ano anterior em
emendas propostas por deputados e senadores. O valor corresponde a cerca de R$
10,5 milhões para cada parlamentar.
Emendas
Atualmente, cada deputado e
senador pode apresentar emendas ao Orçamento que somem até R$ 15 milhões. Há
também emendas de bancada, feitas por estado; e de comissões. No total, elas
somaram R$ 20,51 bilhões no último Orçamento, um valor alto se comparado ao
total de investimentos dos órgãos públicos, R$ 86,3 bilhões.
As emendas de bancadas estaduais
e de comissões são de maior valor, mas têm dinâmicas diferentes. Nos estados,
as emendas geralmente destinam-se a grandes obras. Já as comissões desenvolvem
um diálogo com os ministérios de seu tema e fazem emendas direcionadas para
fortalecer cada pasta.
As emendas individuais, no
entanto, estão no centro do debate da PEC do Orçamento Impositivo. A comissão
especial que vai analisar a proposta poderá negociar um novo valor, formas de
contingenciamento por parte do governo e mecanismos para priorizar uma emenda
sobre outra.
Orçamento
A Comissão Mista de Orçamento já
adotou muitas fórmulas ao aprovar essas emendas. Atualmente, as emendas
individuais só podem ser feitas a programas federais que fazem transferência
para municípios. Por exemplo, é possível fomentar cursos na área de educação,
ou projetos para construção de quadras esportivas. No passado, uma parte das emendas
deveria ser obrigatoriamente para a saúde.
O Orçamento é uma conta: de um
lado ele programa gastos para o governo, mas prevê também a arrecadação de
impostos. Por isso, o governo recebe a autorização de gastar, mas programa ao
longo do ano os gastos de acordo com a arrecadação, fazendo contingenciamentos.
Ao fim do ano, uma parcela do Orçamento não foi gasto, mas o dinheiro foi
“empenhado”, ou seja, comprometido com uma obra ou programa. As emendas
parlamentares passam por esse processo. Desde o começo do ano, são
contingenciadas; ao final do ano, muitas ficam nos restos a pagar, podendo mais
tarde ser canceladas.
Portal EBC* - 13.08.2013 -
* Com informações da Agência
Brasil e Agência Câmara
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Orçamento
Impositivo
Enquanto instância de calculadora
e contas.jpgrepresentação popular, o Parlamento nasce juntamente com a
preocupação com o gasto público. Pode-se mesmo afirmar que a história do
orçamento público se confunde com a do Poder Legislativo, encontrando-se no
centro do debate entre as relações entre este Poder e o Executivo.
Nesse sentido, é comum a
indagação relativa a como deve ser um orçamento. Deve ser ele uma peça
meramente autorizativa, na qual fica concedida a permissão ao Poder Executivo
para, caso entenda oportuno, promova os gastos públicos nele previstos, ou, ao
contrário, deve ser ele um instrumento impositivo, por meio do qual as despesas
nele previstas devem, necessariamente, ser executadas?
Tal debate ganha ainda mais
importância ao se pensar no fato de que os membros do Poder Legislativo por
vezes apresentam emendas ao orçamento público. Se o Poder Executivo não é
obrigado a realizar as despesas previstas em tais emendas, não seria isso uma
quebra do princípio da harmonia que deve reger as relações entre os dois
Poderes?
Questões como essas motivaram a
aprovação, em dois turnos, na Câmara dos Deputados, da Proposta de Emenda
Constitucional nº 565, de 2006, a qual busca tornar obrigatória a execução
orçamentária e financeira das emendas individuais dos parlamentares, o que
mostra a relevância e a atualidade de tal debate. Por essa razão, a presente
edição do Fique por Dentro dedica-se a abordar o orçamento impositivo.
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ALGUMAS
OBSERVAÇÕES SOBRE ORÇAMENTO IMPOSITIVO NO BRASIL
Edilberto Carlos Pontes Lima
Resumo
O texto analisa os principais
aspectos da adoção de um orçamento impositivo pelo Brasil. Trata das propostas
em discussão e das implicações econômicas e políticas que cada modelo poderia
trazer.Um dos assuntos em pauta no debate brasileiro atual é a adoção do
chamado orçamento impositivo, que, em poucas palavras, visa obrigar o Poder
Executivo a executar a programação orçamentária aprovada pelo Poder
Legislativo. Diversas proposições sobre o tema tramitam no Congresso Nacional.
O assunto tem vários aspectos a ser considerados, como questões conceituais e,
principalmente, uma dimensão política que envolve disputa de poder extremamente
relevante. É importante ter a perspectiva, como chama a atenção Allen Schick
(1998), de que o “orçamento não é um processo para si mesmo, mas é parte de
arranjos governamentais e institucionais mais amplos.” Há que se ressaltar que
a maior parte do orçamento público já é de execução obrigatória, como as
despesas com pessoal, com benefícios previdenciários, com transferências a
estados e municípios, com pagamento de juros e amortização da dívida pública.
Mesmo a ampla maioria das despesas de custeio é de execução obrigatória, já que
não há como se deixar de pagar as contas de água, de luz, de serviços de
limpeza, entre outras, inerentes ao funcionamento da máquina pública. Resta,
portanto, parte do custeio, principalmente o referente a novos programas ou
expansão dos existentes e o investimento público, em que há uma
discricionariedade relativa, pois muitos projetos dependem de investimentos realizados
ao longo de vários anos, tornando muito difícil interrompê-los. Por exemplo,
considere a construção de um prédio de tribunal que tenha iniciado há três
anos, em outra legislatura. Uma nova legislatura teria dificuldade em
interromper a obra se 50%, 60% ou 70% dela já tivesse sido realizada.
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Publicado por
Senado
A senadora Ana Amélia (PP-RS)
defendeu, nesta terça-feira (16), a substituição do atual modelo orçamentário
pelo orçamento impositivo, que consiste na obrigatoriedade de o governo
executar a lei orçamentária aprovada pelo Congresso Nacional. Atualmente, o
orçamento é autorizativo, podendo o Executivo cumprir ou não a previsão
aprovada pelo Legislativo para gastos que não são obrigatórios, como os
investimentos.
- Está claro e evidente que o
atual modelo orçamentário abre brechas para gastos excessivos ou má aplicação
do recurso público – afirmou.
Ana Amélia ressaltou a
importância de os Poderes Executivo e Legislativo se envolverem no debate e
avançarem com propostas práticas sobre o tema. A senadora considera lamentável
que o modelo atual permita que prefeituras, por determinação do governo
federal, fiquem sem o dinheiro prometido para projetos básicos de saúde,
educação, saneamento e infraestrutura.
- É o famoso contingenciamento. É
um atraso institucional, um desrespeito ao trabalho dos senadores e deputados,
que estão aqui para ajudar na liberação real de recursos federais para os
municípios, além de contribuir para a aprovação de propostas legislativas –
explicou.
A senadora acrescentou que o
modelo federativo atual, em que 60% dos recursos ficam na mão da União, cria
limitações para que as verbas cheguem a estados e municípios com rapidez. Ela
destacou a importância de as prefeituras receberem o dinheiro para o ajuste das
contas públicas.
- A situação que vivemos hoje é
muito parecida com a daquele cidadão que trabalha duro e que recebe a promessa
do patrão de que vai receber o salário mas o recurso nunca chega na conta.
Enquanto isso, as contas não param de chegar, sem dinheiro para pagar, as
dívidas aumentam, o descontrole se instala e fica difícil para o cidadão
cumprir com os seus compromissos – comparou.
A senadora reconheceu a
impossibilidade de um orçamento completamente impositivo, em que todo gasto é
feito exatamente como planejado, mas ressaltou que, mesmo feito de forma parcial,
o orçamento impositivo evitará o descontrole e o não cumprimento de
expectativas.
- É frustrante gerar expectativas
e não cumpri-las. É um desgaste político muito grande. Com todo empenho
parlamentar, muitas emendas não são contempladas no orçamento e, mesmo quando
são, as vezes não chegam para melhorar a vida das pessoas – acrescentou.
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Publicado por
Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso (extraído pelo JusBrasil)
O orçamento geral de Mato Grosso
previsto para 2013 está subestimado e mais uma vez poderá sofrer alterações por
não ser impositivo. A afirmação é do presidente da Assembleia Legislativa,
deputado José Riva (PSD), que foi um dos entrevistados desta quinta-feira (20),
do Programa Chamada Geral, da Rádio Mega FM. Sob o comando do radialista Lino
Rossi, Riva afirmou também à população que pretende voltar a debater a
regulamentação da cobrança de estacionamento feito pelos shoppings centers. “Quero debater isso com mais
propriedade. Existem muitas reclamações
sobre os custos de estacionamento dos shoppings”, destacou. Durante a entrevista, destacou que cada órgão deverá
concentrar esforços
para se adequar conforme o orçamento
estipulado. E que o repasse à
Assembleia Legislativa deverá
ser igual ou inferior ao de 2012. “A
Assembleia Legislativa deverá
gastar menos que este ano. 90% dos investimentos necessários para a Assembleia Legislativa já foram feitos, como a
ampliação dos
gabinetes e construção
do anfiteatro”, disse,
ao defender o orçamento
impositivo e destacar que as mudanças na peça orçamentária geram as
suplementações aos poderes, já que o governo não repassa o orçamento previsto.
Avaliou que os reflexos desse sistema não impositivo afetam diretamente os
municípios. É o caso da falta de investimentos na área da Saúde. “Quem tem recursos é o Governo Federal. Os 25%
que o estado fica da fatia do bolo tributário são
insuficientes para atender a demanda de Mato Grosso”. Citou, ainda, as dificuldades que o Poder Judiciário enfrenta para manter os
serviços mais próximos
à população, através das comarcas. “A
Justiça precisa de
mais investimentos para melhorar as comarcas”. Para Riva, a mudança será
possível somente com a
atuação do Congresso
Nacional, se fizer a reforma do planejamento público, determinando o orçamento impositivo, com
alterações das peças orçamentárias: Plano Pluri Anual (PPA), Lei das Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA). “O Congresso Nacional é omisso e não
faz a reforma necessária.
Não disciplina o
impedimento do remanejamento dentro do orçamento”. A LOA 2013 fixa a receita total em R$ 12,8 bilhões, da seguinte forma: no
Orçamento Fiscal R$ 10
bilhões e Seguridade
Social R$ 2,7 bilhões.
A LOA 2013 compreende o orçamento
fiscal, referente aos três
poderes estaduais, Ministério Público, fundos, órgãos e entidades da
administração direta e indireta e empresas estatais dependentes, incluindo a
fundação legalmente instituída e mantida pelo Poder Público. Além disso,
contempla ainda o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades
e órgãos estaduais a elas vinculados, da administração direta e indireta, e o
orçamento de investimento da empresa estatal não dependente - MT Fomento. Mais
informações Assessoria de Imprensa da Presidência Fones: 3313-6568/ 9952-1211/
9976-5887
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Orçamento
público semi-impositivo para transferências voluntárias: diagnóstico,
perspectivas e proposta de mudanças
AUTOR: ROMIRO RIBEIRO
Resumo: Pretende-se com este
trabalho diagnosticar o modelo legal de transferências voluntárias realizadas
pelo Governo Federal para os entes subnacionais, em face das recorrentes
irregularidades relatadas pelos órgãos de controle. Por que o modelo vem sendo
mantido há décadas diante da notória ineficiência? Quais as reais causas dos problemas
identificados? Por que as medidas já adotadas não se mostraram eficazes? As
evidências obtidas pela pesquisa indicam a necessidade de um novo modelo legal
que contemple, entre outras medidas, o fim da descentralização tutelada, conforme
sugerido neste trabalho.
1- Introdução
Há anos órgãos de
imprensa e de controle vêm relatando problemas relacionados à ineficiência,
desvios de recursos públicos, falta de prestação de contas, amadorismos, entre
outras mazelas ligadas às transferências discricionárias de recursos
financeiros do governo federal para estados, Distrito Federal e municípios. Se
tais problemas são conhecidos e recorrentes, importa perguntar por que
continuam ocorrendo com a mesma ou maior intensidade? Quais as reais causas dos
problemas identificados? Quais as medidas já adotadas para combatê-los? Por que
não se mostraram eficazes?
O tema é relevante do
ponto de vista econômico, social e político.
São formalizados, em média, 24 mil convênios a cada ano.[4] Em 2008, o
valor das transferências voluntárias consignado na lei orçamentária
correspondia a 64,5% do total dos investimentos autorizados e a quase três
vezes (281%) o Programa Bolsa-Família (R$ 11,0 bilhões), considerado
prioritário pelo Governo Federal.
Abordagens superficiais
do tema tendem a concluir que os notórios problemas decorrem de má gestão por
parte dos dirigentes dos órgãos repassadores de recursos, falta de qualificação
da mão-de-obra no serviço público, estrutura técnica e de pessoal insuficiente.
Análise mais percuciente,
todavia, revela que essas hipóteses não explicam consistentemente o fenômeno
por não serem sustentáveis no longo prazo. É razoável supor que problemas
recorrentes, identificados há décadas, teriam sido solucionados pelas
sucessivas administrações, de forma planejada, mediante os necessários aportes
orçamentários. Como isso não ocorreu, conclui-se que existem fatores de outra
ordem que impediram a realização dos investimentos necessários.
2- Aspectos
econômicos e políticos das transferências intergovernamentais
As transferências
intergovernamentais constituem-se em repasses de recursos financeiros entre os
entes de um estado, com base em determinações constitucionais, legais ou em
decisões discricionárias do órgão central, com vistas ao atendimento de
objetivos específicos (obras de saneamento básico, construção de casas
populares, manutenção de creches etc.) ou genérico (desenvolvimento regional).
A literatura econômica
registra, todavia, que são passíveis de descentralização diversas ações
públicas ao mesmo tempo em que é muito restrito o conjunto de tributos que pode
ser arrecadado de forma eficiente pelos governos subnacionais.
O resultado é um
desequilíbrio entre receitas e despesas entre os membros da federação que ficou
conhecido pela expressão desequilíbrio vertical.[5] As transferências visam,
portanto, corrigir essas distorções.
O fator político das
transferências de recursos financeiros encontra ressonância na teoria
reconhecida pela literatura como a “Teoria da Conexão Eleitoral” proposta por
Mayhew (1974), segundo a qual o comportamento parlamentar dos congressistas nos
Estados Unidos tem, como primeiro motor, o desígnio do deputado ou senador de
disputar um novo mandato. (CINTRA e
LACOMBE, 2007)
Cintra e Lacombe (2007)
destacam que essa teoria tem sido contestada no Brasil, entre outros, por
Figueiredo e Limongi. A visão destes autores focaliza e destaca a importância
das estruturas e normas internas do Legislativo, o papel das lideranças como
indutoras do comportamento parlamentar.
Independente dessas
diferentes interpretações, o presente estudo revelou que, historicamente, cerca
de 40% do valor das emendas parlamentares destinam-se a transferências de
recursos para estados e municípios.[6]
O Relatório Final da
CPMI das Ambulâncias (2006, p. 80), a respeito do uso das emendas parlamentares
nas negociações entre Legislativo e Executivo, registra que o “governo Fernando
Henrique centralizou a distribuição de recursos” sob o controle do Executivo ao
criar o Sistema de Acompanhamento Legislativo – SIAL, por meio do Decreto nº
1.403, de 21 de fevereiro de 1995.
No governo atual, tal
controle centralizado está evidenciado na existência de órgão estrategicamente
situado na estrutura organizacional da Presidência da República com o objetivo
de “acompanhar”, “apoiar” e “recomendar” medidas quanto à execução de emendas
parlamentares, nos termos do art. 6º do Decreto nº 6.207/2007.[7]
O trecho abaixo,
extraído do Relatório Final da CPMI das Ambulâncias (2006, V.II, p.702) é
absolutamente cristalino quanto aos interesses políticos envolvidos:
O pano de fundo no
qual se estabelecem as transferências voluntárias é a execução orçamentária, em
especial a execução das emendas parlamentares ao orçamento, individuais e de
bancadas. O tema foi abordado consensualmente entre os parlamentares quanto à
realidade de que a liberação de emendas é, de fato, instrumento para construção
de maiorias de Governo no Parlamento, ao lado da concessão de cargos
comissionados. [...] Na verdade, a origem de todos os ilícitos objetos desta
CPMI está na execução orçamentária voltada para a composição de interesses
políticos.
Portanto, razões de
ordem econômica, social e política justificam e motivam a existência de
transferências intergovernamentais.
3.
Transferências voluntárias
3.1 Distorções nas estatísticas oficiais
Nos últimos oito anos
(2001 a 2008), o Governo Federal realizou transferências voluntárias de
recursos aos estados, Distrito Federal e municípios no valor de R$ 53,6 bilhões
(despesa liquidada). Neste montante, não estão incluídos os convênios
formalizados pelo Ministério da Saúde nem os restos a pagar não processados
inscritos ou pagos anualmente.
A exclusão dos
convênios firmados pelo Ministério da Saúde decorre da interpretação, a nosso
ver equivocada, do contido no art. 25 da LRF[8] que excluiu expressamente do
conceito de transferências voluntárias os recursos destinados ao Sistema Único
de Saúde (SUS).
Ocorre que, pela
metodologia que vem sendo adotada pelo governo federal,[9] são excluídos das
estatísticas das transferências voluntárias não só os recursos destinados ao
SUS mas toda a programação do Ministério da Saúde (Órgão 36000).
Com isso, nem os
recursos destinados ao SUS nem aqueles transferidos discricionariamente pelo
Ministério da Saúde às unidades da Federação são contabilizados nas
estatísticas das transferências voluntárias embora aquele Ministério formalize
centenas de convênios a cada ano com as unidades subnacionais ou com entidades
privadas sem fins lucrativos, conforme demonstrado na Tabela 2 abaixo.
Outra distorção similar
ocorre com os restos a pagar pois não identificamos nenhuma explicação para a
exclusão desses valores das estatísticas das transferências voluntárias. Na
página eletrônica da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) consta apenas a
informação de que a estatística não contempla os restos a pagar.[10]
A omissão do valor dos
restos a pagar não processados distorce a análise da matéria. O fato de uma
despesa ser paga ou transferida no exercício seguinte ao qual estava programada
não a descaracteriza e, portanto, não deveria ser excluída das informações
estatísticas pertinentes.[11]
Tal situação é agravada
quando se verifica que, de 2001 a 2008, 48% dos recursos destinados aos estados
e ao Distrito Federal e 34% dos recursos destinados aos municípios somente
foram empenhados nos últimos sessenta dias de cada ano, o que explica o
expressivo volume de recursos inscrito em restos a pagar no período, mas não
contemplados pelas estatísticas oficiais.
A Tabela 1 abaixo
demonstra o total das transferências voluntárias realizadas no período de 2001
a 2008 pelo critério adotado pela STN[12] e também com o acréscimo dos Restos a
Pagar Pagos em cada exercício. O ajuste elevou as transferências totais do
período de R$ 53,6 bilhões para R$ 78,1 bilhões, ou seja, aumento de cerca de
50%.[13]
Tabela 1 – Transferências Voluntárias Realizadas – 2001 a 2008
Sob a perspectiva dos órgãos concedentes,
observa-se que praticamente todos realizam transferências aos entes
subnacionais e entidades privadas. [14]
Tabela 2 - Convênios Por Órgão Concedente - 1996 a 2008
O modelo legal das
transferências voluntárias possui três características básicas: formalismo
processual, personalismo dos pleitos e descentralização tutelada.
O formalismo processual
é traduzido pelo extenso rol de documentos exigidos pela legislação para
individualizar e especificar o objeto a ser conveniado, qualificar técnica e
juridicamente o interessado, verificar a adimplência tributária e contratual
perante órgãos e entidades da União, investigar se estes adotam gestão fiscal
responsável, se atendem as normas constitucionais relativas a despesas mínimas
com saúde e educação, comprovar a correta aplicação de recursos anteriormente
repassados, entre outras exigências.
A investigação do
cumprimento de cada um desses aspectos exige a elaboração e análise de
relatórios, pareceres, planos, projetos, cronogramas, certidões, documentos
contábeis, prestações de contas etc. que nem os órgãos repassadores nem os
entes beneficiários têm conseguido atender, como será visto na Seção 4.
O personalismo na
análise das transferências voluntárias é caracterizado pelo fato de os pleitos
serem examinados individualmente, segundo as características de cada
empreendimento, beneficiário ou mesmo a iniciativa da transferência, se do
próprio órgão repassador ou do Congresso Nacional, por meio de emenda à lei
orçamentária anual.
Com isso, a análise individual
dos pleitos leva em consideração o atendimento das exigências técnicas e legais
para a execução descentralizada do programa de governo mas também critérios
subjetivos relacionados ao mérito da proposta, ao autor do pedido, à comunidade
beneficiada e a iniciativa da transferência, se do próprio órgão repassador ou
do Congresso Nacional.
As transferências
originadas em emendas parlamentares, por exemplo, têm tratamento diferenciado
nos diversos ministérios tendo, muitos deles, desenvolvidos sistemas próprios
para acompanhar essas transferências, como é o caso do Ministério da Saúde[15]
e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.[16]
A terceira característica,
ou seja, a descentralização tutelada, é a menos óbvia mas seguramente é a que
tem maior impacto na construção do sistema legal que rege as transferências
discricionárias de recursos.
Por que
descentralização tutelada? Porque descentralizar, em sentido comum, é afastar
do centro; descentralizar, em sentido jurídico-administrativo é atribuir a
outrem poderes da Administração para que aja em nome próprio (MEIRELLES, 2009).
No caso das
transferências voluntárias não ocorre este deslocamento de atribuições e
distinção de funções. Há, na verdade, uma duplicação de esforços pois o ente
beneficiário age em nome próprio mas sob intenso monitoramento do órgão
repassador, ao qual compete tudo: planejar, analisar, avaliar, fiscalizar,
aprovar, rejeitar e até mesmo verificar a observância, por parte do
beneficiado, dos princípios norteadores da administração pública: legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Descentralizar, retendo
para si tais atribuições, falseia o princípio pois exige do órgão repassador a
manutenção de estrutura organizacional e de pessoal semelhante àquela
necessária para execução direta de empreendimentos, com a desvantagem de o
procedimento se tornar mais complexo, na medida em que há a interposição de
intermediário (estado, DF ou município) entre o órgão repassador e o objeto do
convênio.
As evidências do
monitoramento espraiam-se por toda a legislação. O art. 10 do Decreto-lei nº
200, de 1967, e o art. 5º do Decreto nº 6.170, de 2007, impõem aos órgãos
repassadores que somente promovam transferências voluntárias após a aferição da
qualificação técnica e da capacidade operacional do convenente para a gestão do
convênio.
Todos os documentos
destinados à instrução da tomada de decisão (projetos, laudos, planilhas de
custos etc.) devem ser submetidos à prévia análise e aprovação do órgão
repassador dos recursos (arts. 21 e 22 da Portaria Interministerial nº
127/2008).
Mas importa perguntar
por que o Governo Federal instituiu e mantém modelo legal com estas
características diante dos claros sinais de ineficiência e dos recorrentes e
graves problemas apontados pelos órgãos de controle.
A análise da legislação
reguladora das transferências voluntárias[17] revela que a tutela imposta aos
entes subnacionais beneficiados com os repasses decorre essencialmente da
necessidade de se dar cumprimento ao princípio constitucional da prestação de
contas.[18] A tutela e o formalismo processual são os instrumentos utilizados
para dar efetividade a esse princípio e ambos condicionam completamente a
atuação dos órgãos repassadores e entes beneficiados.
Portanto, solução para as recorrentes
mazelas seria investir mais em tecnologia, mais em treinamento, mais
contratação de pessoal para analisar e fiscalizar as transferências realizadas,
como indica o senso comum. O estudo levado a efeito neste trabalho indicou que
esta não parece ser a solução mais adequada, como será demonstrado na Seção 6,
a seguir.
4. Principais
problemas detectados nas transferências
Há dezoito anos o
Relatório Final da CPMI do Collor (1992) já apontava a necessidade de “reduzir
drasticamente [...] as chamadas transferências voluntárias” bem como a de “dar
ao sistema de controle interno da administração pública federal [...] reais
condições de avaliar o cumprimento das metas, privilegiando mecanismos de
acompanhamento físico e financeiro” (1992, p. 580), o que demonstra a
recorrência dos problemas. (grifo nosso)
Em 2002, a
Corregedoria-Geral da União realizou auditoria com a finalidade de analisar
mais profundamente o processo de gerenciamento das transferências de recursos
públicos por meio de convênios e contratos de repasse oportunidade em que
constatou descumprimento da legislação aplicável em recursos da ordem de R$ 11
bilhões.
Passados cinco anos da
referida auditoria, o Relatório de Gestão da CGU relativo ao exercício de 2007
registra, novamente, extenso rol de irregularidades identificado pelas
fiscalizações por ela promovidas nos programas e ações relativos às
transferências de recursos aos estados.
O TCU, por seu turno,
há anos vem apontando irregularidades nas transferências voluntárias. O Acórdão
TCU n.º 1.936/2003 - Plenário, por exemplo, deliberou pela conversão de vários
processos em tomadas de contas especiais em conseqüência de inspeções
realizadas para averiguação de esquema fraudulento para agenciar convênios,
manipular licitações e desviar recursos públicos federais em pelo menos trinta
municípios do Estado de Minas Gerais. Mais grave ainda, consta deste Acórdão que
um número expressivo de convênios, nos quais se encontrou irregularidades
graves, havia sido aprovado pelos órgãos concedentes.
Esse quadro de
irregularidades, caracterizado por análises meramente superficiais, pro forma,
existência de pareceres com datas posteriores ou incompatíveis com as datas de
celebração dos convênios, orçamentos superdimensionados também foram apontados
pelo Acórdão TCU n.º 2.261/2005-Plenário.
Mais recentemente o TCU
consignou no Relatório e Pareceres Prévios sobre as Contas do Governo da
República, Exercício de 2006, que as transferências voluntárias têm sido alvo
de fundadas críticas quanto aos seus mais diversos aspectos, dentre os quais:
baixa efetividade; barganha entre os Poderes Executivo e Legislativo para
liberação de emendas; fomentar a montagem de esquemas criminosos objetivando a
apropriação de recursos públicos; deficiências e disfunções operacionais.
Diante desse quadro, o
Parecer Prévio do TCU incluiu ressalva nas contas do Presidente da República
relativas ao exercício de 2006, nos seguintes termos: “XXV - falta de controle
das transferências voluntárias em todas as fases do processo: planejamento,
análise e aprovação dos planos de trabalho, fiscalização da execução e
prestação de contas” (Relatório e Pareceres Prévios sobre as Contas do Governo
da República, Exercício de 2006, p. 317).
5. Análise dos
problemas identificados
5.1 Deficiências de controle dos órgãos repassadores
As deficiências de controle dos
órgãos repassadores são responsáveis pela maioria das irregularidades. É em
razão delas que convênios são assinados com planos de trabalho e projetos
inexistentes ou mal elaborados, as análises técnicas são superficiais, as
prestações de contas não são analisadas tempestivamente, e o acompanhamento dos
empreendimentos é deficiente, o que estimula a ocorrência de outras
irregularidades.
Mas se os problemas são
recorrentes, por que não foram resolvidos ao longo destes quase vinte
anos? A análise das evidências indica
que:
I - analisar e fiscalizar cerca
de 24 mil convênios e contratos de repasses anuais, pulverizados em
praticamente todos os municípios brasileiros, exige estruturas de recursos
humanos, materiais e tecnológicos não disponíveis na administração pública
federal;
II - dotar a Administração de tal
estrutura não se revelou opção viável do ponto de vista político e econômico
diante de restrições orçamentárias do País e de prioridades de gastos
estabelecidos pelo governo.
Portanto, dotar a
Administração de estruturas de recursos humanos, materiais e tecnológicos
compatíveis com os serviços a realizar poderia levar a situação tal que o custo
da fiscalização seria superior aos riscos, o que contraria princípio basilar do
controle, nos termos expresso no art. 14 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de
fevereiro de 1967.[19]
5.2 Irregularidades na execução dos planos de trabalho
Muitas das irregularidades
mencionadas neste trabalho evidenciam o descompasso entre o planejado e o
executado, ou seja, a execução tem-se mostrado incompatível com o formalismo
estabelecido pela sistemática vigente.
São exemplos desse tipo
de irregularidades: os saques dos recursos do convênio sem levar em conta o
cronograma físico-financeiro de execução do objeto; prorrogação de contrato
após ter expirado o prazo de vigência ou sem previsão legal; realização de
pagamentos sem cobertura contratual; execução de objeto diverso do pactuado no
convênio; acréscimos aos contratos de obras e/ou reformas acima dos percentuais
permitidos, entre outros.
Para ilustrar a
natureza desse problema, veja-se o caso emblemático ocorrido no município de
Conceição do Mato Dentro (MG), na execução do Convênio nº 864/1994, por meio do
qual o Fundo Nacional de Saúde transferiu à municipalidade recursos para o
Programa de Atendimento aos Desnutridos e às Gestantes de Risco Nutricional.
As verbas do citado Convênio, no
valor de R$ 19.450,36, destinavam-se à aquisição e distribuição à população
carente de 5.976 quilogramas de leite e 446 litros de óleo. Ao invés de cumprir
este programa de trabalho o prefeito adquiriu 3.590,4 quilogramas de leite em
pó e, com os recursos referentes à contrapartida municipal, comprou cestas
básicas para distribuição à população carente, no valor de R$ 10.728,00.
O TCU, diante da
constatação de desvio de finalidade dos recursos do convênio, aplicou ao
responsável multa no valor de R$ 4.000,00 e julgou suas contas irregulares com
fundamento na legislação vigente.[20] (Acórdão nº 2.690/2003 e Acórdão nº
1.126/2005, ambos da Primeira Câmara).
Em razão da rejeição
das contas do prefeito pelo TCU, o caso foi submetido à Justiça Eleitoral, uma
vez que em tais circunstâncias o responsável fica impedido de concorrer a
cargos eletivos. A matéria, depois de analisada em primeira instância, foi
submetida em grau de recurso ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde é objeto do Recurso Especial Eleitoral –
RESPE Nº 33.806, sob julgamento.
O caso do município de
Conceição do Mato Dentro embora não tenha, de per si, valor estatístico, revela
a natureza do problema ao desnudar suas diversas facetas.
Primeiro, um convênio
de valor mínimo, em torno de R$ 20 mil, vem, desde 1994, portanto há 15 anos,
movimentando o aparelho do Estado (ministérios, CGU, TCU, TSE), despendendo
tempo, recursos humanos e materiais.
Segundo, neste caso e
em outros similares, sabe-se que não está em jogo o valor financeiro de
eventual dano ao erário provocado pelo procedimento apontado como irregular. Em
casos assim, o aparato estatal se movimenta para proteger valores e princípios
legais inerentes às sociedades democráticas e que, por isso mesmo, não podem
ser postos de lado por agentes públicos e privados.
Terceiro, não há que se
fazer qualquer crítica a atuação e às decisões dos órgãos de controle e da
Justiça Eleitoral, pois eles apenas exerceram sua função de exigir o
cumprimento da lei, das normas estabelecidas e dos contratos. Esta é premissa
básica para o bom funcionamento da sociedade.
A legalidade, a
impessoalidade, a publicidade, a obediência a regras e contratos são princípios
basilares aos quais estão submetidos agentes políticos e gestores públicos. A
obediência a estas regras protege a sociedade de personalismos, voluntarismos e
do patrimonialismo, onde não existem fronteiras entre o público e o privado.
Entretanto, há que se
perguntar se a legislação das transferências voluntárias promove e fortalece a
ação conjunta dos entes da Federação, e se tal modelo está em sintonia com os
princípios constitucionais da eficiência ou da autonomia dos entes da
Federação, nos termos estabelecidos pelos arts. 18 e 37 da Constituição
Federal. Os resultados obtidos neste trabalho indicam claramente que não.
Pelo contrário, não
parece razoável que os ministérios, órgãos máximos da estrutura governamental,
responsáveis pelo planejamento e pelo estabelecimento das macro diretrizes a
serem observadas pelo País nas suas respectivas áreas façam política pública
assinando convênios de R$ 20 mil, como no caso relatado, mantendo para si a
responsabilidade de fiscalizar integralmente a execução destes empreendimentos,
localizados, na maioria das vezes, a milhares de quilômetros de suas sedes.
6. Sugestão
para melhoria do processo de trasferências
A Seção 1 demonstrou
que existem razões de ordem econômica, política e social para a realização de
transferências voluntárias. Em consequência, não é de se esperar que a solução
dos problemas identificados neste trabalho passe pela supressão total do
mecanismo de transferências.
Solução estrutural
como, por exemplo, um novo pacto federativo para redistribuição de tributos e
atribuições pode, em tese, minimizar o problema mas é alternativa de difícil
implementação política, pois nem mesmo propostas de reforma tributárias mais
modestas, com objetivo básico de simplificar o sistema, têm logrado consenso
para aprovação no Congresso Nacional, como revelam as dezenas de propostas de
emendas à constituição ora em tramitação nas Casas Legislativas.
De outro lado, a
alternativa representada pela realização de investimentos maciços na capacidade
de gestão dos órgãos repassadores e de controle – mais recursos humanos,
materiais e tecnológicos – também não se apresenta viável do ponto de vista de
prioridade de gastos e eficiência das ações de controle, conforme visto na
Seção 5.
6.1 Novo modelo de transferências voluntárias
Diante dessas evidências resta a
alternativa de buscar eficiência no sistema mediante a simplificação do
processo, clara definição de responsabilidade dos entes políticos que compõem a
Federação e o fim da descentralização tutelada.
O novo modelo deve cometer aos
órgãos do Governo Federal interessados na execução descentralizada de políticas
públicas a responsabilidade para estabelecer os critérios de distribuição de
recursos, as diretrizes, objetivos e as metas a serem alcançadas, cabendo-lhes
fiscalizar os resultados obtidos pela ação empreendida. O foco passa a ser o
resultado, ao invés da legalidade da execução da despesa.
Os estados, Distrito
Federal e municípios, por sua vez, passarão a responder pela regularidade e
legalidade da aplicação dos recursos recebidos, prestando contas, de maneira
simplificada, aos órgãos repassadores e de controle no âmbito Federal, no que
diz respeito aos atingimento das metas e, de forma integral, aos órgãos de
controle interno e externo existentes em seus próprios âmbitos, e à sociedade,
destinatária final da prestação de contas.
Em
síntese, o novo modelo deverá ter as seguintes características:
1) transferências do Governo Federal
diretamente para fundos multisetoriais de desenvolvimento criados no âmbito dos
estados, Distrito Federal e dos municípios exclusivamente para a execução de
empreendimentos em regime de mútua cooperação;
2) os fundos multisetoriais devem apresentar programa
de investimentos e desenvolvimento local mediante a integração das ações nas
diversas áreas (saneamento, turismo, educação etc.), para um período de três
anos, a partir de diagnóstico da realidade econômica e social local e das
prioridades definidas pela população;
3) revisão anual das metas e prioridades do
fundo, com acréscimo de um ano, a cada revisão, de forma a manter o horizonte
de planejamento de três anos;
4) criação de conselhos para debater as
prioridades e fiscalizar a aplicação dos recursos do fundo multisetorial de
desenvolvimento;
5) os órgãos federais deixariam de analisar
propostas de trabalhos específicas para se concentrarem na análise do plano de
desenvolvimento multisetorial apresentado e nos critérios a serem adotados para
alocação descentralizada dos recursos, tais como IDH, população, carências
estruturais da região, eliminação de gargalos, entre outros;
6) flexibilidade na realização dos
investimentos. O ente beneficiário tem flexibilidade para retardar ou acelerar
cronogramas físico-financeiros dos projetos contemplados desde que, ao final do
período considerado, todas as metas tenham sido atingidas;
7) os recursos transferidos incorporam-se
definitivamente ao patrimônio do ente beneficiário, cabendo a este, aos órgãos
de controle interno e externo existentes em cada esfera zelarem pela
regularidade de sua aplicação, segundo a legislação vigente, assim como já o
fazem para os demais recursos orçamentários;
8) a falta de cumprimento das metas e objetivos
sujeitará os entes subnacionais à devolução dos recursos correspondentes
mediante retenção, pela União, diretamente do Fundo de Participação dos Estados
– FPE e do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, de que trata o art. 159
da Constituição;
9) a inclusão das dotações no orçamento
destinadas às transferências voluntárias não é obrigatória, mas, uma vez
incluídas com a identificação do fundo multisetorial beneficiado, a
transferência dos recursos financeiros correspondentes passa a constituir
obrigação legal da União para atender ao planejamento do ente subnacional no
âmbito do fundo multisetorial de desenvolvimento e assegurar a estabilidade do
fluxo financeiro para execução do projeto;
10) os recursos de transferências das áreas da
saúde e assistência social seriam transferidos direta e exclusivamente para os
fundos já existentes nessas áreas[21], para aplicação segundo normas e
diretrizes estabelecidas por esses fundos, com os ajustes pertinentes,
reservando-se a figura dos convênios para casos especialíssimos.
6.2 Pseudos problemas da sistemática proposta
A sugestão deste novo
modelo, que pressupõe mais atribuições aos entes subnacionais, parece paradoxal
diante da gravidade e da quantidade de irregularidades detectadas pelos órgãos
de controle no processo de transferências voluntárias, como visto ao longo
deste trabalho e frequentes.
Pode parecer para
alguns que se está empurrando o problema para as unidades da Federação, que
teriam menor qualificação técnica ou organizacional para gerir os recursos
federais repassados. Pior, estar-se-ia ferindo o princípio constitucional da
prestação de contas, ao qual estão sujeitas todas as pessoas físicas ou
jurídicas, públicas ou privadas responsáveis por recursos públicos, como visto
na Seção 3.2 deste trabalho.
Mas é falsa essa
impressão. Pesquisa realizada nos demonstrativos contábeis das unidades da
Federação demonstrou que os recursos originários de transferências voluntárias
representam, em média, menos de 5% da receita orçamentária total dos entes da
Federação.
Com efeito, os dados do
FINANÇAS DO BRASIL – 2007, da STN, que contém os demonstrativos contábeis de
5.285 municípios brasileiros, revelam que, em 2007, o volume de recursos
originados em convênios formalizados com a União representa, em média, 1% da
receita orçamentária total dos municípios com até 25.000 habitantes. Em
municípios com mais de 75.000 habitantes esta média cai para 0,66% da receita
orçamentária total. A saber:
Tabela 3 - Participação das Receitas de Convênios na Receita Total dos
Municípios – 2007
Esses dados são
consistentes com os balanços consolidados da União, elaborados pela STN, em
cumprimento ao art. 51 da LRF. Segundo o Demonstrativo de Receitas e Despesas
relativo ao período de 2003 a 2007, as receitas de transferências da União e
suas entidades para os municípios, a título de convênios, correspondem a apenas
1,8% do total de suas receitas. Em relação aos Estados e ao Distrito Federal
esta relação cai para apenas 0,26%.[22]
Resultados semelhantes
também podem ser encontrados no Relatório Perfil e Evolução das Finanças
Municipais (2008), elaborado pela STN, que analisou os demonstrativos contábeis
de 3.572 municípios, no período de 10 anos (1998-2007).
Segundo esse Relatório
(2008, p. 22-23), os dados consolidados de receitas mostram que, em média, a
receita de arrecadação própria dos municípios (IPTU, ISS) responde por 35,2% da
receita total; as receitas de transferências constitucionais e legais (FPM, ICMS,
IPVA, SUS, FUNDEF/FUNDEB, FNDE) por 60,8%, e as demais receitas, dentre as
quais se incluem as transferências voluntárias da União e também de convênios
firmados com os respectivos governos estaduais, por apenas 4,8% da receita
total.
Portanto, negar-lhes competência para
gerir esta pequena parcela de recursos é negar-lhes competência para gerir os
demais 95% dos recursos colocados à sua disposição por determinação legal ou
constitucional, o que equivaleria a refutar o princípio federativo, a autonomia
administrativa, financeira e política de cada ente da Federação, cláusulas
pétreas da Carta Magna.
Neste caso, insistir no
raciocínio de falta de competência técnica ou institucional dos entes
subnacionais equivaleria, também, a colocar em xeque não só as prestações de
contas regularmente por eles apresentadas aos respectivos órgãos controle
interno, Tribunais de Contas Estaduais e Municipais, Câmaras Municipais, Câmara
Distrital e Assembléias Legislativas, mas a própria competência destas
instituições para a execução das funções de controle e fiscalização a elas
outorgadas pela Carta Magna.
As evidências
identificadas também desmistificam a idéia de que o Governo Federal possui
capacidade técnica e de gestão superior à dos entes subnacionais, pelo menos na
escala em que vem operando. Pelo
contrário, os órgãos federais têm demonstrado extremas deficiências para
planejar, analisar e fiscalizar os recursos descentralizados, conforme demonstrado
na Seção 5.
De outro lado,
transferir recursos federais para os governos locais e exigir prestação de
contas de forma simplificada bem como estimular o controle social, por meio da
instituição de conselhos locais, não é inovação, mas prática já adotada pelo
governo, sobretudo na área de educação[23] e na realização de
investimentos,[24] conforme revelam os diversos programas governamentais em
execução.
A implantação de um
novo modelo de transferências voluntárias exigirá alteração constitucional e
edição de lei específica para regular as transferências.
A alteração
constitucional seria pontual e teria por objetivo: a) estabelecer que os
recursos financeiros transferidos discricionariamente de uma para outra unidade
da Federação incorporam-se ao patrimônio da beneficiária para todos os efeitos,
cabendo-lhes, portanto, verificar a regularidade de sua aplicação; b) o
descumprimento de metas e objetivos pactuados com o ente transferidor sujeitará
o ente à devolução dos recursos correspondente mediante retenção diretamente
dos recursos do FPE ou FPM.
Essas alterações teriam
por fundamento os princípios da autonomia financeira e política dos entes da
Federação, da eficiência do serviço público e da prestação de contas à
sociedade, o que coloca o cidadão beneficiário do gasto público como principal
agente de fiscalização.
A nova sistemática não
afasta apoio técnico, atuação conjunta ou mesmo a possibilidade da formalização
de convênios, sobretudo em projetos de grande vulto ou de singular
complexidade.
Sob o ângulo político,
a criação de fundos multisetoriais de desenvolvimento com as características
sugeridas tem impacto no processo de elaboração e execução de emendas
parlamentares ao orçamento.
De um lado, perdem os
parlamentares por não poderem mais apresentar emendas para projetos específicos
ou nominar entidades beneficiárias dos recursos, uma vez que os investimentos
estarão previamente definidos nos planos de desenvolvimento multisetorial. De
outro, ganham pela obrigatoriedade de execução dos recursos alocados no
orçamento, libertando-os da discricionariedade do Poder Executivo.
Do lado do Poder Executivo, a
impositividade da execução orçamentária e financeira dos recursos destinados
aos fundos multisetoriais de desenvolvimento pode vir a ser interpretada como
enfraquecimento do instrumento hoje disponível para obter ou manter o apoio
político, representado pelas emendas orçamentárias, conforme visto na Seção 2,
deste trabalho. Este é o potencial problema político a ser superado.
7. Conclusão
Os problemas
identificados neste estudo demonstram um quadro grave de descontrole da gestão
dos recursos financeiros transferidos discricionariamente para as unidades da
Federação.
Diversas evidências
obtidas comprovam a hipótese inicial do trabalho no sentido de que o modelo legal
das transferências voluntárias é o principal responsável pelas recorrentes
irregularidades identificadas pelos órgãos de controle.
Assim, a Seção 3
demonstrou que a complexidade do processo, representada por características de
formalismo, personalismo e descentralização tutelada, levam à ineficiência,
pulverização de recursos e à falsa descentralização, criando o pano de fundo
para a atuação dolosa de agentes públicos e privados.
Análise dos balanços contábeis
dos municípios, conforme consignado na Seção 6.2, revelou que o valor das
transferências voluntárias destinado aos municípios, conquanto relevantes e até
mesmo imprescindíveis para os entes, representam algo em torno de 5% do total
das receitas orçamentárias das unidades da Federação.
Diante dessa evidência,
é inafastável a conclusão de que, se os municípios, os estados e o Distrito
Federal não possuem competências técnica e institucional para gerir esta
pequena parcela dos recursos federais então é de se supor que também não as
possuem para gerir os outros 95% dos recursos diretamente arrecadados ou a eles
transferidos por força constitucional ou legal.
Neste caso, prosseguir
com o raciocínio da falta de competência técnica ou organizacional dos entes
subnacionais equivaleria a colocar em xeque não só as prestações de contas
regularmente por eles apresentadas aos respectivos órgãos controle interno,
Tribunais de Contas Estaduais e Municipais, Câmaras Municipais, Câmara
Distrital e Assembléias Legislativas, mas a própria competência fiscalizatória
destas instituições para o exercício das funções a elas atribuídas pela
Constituição.
A idéia central do
mecanismo sugerido para aperfeiçoar a sistemática compreende a valorização do
planejamento subnacional, o fim do personalismo e da descentralização tutelada,
a criação de fundos multisetoriais de desenvolvimento no âmbito de cada ente
para a execução de empreendimentos em regime de mútua cooperação, e
possibilidade de retenção de recursos do FPE e FPM, na hipótese de não
cumprimento das metas ajustadas, entre outras medidas, conforme detalhado na
Seção 6.
8. Referências
CINTRA, Antônio Octávio, LACOMBE,
Marcelo Barroso. In: Sistema Político Brasileiro: uma introdução. AVELAR,
Lúcia, CINTRA, Antônio Octávio (org). 2. ed. Rio de Janeiro: Unesp, 2007. 493
p.
MAYHEW, D, Congress: The Electoral Conection.
New Haven, Yale University Press, (1974).
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
administrativo brasileiro. 35. ed., revista e atualizada. São Paulo: Malheiros
Editores, 2009.
RIBEIRO, Romiro. Estudo nº
12/2009 – Orçamento Semi-Impositivo para transferências voluntárias:
diagnóstico, perspectivas e proposta. Câmara dos Deputados. 2009. Disponível
em: <
http://intranet2.câmara.gov.br/internet/orcamentobrasil/orcamentouniao/estudos/2009>Acesso
em 5 dez 2009;
BRASIL. Constituição (1988).
Constituição da Republica Federativa do Brasil : 1988 – texto constitucional de
5 de outubro de 1988 com as alterações adotadas pelas EmendasConstitucionais de
n. 1, de 1992, a 53, de 2006, e pelas Emendas Constitucionais de Revisão de n.
1 a 6, de 1994. - 25 ed. - Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação de
Publicações 2007. 462 p.
BRASIL. Lei Complementar nº 101,
de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a
responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp101.htm>.
BRASIL. Lei nº 4.320, de 17 de
março de 1964. Estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e
controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios, e
Distrito Federal. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4320. htm. Acesso em 5 jul. 2009.
BRASIL. Decreto nº 6.170, de 25
de julho de 2007. Dispõe sobre as normas relativas às transferências de
recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, e dá outras
providências.
BRASIL. Portaria Interministerial
nº 127, de 29 de maio de 2008. Estabelece normas para execução do disposto no
Decreto no 6.170, de 25 de julho de 2007, que dispõe sobre as normas relativas
às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de
repasse, e dá outras providências. Disponível em: <
https://www.convenios.gov.br/portal/legislacao.html>. Acesso em 5 jul. 2009.
BRASIL. Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito. CPMI do Collor: destinada a apurar denúncias do Sr Pedro
Collor de Mello sobre as atividades do Sr. Paulo Cézar Cavalcante Farias.
Relatório Final. Diário do Congresso Nacional. Ano XLVII – Suplemento ao nº 41.
Brasília. 1992.
BRASIL. Comissão Parlamentar
Mista de Inquérito. CPMI das Ambulâncias: destinada a apurar as denúncias
envolvendo a ‘Operação Sanguessuga’, realizada pela Polícia Federal, para
investigar quadrilha que atuava na aquisição fraudulenta de insumos
estratégicos para a Saúde. Relatório Final. 2006. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/comissoes/default. asp?origem=CN. Acesso em: 26 maio 2009.
BRASIL. Tribunal Superior
Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 33.806. Relator Ministro Eros Roberto
Grau. Agravo Regimental em Agravo Regimental. Registro de candidato. Prefeito.
Rejeição de contas. Convênio. Julgamento pelo TCU. Irregularidade insanável.
Inelegibilidade configurada. Município de Conceição do Mato Dentro (MG). Diário
da Justiça Eletrônico de 18/06/2009, p. 22 Disponível em: <
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União. Relatório e Pareceres Prévios sobre as Contas do Governo da República:
exercício de 2007. Brasília : TCU, 2008.
447 p.
BRASIL. Tribunal de Contas da
União. Relatório e Pareceres Prévios sobre as Contas do Governo da República:
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BRASIL. Tribunal de Contas da
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Disponível em: . Acesso em: 10. ago 2009.
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União. Acórdão nº 1.936/2003 – TCU - Plenário.
Disponível em: . Acesso em: 10. ago 2009.
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Disponível em: . Acesso em: 10. ago 2009.
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Disponível em: . Acesso em: 10. ago 2009.
BRASIL. Controladoria-Geral da
União. Relatório de Gestão – 2007. Disponível em: < http:
//www.cgu.gov.br/Publicacoes/RelatGestao/Arquivos/relatorio_gestao_
cgu_2007.pdf>. Acesso em 11 jan. 2009.
BRASIL. Controladoria-Geral da
União. Relatório de Atividades da Corregedoria-Geral da União de 2002.
Disponível em: . Acesso em: 01 maio 2009.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria
do Tesouro Nacional. Perfil e Evolução das Finanças Municipais – 1998-2007
(Versão preliminar não submetida à discussão prévia). Brasília: 2008, 81 p.
Disponível em: http://www.stn.fazenda.gov.br/estados_municipios/ index.asp.
Acesso em: 8 jun. 2009.
BRASIL. Ministério da Saúde.
Manual de Cooperação Técnica e Financeira, por meio de Convênios, aprovado pela
PORTARIA Nº 1.074/GM de 29 de maio de 2008. Disponível em:
http://www.fns.saúde.gov.br. Acesso em 14 abril 2009.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome. Relatório de Gestão de 2008. Disponível em:
http://www.mds.gov.br/servicos/relatorio-gestao/2007/servicos/
relatorio-gestao/2007/snas. Acesso em 15 abril 2009.
[1] Publicado na Revista E-Legis
Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação da Câmara dos Deputados nº 4:
1º semestre de 2010. Cefor
[2] Administrador de Empresas.
Especialista em Administração Pública e em Processo Legislativo. Consultor de
Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados
[3] Análise completa do tema pode
ser encontrada no Estudo nº 12/2009 – Orçamento Semi-Impositivo para
transferências voluntárias: diagnóstico, perspectivas e proposta, do mesmo
autor, disponível no sítio
[4] No período entre 1996 e 2008,
o Governo Federal formalizou cerca de 314 mil convênios com os estados,
Distrito Federal, municípios e entidades privadas sem fins lucrativos, no
montante global de R$ 221,4 bilhões, conforme dados divulgados pela
Controladoria-Geral da União. Disponível em: . Acesso em 23 jan. 2009.
[5] O desequilíbrio horizontal
seria aquele resultante das desigualdades regionais entre seus membros
[6] Os projetos de lei
orçamentária aprovados pelo Congresso Nacional relativos aos exercícios de 2004
a 2009 ampliaram as dotações para essa finalidade, em relação ao projeto
encaminhado pelo Poder Executivo, em 80%, 105,6%, 105,5%, 123,9%, 48,7% e 46,5%
[7] Art. 6º À Subchefia de Assuntos Parlamentares
compete:
VIII - acompanhar, apoiar e,
quando couber, recomendar medidas aos órgãos e entidades da administração
pública federal quanto à execução das emendas parlamentares, constantes da Lei
Orçamentária Anual, e sua adequação aos critérios técnicos e de
compatibilização com a ação governamental; (sem grifo no original) (Decreto nº
6.207/2007)
[8] Art. 25. Para efeito desta
Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos
correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação,
auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional,
legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.
[9] Orçamentos Fiscal e da
Seguridade Social, Modalidade de Aplicação 30 e 40, exceto: os programas 903
(transferências constitucionais e legais), 0083 (Previdências Social Básica),
Órgão 36000 – Min. da Saúde, Fonte 138 (Cota-parte Compensações Financeiras),
Atividade 0E36 (complementação da União ao FUNDEB), Grupo Natureza de Despesa 1
(Pessoal). Despesas liquidadas
(+292130201+292130202+292130203+292130209+292130301-292130203). Disponível em:
http://www.stn.fazenda.gov.br/estados_municipios/transferencias_voluntarias.asp
. Acesso em 15 jan 2009
[10] Disponível em: . Acesso em
23 jan. 2009
[11] Além disso, há que se
considerar o fato de que nem sempre os restos a pagar são pagos no exercício
seguinte, o que ocorre mediante prorrogação de seu vencimento, o que também
distorce a série estatística
[12] Nota 88
[13] O ajuste do SUS depende de
prévia conceituação das despesas que integram esse Sistema
[14] dados divulgados pela
Controladoria-Geral da União. Disponível em: . Acesso em 23 jan. 2009.
[15] Manual de Cooperação Técnica
e Financeira, por meio de Convênios (2008, p. 17), aprovado pela Portaria n
º1.074444/GM, de 29 de maio de 2008
[16] Sistema de Convênios
(SISCON), nos termos consignados no Relatório de Gestão (2008), do MDS
Constituição Federall, Lei
Complementar nº1011, de 2000 (LRF), Decreto-lei nº2000, de 1967, Lei de
Diretrizes Orçamentárias nº 11.7688, de 2008, Decreto nº6.1700, de 2007,
Portaria Interministerial nº 1277, de 2008 e alterações, IN nº 11/2007-STN,
entre outras
[18] Art. 70. ............
Parágrafo único. Prestará contas
qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade,
guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos
quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza
pecuniária.
[19] Art. 14. O trabalho
administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e
supressão de controles que se evidenciarem como puramente formais ou cujo custo
seja evidentemente superior ao risco.
[20] De acordo com o art.16666,
inciso III, alínea ‘b’, da Lei nº844333, de 1992, que cuida de “prática de ato
de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou
regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou
patrimonial”
[21] Fundo Nacional da Saúde
(FNS) e o Fundo Nacional da Assistência Social (FNAS)
[22] Disponível em: Acesso em: 15
julho 2009
[23] Programa Nacional de
Alimentação Escolar – PNAE; Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE; Programa
de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento de Jovens e Adultos; Programa
Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar – PNATE; Programa Brasil
Alfabetizado; Auxílio Financeiro para Fomento às Exportações; Programa de
Aceleração Econômica – PAC; ações de defesa civil; Fundo Nacional da Saúde
(FNS) e o Fundo Nacional da Assistência Social (FNAS)
[24] Medida Provisória
nº3877/2007 (Lei nº 11.578/2007) Programa de Aceleração Econômica (PAC). De
maneira inusitada, uma vez que esse Programa trata de despesas tipicamente
discricionárias, o Poder Executivo estabeleceu que as transferências para
estados, DF e municípios para atender o PAC seriam tratadas como
“transferências obrigatórias”. Com esse artifício, o Poder Executivo
simplesmente afastou a aplicação de toda a legislação que rege a formalização
de convênios e contratos de repasse para adotar mecanismos mais simplificados e
ágeis de operação e prestação de contas.
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LDO-2014: é o
Orçamento Impositivo no Brasil?
Prof. Sérgio Mendes
Muito se tem falado na mídia e aqui no Congresso Nacional sobre
“orçamento impositivo”. Você sabe o que significa?
Os orçamentos públicos podem ser
classificados em orçamentos de natureza impositiva e de natureza autorizativa:
Orçamento impositivo: é aquele em
que, uma vez consignada uma despesa no orçamento, ela deve ser necessariamente
executada. Nesta visão, o orçamento, por se tratar de uma lei, deve ser
rigorosamente cumprido.
Orçamento autorizativo: não
existe obrigatoriedade de execução das despesas consignadas no orçamento público,
já que o Poder Público tem a discricionariedade para avaliar a conveniência e a
oportunidade do que deve ou não ser executado. O Supremo Tribunal Federal
entende, até então, que em nosso País o orçamento não é impositivo, mas sim
autorizativo. O fato de ser fixada uma despesa na lei orçamentária anual não
gera o direito de exigência de sua realização por via judicial.
O tema Orçamento Impositivo está
em pauta porque tramita no Legislativo uma Proposta de Emenda à Constituição -
PEC que tende a obrigar a execução orçamentária e financeira de emendas
parlamentares. Como a PEC está em tramitação, não vamos tratar dela agora, pois
ainda pode ser alterada. Após a promulgação, voltamos a tratar do assunto.
Outro motivo do tema Orçamento
Impositivo estar em pauta é que a Lei de Diretrizes Orçamentária para 2014, já
publicada, trouxe o seguinte dispositivo:
Art. 52. É obrigatória a execução orçamentária e
financeira, de forma equitativa, da programação incluída por emendas
individuais em lei orçamentária, que terá identificador de resultado primário 6
(RP-6), em montante correspondente a 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento)
da receita corrente líquida realizada no exercício anterior, conforme os
critérios para execução equitativa da programação definidos na lei complementar
prevista no § 9º, do art. 165, da Constituição Federal.
§ 1º As emendas individuais ao projeto de lei
orçamentária serão aprovadas no limite de 1,2% (um inteiro e dois décimos por
cento) da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo Poder
Executivo, sendo que a metade deste percentual será destinada a ações e
serviços públicos de saúde.
§ 2º As programações orçamentárias previstas no
caput deste artigo não serão de execução obrigatória nos casos dos impedimentos
de ordem técnica; nestes casos, no empenho das despesas, que integre a
programação prevista no caput deste artigo, serão adotadas as seguintes
medidas:
(...)
A partir daí são diversos dispositivos que podem justificar ou não a
execução, não vamos adentrar nisso.
Algumas considerações:
_ O termo orçamento impositivo
foi utilizado pelos parlamentares e pela imprensa nesse processo, portanto,
pode até ser considerado correto pela consagração do uso. Mas é importante
entender o que de fato aconteceu: é uma parcela relativamente ínfima da LOA que
se tornou impositiva. É apenas 1,2% da Receita Corrente Líquida - RCL realizada
no exercício anterior (RCL é um conceito complexo da Lei de Responsabilidade
Fiscal, mas que pode ser entendido como a separação das receitas disponíveis a
cada um dos entes daquelas que eles não têm autonomia para gerenciar). Ou seja,
não é sequer 1,2% das receitas brutas da LOA, é muito menos que isso.
_ Serão de execução obrigatória
as emendas individuais. Assim, as emendas como as de comissão e de bancada
estadual não são impositivas.
_ Há regras a serem seguidas. A
principal delas é que a metade deste percentual de 1,2% da RCL utilizado para
as emendas individuais de execução obrigatória deverá ser destinado a ações e
serviços públicos de saúde. Ainda, problemas de ordem técnica podem ser
impeditivos para a execução e diversas medidas e prazos são adotados (é o
prosseguimento do art. 52, após o § 2º citado acima).
_ Relembro que a LDO é uma lei
com vigência limitada. Assim, a LDO 2014 se refere à execução da LOA-2014. Se,
eventualmente, a LDO-2015 não possuir dispositivo semelhante e a PEC não tiver
sido aprovada ainda, não haverá “orçamento impositivo” para 2015. É improvável,
mas é o que temos hoje.
Assim, uma afirmativa como
"a LDO torna obrigatória a execução de emendas individuais parlamentares
para o exercício de 2014" pode ser considerada correta.
Poderia também ser dito: na
LOA-2014, as emendas individuais parlamentares serão de execução impositiva. Ou
ainda, parte da LOA-2014 é impositiva. São diversas interpretações possíveis
semelhantes sobre o mesmo assunto.
Entretanto, por tudo que
expliquei, entendo ser temário dizer que o orçamento brasileiro agora é
impositivo. Ou seja, entendo ser errada qualquer afirmação que generalize o
orçamento brasileiro como impositivo.
Vamos aguardar as provas. Quando
aparecer a primeira questão em prova ou quando a PEC for aprovada, volto a
tratar do assunto.
PORTAL DO ORÇAMENTO por Prof.
Sérgio Mendes
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ORÇAMENTO
AUTORIZATIVO X ORÇAMENTO IMPOSITIVO
Os países da América Latina seguem o modelo de orçamento autorizativo,
já nos países da Europa, que adotam o parlamentarismo, o modelo de orçamento
adotado é o impositivo.
Texto enviado ao JurisWay em
27/03/2011.
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O Orçamento Público é um
documento legal contendo a previsão de receitas e a estimativa de despesas a
serem realizadas por um Governo em um determinado exercício. O Orçamento Geral
da União inicia-se por iniciativa do Poder Executivo e é discutido, aprovado e
convertido em lei pelo Poder Legislativo. Contém a estimativa de arrecadação
das receitas federais para o ano seguinte e a autorização para a realização de
despesas do Governo. É elaborado conforme o plano plurianual, com a lei de
diretrizes orçamentárias e com as normas da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Orçamento Público é gênero, sendo
espécies o orçamento autorizativo e o orçamento impositivo. O primeiro é aquele
em que se dá autorização ao Poder Executivo a realizar determinadas despesas,
ou seja, dá-se autorização, mas não se obriga; é o caso do Brasil. Já o segundo
é aquele em que o Poder Executivo é obrigado a liberar as verbas votadas pelos
parlamentares. Quando há risco de não atingir a meta fiscal, por frustração de
receitas ou despesas excessivas, o Executivo tem de pedir autorização ao
Legislativo. Os países da América Latina seguem o modelo autorizativo, já nos
países da Europa, que adotam o parlamentarismo, o modelo adotado é o
impositivo.
Há quem defenda o orçamento
autorizativo, sob o fundamento de que o governo reavalia periodicamente as
contas públicas e, com base na arrecadação de imposto e contribuições,
reprograma os gastos até o final do ano. Se adotado o Orçamento Impositivo, o
governo perderia essa discricionariedade. De outra sorte, há quem defenda o
orçamento impositivo, como forma de impedir que o Executivo possa contingenciar
verbas, realizar cortes ou executar discricionariamente a programação
orçamentária.
Há um tertium genus que,
capitaneado pelo Dep. Alberto Goldman (SP), ex-presidente da Comissão Mista de
Orçamento, embora contrários à implantação do orçamento impositivo, são
favoráveis à aprovação de regras para reduzir a discricionariedade orçamentária
do Executivo, afirmam que: "o orçamento não pode ser impositivo porque a
receita nunca é impositiva6" e que a dimensão impositiva do orçamento
estaria sempre em risco, caso não se confirmassem as receitas previstas. Por
isso propõem que em alternativa ao orçamento impositivo sejam discutidas formas
de regulamentar os contingenciamentos.
Tramita na Câmara a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) n.º 22/2000, que obriga o Poder Executivo a
executar, integralmente, o orçamento aprovada no Congresso. O descumprimento
submeterá o presidente da República ou os ministros a julgamento por crime de
responsabilidade, que pode levar a perda do cargo. A PEC determina que o
orçamento impositivo entrará em vigor no ano seguinte à sua promulgação no
Congresso.
Ronaldo Bussad Oliveira)
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ORÇAMENTO
AUTORIZATIVO X ORÇAMENTO IMPOSITIVO
Roberto Bocaccio Piscitelli
Consultor Legislativo da Área IV
Finanças Públicas
Câmara dos Deputados
Praça 3 Poderes
Consultoria Legislativa
Anexo III - Térreo
Brasília - DF
Uma
grande polêmica se instaurou nos últimos anos no Brasil acerca do caráter
meramente autorizativo ou efetivamente impositivo do orçamento público. A
corrente governamental dominante difundiu a concepção de que o orçamento é
necessariamente autorizativo, o que, na prática, tem reduzido o Congresso Nacional
a um papel decorativo na aprovação do orçamento, pois o Executivo, além do
poder de veto, pode simplesmente não executar despesas, sem razão aparente ou
justificativa fundamentada. Contingenciando dotações e retendo liberações
financeiras, o Executivo direciona o orçamento segundo seus próprios interesses
e conveniências, sem ter de prestar contas de sua gestão. Caberia, então, ao
Legislativo valer-se de suas prerrogativas e promover, inclusive, a discussão
técnica e doutrinária da questão, estabelecendo critérios que definissem, em
cada caso, quais são os limites da discricionariedade do Poder Executivo,
tornando a execução do orçamento mais transparente e compatível com uma maior
participação da sociedade nos processos decisórios envolvendo a obtenção dos
recursos e a realização das aplicações que constituem a essência da política
fiscal do Estado.
Nos
últimos anos uma grande discussão se travou na área de Finanças Públicas em
nosso País, em torno do caráter meramente autorizativo ou efetivamente impositivo
do orçamento público. Tem prevalecido a corrente majoritariamente representada
na área econômica do governo, que entende não ser viável a adoção do orçamento
impositivo. Isto, na prática, levou a que o Poder Executivo disponha livremente
sobre o grau de execução das despesas constantes do orçamento.
Os
mecanismos mais óbvios para restringir e retardar a realização das despesas
consistem no contingenciamento das dotações – do ponto de vista estritamente orçamentário
– e na retenção dos recursos do caixa do Tesouro – da ótica essencialmente financeira.
Além disso, consideráveis volumes de compromissos assumidos são inscritos em Restos
a Pagar, que, às vezes, permanecem por anos nessa rubrica e, outras tantas
vezes, são cancelados.
De
acordo com a Constituição Federal, quando se menciona a lei orçamentária anual,
utilizam-se as expressões previsão da receita e fixação da despesa – art. 165,
§ 8º. O mesmo dispositivo se refere à autorização para abertura de créditos
suplementares e contratação de operações de crédito.
Na
realidade, o termo fixação é até questionável. Se do lado das receitas é adequado
mencionar previsão ou estimativa – por não haver certeza quanto à sua
realização -, do lado da despesa fixação não é adequado, precisamente em razão
de que a sua execução depende do comportamento da receita. Isto explica e
justifica a existência de autorização, pois se trata de um limite, um teto; só
se pode gastar o que está autorizado; além disso, depende-se de novos créditos,
isto é, de novas autorizações.
Por
outro lado, enquanto há diferenças – para mais ou para menos – entre o que é
estimado e o que é arrecadado, também pode existir diferença entre o que é autorizado
e o que é gasto, mas para menos, evidentemente. O gasto pode ter sido
superestimado ou a sua efetivação não se mostrar viável, conveniente ou
oportuna, especialmente se houver frustração da arrecadação. Em qualquer caso,
entretanto, a administração tem de ter metas para a arrecadação, assim como
assume compromissos consubstanciados na realização de obras e serviços, cobertos
pelas dotações orçamentárias aprovadas e mediante a utilização dos recursos
financeiros disponíveis.
Independentemente
das discussões doutrinárias e da experiência internacional, é relevante
assinalar que o assunto poderia estar regulamentado pela lei complementar
prevista no § 9º do mesmo art. 165, que deveria tratar das questões gerais relacionadas
à administração orçamentária e financeira. À sua falta, continua em pleno vigor
a Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964 – recepcionada com status de lei
complementar -, que não é suficientemente explícita a respeito do tema, mas
traz uma série de indicações. Esta Lei, em seu art. 22, inc. III, se refere às
estimativas de receita e despesa, à receita prevista e arrecadada, e à despesa realizada
(do exercício anterior), fixada (do exercício em curso) e prevista (do próximo
exercício).
Ao
tratar do controle da execução orçamentária, o legislador determinou que ele
compreende o cumprimento do programa de trabalho, expresso em termos monetários
e em termos de realização de obras e prestação de serviços.
Em
termos programáticos e finalísticos, o orçamento é a materialização do
planejamento. Dentro de uma visão integrada, o orçamento constitui a
especificação, o detalhamento dos objetivos, diretrizes, prioridades e metas da
programação governamental. Neste sentido, portanto, para o Poder Executivo,
mais importante que despender o recurso é cumprir os programas negociados com a
sociedade, com a intermediação do Parlamento. O orçamento – discutido,
aprovado, sancionado e publicado – autoriza o Estado a arrecadar o necessário e
suficiente para realizar, em nome do povo, as suas aspirações. Se puder
executar esse mandato com mais eficiência, isto é, com menos recursos que o
inicialmente previsto, muito melhor; se os recursos previsto forem
insuficientes, caberá novamente à sociedade avaliar a conveniência e oportunidade
do sacrifício adicional requerido. Inversamente, a não-realização do que foi acordado,
formalizado por meio de leis específicas, deveria exigir a concordância prévia
dos interessados, a consulta, a discussão; requer a justificativa, a
fundamentação da impossibilidade, da inviabilidade,
da inconveniência ou da inoportunidade do gasto, bem como a redefinição da alocação
dos recursos correspondentes.
A
Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Resposabilidade Fiscal –
LRF, a propósito do assunto, prevê a limitação de empenho e movimentação
financeira na hipótese de a realização da receita não comportar o cumprimento das
metas de resultado primário ou nominal, até o restabelecimento da receita
prevista. Mesmo nestas circunstâncias, certas despesas – em particular as
destinadas ao pagamento do serviço da dívida – são excetuadas.
Quadrimestralmente, o Poder Executivo deverá demonstrar e avaliar o cumprimento
das metas, em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento (e equivalentes nos
Estados e Municípios) (LRF, art. 9º e §§ 1º, 2º e 4º). Ressalte-se, ainda, que
a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da
competência constitucional de qualquer ente da Federação constituem requisitos
essenciais da responsabilidade na gestão fiscal (art. 11, caput).
O
rigor na execução orçamentária também está caracterizado nas condições estritas
para renúncia de receita (art. 14 e parágrafos), geração da despesa (art.s 15 e
16 e parágrafos) e em relação às despesas obrigatórias de caráter continuado
(art. 17 e parágrafos).
Medidas
restritivas devem ser objeto de evidenciação. Este é o caso do relatório resumido
da execução orçamentária, onde se devem justificas a limitação de emprenho e a
frustração de receitas, especificando, neste caso, as medidas de combate à
sonegação e à evasão fiscal, adotadas e a adotar, e as ações de fiscalização e
cobrança (art. 53, § 2º). No mesmo sentido, o relatório de gestão fiscal do
último quadrimestre deve destacar as despesas não inscritas em Restos a Pagar
por falta de disponibilidade de caixa e cujos empenhos foram cancelados (art.
55, inc. III, 4).
O
controle estrito da receita – que poderia justificar a não-realização de despesas
– é novamente enfatizado no art. 58, sobre a prestação de contas, que deverá
evidenciar o desempenho da arrecadação em relação à previsão, destacando as
providências adotadas no âmbito da fiscalização das receitas e combate à
sonegação, as ações de recuperação de créditos nas instâncias administrativa e
judicial, bem como as demais medidas para incremento das receitas tributárias e
de contribuições.
Paralelamente,
o Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o
sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público, fiscalizarão
o atingimento das metas estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias (art.
59, inc. I). Mais, assim, que uma prerrogativa do Parlamento aprovar e
controlar a execução do orçamento com vistas ao cumprimento das metas
estabelecidas para cada exercício, é sua obrigação verificar e avaliar a
utilização dos recursos públicos na consecução dos programas governamentais.
James
Giacomoni, em seu livro Orçamento Público¹, dá conta das controvérsias
doutrinárias concernentes ao tema: segundo a corrente, o orçamento poderia ser considerado
uma lei no sentido material, fundamentando a obrigação jurídica de obter
receitas ou realizar gastos, ou, então, seria um mero ato administrativo com
forma de lei, ou, ainda, apenas uma lei formal. Numa visão mais restritiva, a
lei orçamentária não cria legislação sobre receitas e despesas, apenas autoriza
o Executivo a cumpri-las sob certas condições e limites financeiros.
Numa
outra visão, mais abrangente, lei orçamentária é lei ordinária e, como tal,
capaz de alterar a legislação financeira existente; funcionários
administrativos devem cumprir as metas previstas na programação orçamentária, e
não o podem fazer livremente, mas nos termos e limites fixados na lei de
orçamento.
Encaminhando-se para uma possível
conclusão, aquele Autor argumenta que a autorização significa que o Executivo
deve realizar determinada programação de trabalho, e não outra, que deve
aplicar os recursos públicos nas várias dotações, de acordo com os valoresteto especificados.
Não se trata de uma liberação para cumprir ou não as apropriações orçamentárias.
Paralelamente,
evoca a distinção estabelecida por Aliomar Baleeiro acerca das despesas fixas e
variáveis, estas como sendo não-regulares, e que, em certo sentido, talvez pudéssemos
associar hoje ao que se convencionou chamar de despesas obrigatórias ou discricionárias.
Os
autores Roberto Bocaccio Piscitelli e outros, em seu Contabilidade Pública², se
referem a algumas modalidades de despesas obrigatórias e discricionárias. São obrigatórias
as transferências constitucionais (Fundos de Participação e programas de financiamento
do setor produtivo regional), as despesas de pessoal e encargos sociais,
benefícios previdenciários, as decorrentes de dívidas públicas, contratual e
mobiliária, e as relacionadas com sentenças judiciais transitadas em julgado
(precatórios). São consideradas como “Outras Despesas Não-discrionárias” os
pagamentos relativos aos programas de seguro-desemprego e abono salarial,
sentenças judiciais, complementação da União ao FUNDEF, benefícios da Lei
Orgânica de Assistência Social – LOAS, idenizações relativas ao Programa de
Atividade Agropecuária – PROAGRO e outras previstas no anexo de despesas
obrigatórias (no caso da LDO de 2006, inclusive os subsídios e subvenções no
âmbito das Operações Oficiais de Crédito, do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento e as transferências destinadas a financiar programas
de desenvolvimento econômico a cargo do BNDES.
Já
as despesas discricionárias – que não decorrem de disposições constitucionais e
legais – dependem, em maior ou menor grau, da disponibilidade de adicional ou residual
de recursos. Tais despesas traduzem, de uma maneira geral, as metas e
prioridades de cada administração. De acordo com as classificações
orçamentárias, as atividades e as chamadas operações especiais são enquadráveis
entre as despesas discricionárias prioritárias (essenciais) e, por isso, têm preferência na alocação; os
projetos, de outra parte, inserem-se entre as demais despesas discricionárias.
A
distribuição dos limites orçamentários para os respectivos órgãos responsáveis
pelo desenvolvimento das ações ocorre com base na avaliação do montante dos recursos
necessários para a manutenção das atividades e das operações especiais de
caráter permanente. Assim, caso os recursos sejam insuficientes, os ajustes
acabam sendo realizados nos projetos. Isso ajuda a entender – o que não significa
justificar – os cortes em investimentos.
É
importante, ainda, assinalar, que a margem de manobra de alocação das despesas
discricionárias sofre limitação também pela vinculação de determinadas receitas
– ou percentuais de receitas - a áreas ou tipos de despesas específicas, o que
poderia dar ensejo a outra discussão de largo alcance, sobre a maior ou menor
rigidez orçamentária.
De
toda a maneira, deve ficar bem claro que, a par de erros nas estimativas – que
podem alterar os montantes previstos e autorizados de receitas e despesas -, a maior
ou menor flexibilidade na execução orçamentária depende, obviamente, da
conjuntura econômica e do próprio desempenho da administração tributária e
fiscal. Ressalte-se a ênfase que atribuímos não apenas à administração
tributária propriamente dita, mas também à administração fiscal, à execução da
despesa. Trata-se, pois, de melhorar a eficiência e a eficácia não apenas da arrecadação
das receitas, como também da realização das despesas.
Giacomoni assinala que o orçamento
só seria uma ficção se fossem realizadas despesas não previstas. De nossa
parte, estamos convencidos de que é preciso ir além: é igualmente ficcional o
orçamento que se caracterize pela não-realização das despesas previstas, autorizadas,
programadas, compromissadas.
A
legislação americana contempla a chamada rescission, em que se exige autorização
legislativa para anulação de crédito orçamentário, o que poderia – e deveria –
ser adotado também no Brasil. De todo o modo, somos de opinião que, sendo matéria
orçamentária de iniciativa do Executivo, solicitações nesse sentido deveriam
obedecer a prazos rígidos, de modo que as alterações não tivessem de ser feitas
“por decurso de prazo”, ou para regularizar situações consumadas, como sói
acontecer em nosso País. Como convém ao processo legislativo, a aprovação,
rejeição ou modificação do projeto encaminhado pelo Executivo é de competência do
Legislativo.
Por
outro lado, a participação – ou a cooperação – do Poder Legislativo – e, por
extensão, da sociedade civil – deveria aprofundar-se nas diversas etapas do
processo orçamentário, desde a sua elaboração. Impõe-se, por exemplo, maior
ingerência do Parlamento na programação financeira, hoje sob controle absoluto
do Tesouro. Aliás, a programação orçamentária deveria desdobrar-se ao longo do
ano, compatibilizando-se com a financeira, e, sobretudo, é indispensável
efetuar um acompanhamento sistemático da execução financeira em associação com a física, o que exigiria uma
maior integração dos órgãos e mecanismos envolvidos no ciclo que vai da
programação ao controle.
Por
fim, não se pode minimizar os efeitos das prerrogativas hoje atribuídas – para
não dizer transferidas – ao Poder Executivo, consistentes em verdadeiras delegações
irrestritas, que possibilitam a abertura de créditos adicionais e
remanejamentos de dotações em limites e condições que equivalem a subtrair do
Poder Legislativo competências que penosamente foram conquistadas e recuperadas
com a Constituição de 1988.
É
oportuno lembrar, enfim, que a questão orçamentária está na origem da própria
existência dos Parlamentos e, também, que a essência da cidadania está na possibilidade
de a população participar da definição da origem e da destinação dos recursos
que concordou em transferir para o Estado, para que este se incumba das funções
que os indivíduos, isoladamente e sob as leis do mercado, não podem ou não
desejam exercer.
BIBLIOGRAFIA CITADA
GIACOMONI, James. Orçamento
Público. 10ª ed. S. Paulo: Atlas, 2001. Apêndice 13.1.
PISCITELLI, Roberto B. Contabilidade
Pública. 9ª ed. S. Paulo: Atlas, 2006. Cap. 4.
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Orçamento
impositivo: necessidade e oportunismo
A
questão orçamentária é um dos elementos basilares da organização do Estado e
das relações entre o poder público e o conjunto da sociedade. A prática do
orçamento moderno no mundo ocidental remonta ao início do fim dos regimes
monárquicos da Europa. No caso específico da Inglaterra, tratava-se da reação
de representantes do Parlamento, que passaram a estabelecer limitações ao poder
de tributação do rei e também começaram a exigir que o soberano apresentasse as
contas dos gastos realizados a partir dos impostos arrecadados.
Assim,
a dinâmica entre o poder executivo e o poder legislativo passou a incluir
também etapas relativas a elaboração, apreciação e votação do orçamento. É
claro que a realidade de cada país e a especificidade de cada momento histórico
oferecem contornos diferenciados e particulares para esse tipo de relação. No
caso brasileiro, a Constituição de 1988 e a legislação regulamentadora
posterior preveem um conjunto de regras e normas a serem obedecidas, com datas
e peças legais muito bem definidas.
As múltiplas faces da
matéria orçamentária
O
Poder Executivo tem um prazo para enviar o Projeto de Lei Orçamentária ao
Congresso Nacional – final de agosto de cada ano. O Poder Legislativo, por seu
turno, não pode encerrar a sessão legislativa anual sem que a peça orçamentária
tenha sido aprovada. Os Projetos de Lei relativos ao Orçamento da União deverão
ser analisados, ao longo da sua tramitação, por uma Comissão Mista permanente
composta de senadores e deputados – é o caso da Lei Orçamentária Anual (LOA),
da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) e do Plano Plurianual (PPA). Enfim, há
um conjunto de dispositivos detalhando os procedimentos a respeito da matéria.
No
entanto, há uma distância enorme entre a intenção inicial do constituinte e do
legislador em comparação com a realidade do processo político e legislativo ao
longo desses 25 anos da promulgação da Constituição cidadã. Na prática, o poder
efetivo fica com o governo e o legislativo acaba influenciando muito pouco nas
definições fundamentais das peças orçamentárias. A prática política e
institucional terminou confluindo para um grande acordo entre os dois poderes,
de maneira que os congressistas se contentam com o espaço criado para votação e
execução da matéria de seu interesse exclusivo, as chamadas “emendas
parlamentares”.
A ausência de debate e
o foco nas emendas parlamentares
Dessa
forma, aquilo que deveria ser um espaço para debate a respeito das prioridades
gerais da formatação da origem das receitas e da alocação das despesas públicas
perdeu muito em substância. As emendas elaboradas pelos parlamentares
individualmente ou em grupo (comissões temáticas das duas casas e bancadas dos
estados de origem) terminam por se converter em uma moeda de troca para
assegurar a fidelidade dos parlamentares nas demais votações de matérias de
interesse do governo.
Além
disso, a dinâmica do mandato do parlamentar e a lógica de sua perspectiva de
reeleição a cada 4 anos passam a depender, em grande medida, das emendas por
ele apresentadas ao Orçamento. Na sua base de ação político-eleitoral, a sua
popularidade e seu reconhecimento frente à população acabam por serem
subordinados à sua capacidade de “trazer” benefícios para a cidade, para o
bairro, para o grupo de interesse ou espaço político similar. Dessa forma, a
maioria dos representantes eleitos mantêm uma relação com o eleitorado baseado
nesse tipo de reconhecimento. Quem está alinhado politicamente com a coalizão
governista do momento acaba sendo beneficiado na distribuição da execução das
emendas. Os parlamentares de oposição tendem a ser prejudicados nesse aspecto.
Na
ponta, no momento de inauguração do centro de saúde, da reforma da escola, no
início da obra de saneamento, na pedra inaugural do viaduto ou no repasse de
recursos para alguma ONG ou entidade associativa, o nome do parlamentar é que é
lembrado com sendo a pessoa que conseguiu trazer o recurso para a obra ou
evento. Aquilo que seria uma deturpação da forma republicana de organização das
relações entre cidadãos e governo, converte-se em uma prática aceita como
“natural” e incorporada na dinâmica cultura, social e política. O parlamentar é
considerado “bom” se traz esse tipo de benefício para a população. Os que
escapam a esse perfil terminam por ser punidos pelo eleitorado no momento do
escrutínio.
Orçamento:
autorizativo versus impositivo
É
dentro dessa lógica que deve ser compreendido o movimento atual, que se
articula mais uma vez no interior do Congresso, de luta pelo chamado “orçamento
impositivo” ou “orçamento obrigatório”. A proposta surge da observação de que o
orçamento no Brasil é apenas “autorizativo”. Isso significa que o Congresso
Nacional autoriza o Executivo a realizar aquele volume de despesas, mas o
governo não é obrigado a realizá-lo daquela forma e naquele volume. Esse
“detalhe” passa a ser fundamental a partir do momento em que a utilização da
política fiscal restritiva se converte em instrumento privilegiado de política
econômica. Com isso, o governo promove contingenciamento de despesas, por
exemplo, e termina por reduzir em muito o volume de gastos ao longo do
exercício. As sobras de caixa são, em geral, utilizadas para geração do
superávit primário e para efetuar as despesas de natureza financeira – o tal do
superávit primário.
À
medida que o Orçamento da União passa a ser encarado como uma grande peça de
ficção, o movimento para mudar tal realidade se fortalece. A ideia é que,
depois de todo o esforço de apreciação e votação da LOA, o governo seja
obrigado a se comprometer com a sua execução. Com isso, haveria menos margem de
manobra para fugir às determinações estabelecidas pelo Poder Legislativo. A
peça orçamentária deixaria de ser autorizativa e passaria a ser impositiva, na
forma da lei.
Porém
ocorre que a tentação de escapar desse tipo de determinação externa é
característica de qualquer governo de plantão. Vai daí que a mudança de governo
em 2003 não foi acompanhada das transformações que o PT sempre havia proposto à
época em que estava na oposição. O Orçamento da União continuou a ser
exclusivamente autorizativo e as tentativas de transformá-lo em impositivo
foram devidamente descartadas e esquecidas. A argumentação é a de sempre: esse
tipo de medida promoveria o chamado “engessamento” na condução desse
instrumento de política econômica, a política fiscal. O governo perderia margem
de manobra para implementar mudanças necessárias, caso a conjuntura econômica e
política assim o exija.
O debate atual:
necessidade de mudança e fisiologismo
A
volta do debate sobre a matéria ocorre justamente em momento de maior
sensibilidade no debate da base aliada e a proposta vem justamente dos
principais aliados do PT e do governo no Congresso. A versão inicial de
Proposta de Emenda à Constituição (PEC 565/2006) é do Senador José Sarney e tem
sido estimulada a tramitar em ritmo acelerado na Câmara dos Deputados pelo
presidente da casa, deputado Eduardo Alves, do PMDB.
Assim,
o que ocorre na prática é uma deturpação da boa intenção inicial do conceito do
orçamento obrigatório. A grande maioria dos deputados e senadores têm
demonstrado ao longo da história recente que não estão lá muito preocupados com
o debate de fundo, a respeito das grandes linhas do desenho orçamentário ou com
as prioridades mestras da execução das despesas públicas. Sua ação está mais
voltada para lograr a liberação da verba de sua emenda específica, para que a obra
ou o projeto de seu mandato seja concluído. E aqui entra, portanto, o caráter
oportunista do debate atual sobre a natureza impositiva que se pretende
conferir ao Orçamento da União. O foco se mantém sobre a obrigatoriedade apenas
do Executivo liberar as emendas parlamentares e executar as despesas a elas
associadas.
Na
verdade, corre-se o risco de perder a oportunidade de um debate sério a
respeito do Orçamento e da necessidade do Congresso Nacional não ser mais
enrolado pelo governo em seu dia-a-dia de execução das despesas, na forma de
ações, programas, projetos e obras. Como sempre, a discussão e a polêmica
acabam permanecendo restritas a detalhes de natureza meramente fisiológica, sob
o manto de verniz de um suposto respeito à autonomia do poder legislativo.
Alguns partidos da base aliada, em um momento de revolta e descontentamento,
lançam mão da ameaça de dificultar a vida do governo no parlamento.
Parece
evidente que o Orçamento deveria ser executado pelo Poder Executivo em sua
integralidade, uma vez concluído a tramitação e a discussão de suas prioridades
e os detalhes de seus programas, ações e projetos em escala nacional, regional
e local. Porém, a pior forma de iniciar esse tipo de debate necessário de
mudança é introduzir o elemento fisiológico. É de uma pequenez absurda
restringir o foco ao atendimento dos interesses mesquinhos do parlamentar em
sua base eleitoral. A natureza obrigatória da execução da peça orçamentária é
muito maior do que o oportunismo de plantão derivado da prática política
fisiológica.
Paulo Kliass
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A PEC do
orçamento impositivo
críticas à proposta em discussão no parlamento brasileiro
Fabiano de Figueirêdo Araujo
A PEC 565/2006 poderá trazer problemas de relevo no tocante ao
engendramento orçamentário, incrementando ainda mais a intranquilidade
governamental na execução da parcela discricionária da LOA.
1. Introdução.
O orçamento público é ferramenta
imprescindível ao funcionamento do Estado. Esse instrumento traz em sua essência o mister de influenciar
decisivamente o rumo econômico nacional. A política fiscal deriva basicamente
dos meandros do orçamento.
Acerca da realidade brasileira, o
orçamento acaba possuindo papel de relevo, como cediço, mercê de grande papel
do Estado na atividade econômica. Sobre tal aspecto, há enorme restrição pelo
fato de que a execução orçamentária, nos termos como ela foi formatada pelo
Congresso Nacional, não é plenamente cumprida.
No afã de eliminar tal
problemática, muitos enaltecem a necessidade de se implementar o chamado
orçamento impositivo (NÓBREGA, 2013), ou seja, um orçamento que obriga o Poder
Executivo a executar inteiramente a programação orçamentária aprovada pelo
Poder Legislativo (LIMA, 2013).
Com o fito de atender ao
desiderato, foram formatadas propostas normativas, a fim de eliminar o caráter
meramente autorizativo da lei orçamentária anual (LOA). Várias propostas de
leis e de emendas à Constituição foram constituídas por inúmeras fontes. Dentre
tais proposições, aquela que mais se destacou foi a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) nº 565/2006.
O objetivo do presente trabalho
é, portanto, promover uma avaliação crítica da PEC nº 565/2006, a qual pretende
implementar a execução orçamentária obrigatória das chamadas “emendas
parlamentares individuais”, modificações do Projeto de LOA no âmbito do
Congresso Nacional perpetradas para atender pretensões pontuais dos
parlamentares.
2. Breve delineamento sobre o
processo de execução orçamentária e financeira.
O estudo das peculiaridades da
norma orçamentária procura geralmente promover uma abordagem analítica,
focando-se o âmbito da receita, delineando suas características básicas e a
classificação dos ingressos, bem como se destrincham os aspectos mais
importantes da despesa, com foco especial na complexa sistemática de
classificação da defesa.
No presente caso, tal passo não
será realizado. Com efeito, além de ampliar demasiadamente o tamanho do
trabalho, não ostentaria valor prejudicial ao escopo da problemática aqui
abordada, qual seja, a avaliação dos limites da discricionariedade da execução
orçamentária. Definições doutrinárias de realce, quando necessárias, serão
indicadas oportunamente. Sem embargo, questões preambulares devem ser
apontadas.
Com efeito, é sabido que as
normas orçamentárias, e em especial destaque, a lei orçamentaria anual, são
aprovadas pelo Congresso Nacional, após o envio do respectivo projeto de lei
pela chefia do Poder Executivo. Neste intercâmbio dos dois poderes estatais,
delimita-se a estimativa das receitas que darão cobertura às despesas fixadas
na LOA, excluindo-se desde já o montante reservado no Anexo das Metas Fiscais
(art. 4º, §1º, da LRF) como objetivo de resultado primário (PISCITELLI &
TIMBÓ, 2012, p. 55).
Eis um interessante relato de
como se estabelece o montante da receita orçamentária:
(...) A receita pública constitui um dos
indicadores da política econômica, sendo necessário identificar o conjunto de
fatores que afetam sua realização. São os chamados efeitos legislação, preço e
renda, que se configuram como parâmetros fundamentais para estimativas das
receitas. Além disso, as estimativas deverão ser feitas por tipo de receitas,
dando os diferentes efeitos que cada um dos parâmetros mencionados produz em
cada tipo de receita. Exemplo: a receita decorrente do Imposto sobre Produtos
Industrializados apresenta variações especificamente associadas ao nível de
atividade do que o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, que depende mais do
desempenho das empresas em geral, nos seus lucros. É extremamente importante a
existência de um acompanhamento para cada tipo de receita, para o cálculo de
sua estimativa, porque existem vinculações e outras destinações constitucionais
e legais (PISCITELLI & TIMBÓ, 2012, p. 56).
Logo após, focar-se-á o âmbito da
despesa, calculando-se o montante de dispêndios obrigatórios. No âmbito da
União, são qualificados como tais espécies de gastos as transferências
obrigatórias constitucionais e legais, as despesas relacionadas com vencimentos
e encargos sociais de pessoal, benefícios da Seguridade Social, valores
decorrentes de dívidas públicas e de sentenças judicias transitadas em julgado
(PISCITELLI & TIMBÓ, 2012, p. 59).
Percebe-se, pois, que boa parte
do orçamento público federal é efetivamente vinculado, de sorte que a parcela
passível de discricionariedade no âmbito federal limita-se a percentual
aproximado de 20% (dez por cento) do total do orçamento da União (GONTIJO,
2010), parte essa que será qualificada doravante como despesas discricionárias.
Avaliando-se a demonstração do
Resultado Primário e Nominal do Governo Central no ano de 2012, extraído do
Quadro 9 do Volume I da Lei Orçamentária Anual de 2013, podemos confirmar tal
ilação, com base nos seguintes dados:
Receita
Primária Total
|
1.060.245,00
|
-
|
Transferências
a Estados e Municípios
|
169.937,20
|
16,03%
|
Pessoal
e encargos sociais
|
190.641,70
|
17,98%
|
Benefícios
da Seguridade Social
|
318.830,30
|
30,07%
|
Outras
despesas obrigatórias (tais como Seguro Desemprego, Fundo Constitucional do
DF, Sentenças judiciais, apoios a entes federativos, royaltes etc.)
|
126.407,40
|
11,92%
|
Despesas
discricionárias & Programa de Aceleração do Crescimento
|
218.651,20
|
20,62%
|
Resultado
Primário (sem o Fundo Soberano)
|
|
|
As
despesas discricionárias abrangem, na prática, dispêndios relacionados com
outros tipos de despesas correntes da Administração Pública, fora aquelas já
citadas anteriormente que possuem naturezas vinculativas, bem como
investimentos a serem empreendidos pelo Poder Público. Nessa seara, contudo,
são abarcadas por: (i) gastos imprescindíveis ao funcionamento da máquina
pública, tais como valores relacionados com energia elétrica ou prestação do
serviço público de água, de sorte que tais despesas possuem grande
inflexibilidade; (ii) alocações para custeio e investimento correspondentes a despesas
mínimas que a Administração Pública deva fazer em determinados setores, tais
como a educação (vide art. 212 da Constituição Federal); e (iii) vinculação de
receitas a determinadas espécies de despesas, de sorte que os valores
arrecadados a título de específica rubrica não podem ser empregados em outras
esferas do Poder Público (a título de ilustração, pode-se citar que o
encargo-legal de 20% a incidir sobre os débitos inscritos em dívida ativa da
União devidamente ajuizados, previsto pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 1.025, de
21 de outubro de 1969, só pode ser empregado para projetos destinados ao
incentivo da arrecadação, administrativa ou judicial, de receitas inscritas
como Dívida Ativa da União, à implementação, desenvolvimento e modernização de redes
e sistemas de processamento de dados, no custeio de taxas, custas e emolumentos
relacionados com a execução fiscal e a defesa judicial da Fazenda Nacional e
sua representação em Juízo, em causas de natureza fiscal, bem assim
diligências, publicações, pro labore de peritos técnicos, cf. trecho do art. 3º
da Lei nº 7.711, de 22 de dezembro de 1988).
Dessarte,
a discricionariedade para planejar o orçamento brasileiro é bem inferior ao
próprio percentual indicado acima. Não há dúvida, pois, da pequena margem de
manobra que a Administração Pública possui em relação à elaboração e ao
processo de execução do instrumento orçamentário. É nesse pequeno espectro de
atuação que o Estado brasileiro promove boa parte da sua influência no âmbito
da política fiscal, implementando as mais diversas ações de sua alçada. Desse
modo, infere-se que qualquer nova tentativa de se estabelecer vinculações e
maior rigidez no processo de execução orçamentária, em nossa realidade, deve
ser vista com bastante parcimônia.
Eis,
em brevíssimas palavras, o arcabouço atual que incide sobre a execução
orçamentária e financeira. O planejamento orçamentário estatal é elemento
imprescindível ao equilíbrio da economia nacional e, assim, a norma
orçamentária deve ser formatada no afã de garantir a plena exequibilidade deste
instrumento de política fiscal.
Não
se pode olvidar o incessante papel da LOA nos rumos da economia brasileira nos
últimos vinte anos, em especial após a superveniência do Plano Real. Se, num
primeiro momento, a ferramenta orçamentária teve o condão de priorizar a
implementação de superávits primários, com o fito de evidenciar ao mercado uma
tentativa de equilíbrio fiscal fomentador de investimentos privados em nosso
país, nos últimos tempos advieram vários benefícios fiscais, para fins de
tentativa de ampliação da demanda na economia e superação da crise econômica
mundial de 2008.
Firmadas
tais considerações, teceremos breves linhas sobre a operacionalização do
processo de execução orçamentária e financeira.
Conforme
o art. 8º da LRF, após trinta dias da publicação da LOA, o Poder Executivo
deverá, via Decreto, estabelecer a programação financeira, isto é, o cronograma
de liberação de recursos financeiros aos órgãos e entidades de tal Poder,
durante o exercício. Lembra-se, na oportunidade, que nos termos da Constituição
Federal (art. 168), os recursos financeiros destinados aos demais Poderes e ao
Ministério Público serão repassados até o dia 20 de cada mês.
Nos
termos do art. 9º da LRF, se verificado, após um bimestre, que a previsão de
receita não se comporta da forma planejada na LOA, ameaçando o cumprimento das
metas fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão limitações de
emissão de empenho e de movimentação financeira. Segundo o parágrafo terceiro
da norma, o Poder Executivo poderia fazer as limitações de empenho no âmbito
dos demais poderes e do Ministério Público, no caso destes não promoverem a
limitação no prazo estabelecido no caput do artigo. Nada obstante, o Supremo
Tribunal Federal, em sede de liminar, considerou tal atitude do Poder Executivo
em outras esferas inconstitucional, por ofensa ao postulado da separação dos
poderes (ADI 2238 MC). Desse modo, a eficácia de tal norma, na prática, incide
apenas ao Poder Executivo, visto que a limitação de empenho e de movimentação
financeira, para os outros poderes e do MP, depende apenas da boa vontade dos
chefes dessas esferas.
O
que geralmente ocorre é que o Poder Executivo Federal, logo após a publicação
da LOA e partindo da premissa que há superdimensionamento da receita (o que
tradicionalmente ocorre, principalmente quando o projeto de lei sofre
alterações no Congresso Nacional, para aumentar a previsão de ingressos, com o
fito de abarcar mais emendas parlamentares), edita um Decreto promovendo desde
já as limitações previstas no art. 9º da LRF, isto é, prevendo restrições para
empenhar.
Mas,
o que seria empenho? A fim de responder essa ponderação, vale a pena descrever
um pouco sobre as fases das despesas. Para cumprir o aludido mister, é de bom alvitre
trazer esclarecimento já promovido pelo autor do presente em outro
empreendimento intelectual (ARAUJO, 2013, p. 336):
Com
efeito, os arts. 58 e seguintes da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964,
dispõem sobre a execução da despesa pública, indicando que o dispêndio público
submeter-se-á ao seguinte itinerário:
(i)
empenho, o qual consubstancia o ato emanado por autoridade que cria a obrigação
estatal de pagamento pendente de condição, reservando numerário suficiente de
uma dotação orçamentária para garantir a satisfação de um débito e que se
materializa, em regra, pela emissão da nota de empenho;
(ii)
liquidação, que é a verificação do direito adquirido do credor, avaliando-se se
a condição necessária para recebimento de valores pelo particular foi cumprida,
isto é, se um bem foi fornecido ou se um serviço foi prestado; e
(iii)
pagamento, que configura o pagamento propriamente dito ao terceiro particular.
Toda
despesa que passa pelo orçamento público pressupõe o empenho, que nada mais é
do que a primeira fase do rito da despesa pública. No instante em que um ato
normativo abstrato impõe limitações ao ato de empenhar, a referida norma está
diretamente restringindo o gasto público, a ocorrer, contudo, apenas após um
determinado período de tal limitação. É dito isso, pois o efetivo repasse de
recursos a particulares só ocorrerá com a fase do pagamento da despesa pública.
Assim, limitando-se a edição de empenhos agora, evitam-se compromissos
financeiros no futuro.
É
de bom alvitre anotar que além dessa limitação geral de emissão de empenho em
órgãos da Administração Pública, o Poder Executivo Federal implementou
restrições específicas para empenho em determinadas contratações (art. 5º do
Decreto nº 7.689, de 2 de março de 2012, com redação dada pelo Decreto nº
8.056, de 25 de julho de 2013, e o art. 1º da Portaria MP nº 268, de 30 de
julho de 2013), a fim de tentar evitar gastos em contratações relacionadas com
despesas de custeio e fomentar o dispêndio público na seara dos investimentos.
Percebe-se,
pois, que a limitação de empenho é mecanismo adequado para equilibrar a despesa
pública e, por conseguinte, empregar a ferramenta orçamentária em consonância
com os desígnios do Poder Político no seu norte de política fiscal. Ao lado da
regulação de empenho, o art. 9º da LRF também traz disposições relacionadas com
a movimentação financeira.
A
movimentação financeira trata propriamente do “dinheiro em caixa”, ou seja, dos
recursos financeiros que o Estado possui para garantir a suas obrigações. Assim,
a Administração Pública estabelece um limite de valores pelos quais cada órgão
fica autorizado a pagar, intentando coordenar o ritmo da execução da despesa
pública em relação ao fluxo de recursos que ingressam no Tesouro Nacional.
Desse
modo, o órgão central de Sistema de Programação Financeira do Governo Federal,
a Secretaria de Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, promove a
transferência de recursos às unidades setoriais nos mais diversos poderes,
cabendo a estes elaborar a programação financeira dos órgãos e entidades a eles
vinculados, manter os entendimentos pertinentes junto ao órgão central, receber
os limites de saque e distribuí-los entre as unidades orçamentárias que lhe são
subordinadas(ALBUQUERQUE et al, 2008, p. 549).
Esses
recursos transferidos têm como finalidade amparar a última etapa do processo de
execução da despesa, qual seja, a do pagamento. Acaba englobando o pagamento de
empenhos relacionados com o presente exercício, e empenhos que estejam
inscritos em restos a pagar. Desse modo, a grande existência de restos a pagar
inscritos em uma determinada unidade é fator que acaba prejudicando a
programação financeira de tal órgão, haja vista a concorrência entre despesas
mais antigas, de exercício anterior, e empenhos correspondentes ao exercício em
curso, de sorte a dificultar, muitas vezes, o pagamento tempestivo de
obrigações.
As
linhas tecidas acima tratam superficialmente do processo de execução
orçamentária e financeira em nosso país. Após o transcurso desse trecho
teórico, iremos avançar sobre as propostas de limitação da discricionariedade
orçamentária no Brasil, foco do presente trabalho.
3. Discussão política sobre a
discricionariedade na execução orçamentária brasileira.
Uma
das graves críticas que se observam no âmbito do cenário econômico brasileiro é
a falta de confiabilidade na execução do cronograma orçamentário estabelecido
anualmente.
Investimentos
que estavam previstos na lei orçamentária, na grande maioria das vezes, não são
executados integralmente (COSTA, 2013), trazendo consequências negativas no
âmbito da gestão pública e nas próprias relações negociais privadas.
Com
o fito de estancar tal problema, muitos levantam “a bandeira” do orçamento
impositivo, isto é, um orçamento que obriga o Poder Executivo a executar
inteiramente a programação orçamentária aprovada pelo Poder Legislativo (LIMA,
2013). Tal forma de execução orçamentária iria de encontro ao modelo de
orçamento existente em nosso país, de caráter autorizativo.
Como
delineia J. R. Caldas Furtado (2009, p. 93):
Sucede que as leis orçamentárias brasileiras
não são impositivas, ou seja, têm natureza autorizativa. Isso quer dizer que o
disposto no PPA não vincula a elaboração das respectivas LDOs, que também não
obrigam as leis orçamentárias, que igualmente não garantem a execução das
despesas nelas fixadas.
Sobre
o assunto, há enorme divergência na esfera econômica e política. Poder-se-iam
escrever páginas e páginas acerca dos díspares entendimentos, das distintas
visões, das inúmeras opiniões. Procurar-se-á, sob o manto da objetividade,
tecer rápidas linhas sobre tais nortes interpretativos.
Parte
da literatura sustenta a ideia de que a execução obrigatória dos comandos
orçamentários trariam benefícios indiscutíveis, tais como garantia à sociedade
de que propostas contidas na LOA seriam cumpridas, com consequentes efeitos na
segurança das relações econômicas. De outra banda, há de se anotar que o
aludido cenário também evitaria discussões de cunho político entre o Poder
Executivo e o Poder Legislativo, mormente no tocante às chamadas “Emendas
Parlamentares”.
Sobre
o assunto, convém transcrever, por exemplo, a visão do ex-ministro da Fazenda
Mailson da Nóbrega (2011):
Embora
seja comum entre jornalistas, analistas e observadores, falar em orçamento
“autorizativo”, é uma aberração que não tem base histórica nem institucional. A
aprovação do orçamento público pelo Parlamento é uma conquista construída ao
longo de séculos de resistência ao absolutismo dos reis. Foi a forma de impor
controles sobre os monarcas e retirar-lhe o poder de gastar a seu talante
(normalmente para conduzir guerras). Sua contrapartida natural é a limitação do
poder do rei para criar e impor tributos à sociedade. O orçamento é, pois, uma
lei. Ao Poder Executivo não assiste o direito de decidir o que cumprir.
(...)
É
verdade que poderia ser um desastre cumprir a lei orçamentária. O Congresso
costuma superestimar a receita para abrigar emendas parlamentares. Desse modo,
haveria uma expansão irresponsável dos gastos se o orçamento fosse cumprido.
Há, felizmente, formas de obviar esse problema, já testadas em outros países.
Na Alemanha, a estimativa do orçamento é feita por consultorias independentes.
Nos Estados Unidos, o Congresso tem um órgão independente, o Congressional
Budget Office, que faz sérias, responsáveis e acuradas estimativas da receita.
No Brasil, poder-se-ia deixar a tarefa a uma comissão mista de técnicos do
Executivo e do Congresso (que tem gente muito qualificada nessa área).
Com
o orçamento impositivo, as emendas parlamentares seriam liberadas
automaticamente, obedecendo apenas a um cronograma que levasse em conta o
comportamento da receita e a necessidade de distribuir as liberações ao longo
do exercício fiscal. As emendas perderiam a perversa de servir como instrumento
de barganha. Hoje, os deputados chantageiam o Executivo caso os respectivos
recursos não sejam liberados, ameaçando não votar projetos de interesse do
governo ou votar a favor de projetos irresponsáveis (caso atual da emenda que
equipara os salários das polícias e dos bombeiros de todo país aos dos seus
congêneres de Brasília).
Convém
consignar, por oportuno, que a despeito dessa visão, o ilustre paraibano
asseverou ressalvas em relação à proposta de emenda constitucional (PEC) nº 565/2006,
atualmente em grande destaque na Imprensa e no Congresso Nacional, visão que
será inclusive realçada oportunamente (2013).
De
outra banda, os defensores da manutenção do status quo orçamentário ressaltam o
benefício da flexibilidade do governo no tocante à política fiscal, em
situações de crises econômicas. Ademais, na realidade nacional, o orçamento
impositivo poderia trazer consequências nefastas à economia, mercê da tradição
verificada nas relações entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo de
promover um superdimensionamento da receita prevista na LOA, com o fito de
autorizar novos créditos orçamentários para interesses específicos, de sorte
que a execução de tais dispêndios sem lastro arrecadatório traria um
desequilíbrio mortal às contas públicas.
Ademais,
pode-se trazer o entendimento de Edilberto Carlos Pontes Lima (2013), no
sentido de que:
(...)
no atual sistema político-eleitoral brasileiro, com os problemas de ausência de
fidelidade partidária, de excessos de partidos políticos com representação no
parlamento, entre outras dificuldades, o orçamento impositivo poderia ser um
fator de imobilismo, de obstáculos para a implementação de uma agenda para o
país. Afinal, como se comentou, a implementação seletiva do orçamento acaba por
ser um importante instrumento de governabilidade. Sem ele, poderia haver óbices
adicionais para a aprovação de emendas constitucionais, de projetos de lei, de
medidas provisórias, enfim, dos projetos de poder que o Presidente da República
tem.
4.
Propostas de implantação do orçamento impositivo no Brasil
Sergio
Praça bem delineia, em sua tese de doutoramento, sobre a estruturação de três
espécies de orçamento impositivo (PRAÇA, 2013, p. 175):
No Orçamento Impositivo
Externo (doravante OI Extremo), o governo seria obrigado a executar
integralmente a programação orçamentária definida pelo Congresso. Se o
presidente não tivesse a arrecadação tributária suficiente para isso,
contrairia dívidas para executar os gastos necessários. No Orçamento Impositivo
Intermediário (doravante OI Intermediário), o governo poderia deixar de
executar certos gastos por falta de receita, desde que justificasse isso para o
Legislativo e dele obtivesse autorização explícita. Tratar-se-ia de ter a
anuência do Congresso para a não-execução de parte do orçamento. Finalmente, no
modelo de Orçamento Impositivo Flexível (doravante OI Flexível), o governo
poderia deixar de executar certos gastos por causa da falta de receita,
comunicando isso para o Legislativo sem precisar de sua autorização explícita
para que isso ocorra. O sistema político brasileiro propôs um quarto tipo de
Orçamento Impositivo plausível, no qual fica bastante clara a principal
motivação dos parlamentares para apoiar propostas nesse sentido: O Orçamento
Impositivo para Emendas Parlamentares (doravante OI Emendas). Neste caso, o
Executivo estaria obrigado a executar todas as emendas orçamentárias,
individuais e coletivas, propostas por parlamentares.
Sergio
Praça conseguiu sintetizar, de forma rápida, as várias modalidades de orçamento
impositivo que a doutrina levanta. O denominado “OI Extremo” é geralmente
rechaçado, haja vista a radicalização do processo proposto por tal formatação
orçamentária. De outra banda, o “OI Intermediário” recebe relativo apoio, uma vez
que, além de procurar trazer um viés cogente aos comandos orçamentários,
permite a flexibilização de tal obrigatoriedade, mediante prévia oitiva da
autoridade legislativa, a exemplo da denominada rescission, prevista na
legislação americana (PISCITELLI, 2013). Já o OI Flexível não teria muita
diferença prática em relação ao que hoje existe, propondo-se tão-somente a
necessidade de que o Poder Legislativo seja notificado da pretensão executiva
de não cumprir integralmente um determinado crédito orçamento, devendo o
Legislativo deliberar sobre as motivações que deram ensejo à aludida conduta,
punindo-a, se não ficou convencido da argumentação. A OI Emendas é a
propositura mais avançada no cenário, como será demonstrado posteriormente.
Após a Constituição Federal de 1988,
exsurgiram 18 propostas normativas de aplicação do Orçamento Impositivo na
realidade nacional (PRAÇA, 2013, p. 177). Eis uma síntese dessas proposituras:
(i) Proposta de Emenda à
Constituição nº 77/1999: foi apensada à PEC nº 22/2000 (antiga numeração da PEC
nº 565/2006);
(ii) Proposta de Emenda à
Constituição nº 2/2000: encontra-se arquivado;
(iii) Proposta de Emenda à Constituição
nº 28/2000: foi apensada à PEC nº 22/2000 (antiga numeração da PEC nº
565/2006);
(iv) Proposta de Emenda à Constituição
nº 22/2000: convertida na PEC nº 565/2006;
(v) Proposta de Emenda à
Constituição nº 481/2001: arquivado por falta de assinaturas;
(vi) Proposta de Emenda à Constituição
nº 169/2003: foi apensada à PEC nº 22/2000 (antiga numeração da PEC nº
565/2006);
(vii) Propostas de Leis Complementares nº
87/2003, 218/2004, 205/2004, 195/2004 e 4786/2005: arquivados;
(viii) Propostas de Emenda à Constituição nº
385/2005, 46/2007, 96/2007, 281/2008 e 321/2009: foram apensadas à PEC nº
22/2000 (antiga numeração da PEC nº 565/2006);
Pelo
que se vê na exposição acima, a maior parte das minutas legislativas não
lograram êxito. A única que possuiu relativo sucesso em tramitação é a PEC nº
22/2000, atualmente com a numeração da PEC nº 565/2006. A sua primeira
assinatura é a do ex-Senador Antônio Carlos Magalhães, do antigo Partido da
Frente Liberal, cujo objetivo subjacente possivelmente foi, em síntese
apertada, criar uma medida política desfavorável em relação ao então presidente
Fernando Henrique Cardoso, bem como proteger o poderio político da oposição em
face dos novos ventos de proeminência política que advieram ao Brasil, com a
assunção do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva (PRAÇA, 2013, p. 171-2).
A
PEC foi iniciada no Senado, logrando possuir maior possibilidade de sucesso
quando o ex-Senador ACM assumiu a presidência da Comissão de Constituição e
Justiça do Senado. Em meados de 2006, a PEC foi aprovada em dois turnos no
Senado, seguindo à Câmara de Deputados.
Por
sua vez, na Câmara, houve o decurso de largo espaço temporal para efetivo
impulso de tramitação, havendo maior prioridade na sua avaliação apenas após a
assunção do Deputado Henrique Eduardo Alves à presidência da Câmara de
Deputados, haja vista que a aprovação de tal matéria teria sido um dos motes de
sua campanha à chefia daquela unidade do Poder Legislativo Federal.
A
aprovação, em primeiro turno, na Câmara ocorreu em 13 de agosto de 2013. A
aprovação, em segundo turno, se deu em 27 do mesmo mês, tendo a propositura
normativa voltado ao Senado, haja vista a sua modificação perpetrada na casa
revisora.
No
Senado, a proposta recebeu nova numeração (PEC 22A, de 2000), e foi aprovado em
dois turnos, sendo a última sessão em 12 de novembro de 2013. Mercê de mais
alterações, a propositura, já com ampla concordância entre os parlamentares,
voltou à Câmara de Deputados, com a numeração PEC 353, de 2013.
Essa
PEC possui, de mais relevante, o seguinte:
(i) as emendas parlamentares
individuais à LOA serão aprovadas no importe máximo de um inteiro e dois décimo
por cento da receita corrente líquida prevista no projeto encaminhado pelo
Poder Executivo, devendo-se ressaltar que metade deste valor deve ser gasto em
ações relacionados com a saúde;
(ii) é obrigatória a execução
orçamentária e financeira dos créditos orçamentários relacionados com tais
emendas;
(iii) tal execução obrigatória
orçamentária pode ser obstaculizada, caso haja impedimentos técnicos, nos
termos expostos na proposta;
(iv) se for verificado que a reestimativa da
receita e da despesa poderá resultar no não cumprimento da meta de resultado
fiscal estabelecida na lei de diretrizes orçamentárias, o valor global
relacionado com essas emendas parlamentares individuais poderá ser reduzido em
até a mesma proporção da limitação incidente sobre o conjunto das despesas
discricionárias;
Percebe-se,
pois, que a PEC possui ínsita relação com as modificações perpetradas pelo
Poder Legislativo no projeto de LOA, denominadas de emendas parlamentares
individuais. Mas, o que seriam essas emendas parlamentares?
A
Constituição Federal determina que a iniciativa da norma orçamentária seja do
Poder Executivo (art. 165). A LOA, como uma das espécies de lei orçamentária,
segue o mesmo destino. A Norma Maior outorgou ao Poder Legislativo a atribuição
de modificar os termos da propositura orçamentária apresentada (art. 166, §3º),
desde que: (i) sejam compatíveis com o Plano Plurianual e com a Lei de
Diretrizes Orçamentárias; (ii) indiquem os recursos necessários que darão
cobertura aos dispêndios relacionados com a modificação proposta, admitidos a
princípio apenas os provenientes de anulação de despesas, não se podendo,
contudo, anular previsões de créditos relacionados com dotações de pessoal e
seus encargos, serviços de dívida ou transferências tributárias constitucionais
para Estados, Municípios ou Distrito Federal.
Para
dar cobertura às emendas parlamentares, há anulação de parte dos créditos
orçamentários existentes no projeto de LOA, especialmente a reserva de
contingência, bem como o emprego de recursos novos embasados em reestimativas
de receita (art. 56, caput, da Resolução do Congresso Nacional (CN) nº 1, de 22
de dezembro de 2006).
Segundo
o normativo de regência do assunto (Resolução CN nº 1, de 2006), existem as
emendas individuais, no número máximo de 25 para cada parlamentar (art. 49 da
Resolução CN nº 1, de 2006), sendo que o valor total de tais emendas não pode
superar por congressista o importe apontado pelo Relator-Geral do Orçamento. Há
também as emendas de comissão, apresentadas pelas Comissões Permanentes pelo
Senado e pela Câmara de Deputados, possuindo pertinência temática com a matéria
avaliada pelos seus respectivos propositores, e que devem ter necessária
relevância nacional (art. 44, II, da Resolução CN nº 1, de 2006). De outra
banda, vale lembrar as emendas de bancada estadual, relativas a matérias de
interesse de cada Estado ou Distrito Federal (art. 46 da Resolução CN nº 1, de
2006).
A
PEC, pelo que se vê, tem como foco a execução orçamentária das emendas
parlamentares individuais. Consubstancia-se em típica referência de “OI
Emendas”, na capitulação empregada por Sérgio Praça. Com efeito, a preocupação
pretendida pela PEC ora em comento consubstancia-se na execução efetiva das
propostas derivadas dos componentes do Congresso Nacional no plano da
formatação orçamentária nacional.
Essa
proposta, contudo, trará consequências no tocante à metodologia de
relacionamento político extra e intraparlamentar. Outrossim, poderá influenciar
o Governo no tocante ao engendramento da política fiscal e das funções de tal
campo na economia. A avaliação crítica de tal PEC será exposta logo a seguir.
5. Avaliação crítica da PEC do
orçamento impositivo.
O
orçamento público reflete, de forma mediata, os anseios e os desígnios da
população. É o instrumento concreto da subjacência ideológica predominante em
determinado tempo e espaço. Por sua vez, a atuação do Poder Legislativo, em tal
frente, enseja ainda mais legitimidade àquela norma, visto que pressupostamente
essa performance está consentânea com os desejos do corpo social que elegeu os
seus respectivos mandatários de poder.
Ademais,
o orçamento público, como sabido, foi implementado no afã de servir como um
controle legislativo na ânsia de gastos da função executiva. Com o transcurso
temporal, o Poder Legislativo acabou tendo um caráter proeminente na
estruturação dos comandos orçamentários. Se a aludida assertiva não era um
truísmo sob a égide do regime militar em nosso país, a Constituição Federal de
1988, por sua vez, intentou qualificar esse protagonismo.
Diante
dessas premissas, os defensores da PEC sustentam a sua viabilidade, tendo como
background exatamente esses dois nortes, quais sejam, a de que a LOA deve ser
executada o máximo possível (SENADO, 2013), bem como a proposta normativa
corrobora a hegemonia parlamentar nas questões orçamentárias (PSDB, 2013).
Examinando-se
criticamente, contudo, a PEC, percebe-se que tais premissas fatalmente não
serão satisfeitas.
Como
se acentuou anteriormente, a margem discricionária de imputação de gastos na
LOA é bastante diminuta, tendo em vista o grande número de vinculações e
despesas de cunho obrigatório existentes. O estabelecimento de mais um caso de
execução obrigatória estrangula ainda mais essa conveniência, aumentando a
resistência de se cumprir integralmente a LOA. Afinal, não custa rememorar que
é nessa pequena faixa da LOA em que a Administração Pública pode efetivamente
promover sua política fiscal.
Há
um círculo vicioso: boa parte da LOA possui execução, na prática, obrigatória,
incentivando-se a gestão a selecionar o que deve ser satisfeito na parte discricionária;
há reclamações, por isso, no sentido de que a LOA não é cumprida, de sorte que
grupos de interesse incrementam ainda mais a parte de execução obrigatória, no
afã de vincular o dispêndio público aos seus desígnios; com a ampliação ainda
maior da área obrigatória, o governo restringe mais ainda a execução
orçamentária no âmbito discricionário.
Como
“o apetite” por despesas públicas acaba tendo uma tendência de ampliação, ou
pela visão ideológica predominante no espaço temporal, ou em razão da “Lei de
Crescimento Incessante” de Wagner[1] ou em face de grupos de interesses[2], o
Governo Brasileiro, no afã de possuir uma maior liberdade na atuação
orçamentária, acaba, na prática, fazendo uma receita superavaliada,
possibilitando a inclusão de maior quantidade de créditos orçamentários e, no
processo de contingenciamento, opta pela execução da parte discricionária da
LOA que lhe seja do alvitre. Eis porque Gil Castello Branco, fundador da ONG
Contas Abertas, acentuou, em recente entrevista, que:
o orçamento real acaba sendo o decreto de
contingenciamento. Antigamente, os contingenciamentos eram de R$ 6 bilhões, R$
8 bilhões; agora se cogita chegar a R$ 40 bilhões ou R$ 50 bilhões, justamente
porque a receita está completamente superestimada (CASTELLO BRANCO, 2013).
Infere-se,
pois, que o estabelecimento de um cenário pontual de execução orçamentária
obrigatória, em norma confeccionada a latere da LOA, acaba trazendo maior
insegurança no tocante à completa satisfação da parte que se refere às despesas
discricionárias, desprestigiando, portanto, aquilo que foi decidido pelo Poder
Legislativo. A PEC ora em comento acentua tal problema, visto que estabelece
mais uma “calda de execução obrigatória”, fazendo com que o Poder Executivo
restrinja ainda mais a margem não obrigatória de execução orçamentária. O
privilégio outorgado às emendas parlamentares individuais dar-se-á contra a
segurança na execução futura da LOA, incentivando ainda mais o caráter fictício
da norma orçamentária, uma vez que o Poder Executivo terá maiores restrições
para cumprimento da parte discricionária do orçamentário.
De
outra banda, o argumento de privilegiar a autonomia do Parlamento em face do
Poder Executivo também não soa realista. Afinal, se há dúvidas acerca da
configuração jurídica da LOA, no tocante ao seu caráter de norma material ou
formal (discussão jurídica que por ser bastante extensa, não se expõe nesta
sede), com a aprovação da indigitada PEC não haverá mais dúvidas acerca da
natureza meramente formal da LOA, porquanto o estabelecimento de norma
constitucional que preveja a execução obrigatória das emendas parlamentares
individuais enseja, por via transversa, a interpretação de que o restante da
LOA não tem a mesma qualidade.
Em
face da aludida premissa, o senador Pedro Taques fez contundente crítica à PEC
no seu trâmite no Senado, mormente quando acentuou que:
“O
Parlamento, se aprovar esta PEC, estará abdicando de sua prerrogativa
constitucional de deliberar sobre o orçamento, em troca da alegada ‘garantia’ do
desembolso de uma parcela irrisória do dinheiro público para fins que
interessam, supostamente, a cada parlamentar individualmente”, afirmou Pedro
Taques.O "pior", na opinião do pedetista, é o fato de que a proposta
explicita, pela primeira vez em toda a história, que o orçamento não é
impositivo. “O raciocínio é simples: se 1% da receita corrente líquida é ‘de
execução obrigatória’, os outros 99% não são. Ao aprovar esse absurdo, o
Congresso Nacional estaria legitimando exatamente aquilo que os defensores da
PEC alegam ser a distorção maior do orçamento: o seu suposto caráter de mera
autorização ao Executivo em 99% da despesa”, ressaltou. (TAQUES, 2013)
Ademais,
não é desarrazoado apontar que o Congresso Nacional passará a se preocupar mais
detalhadamente com o exame meritório das emendas parlamentares individuais,
assunto deveras importante para o processo de reeleição dos legisladores, visto
que assegura a estruturação de ações orçamentárias nas áreas de influência
eleitoral dos congressistas. A importância da emenda parlamentar é tão excelsa
para os mandatários políticos que, sem embargo da sua ínsita relações com
grandes escândalos de corrupção[3], a sua manutenção na Ordem Jurídica não foi
expurgada.
Esse
cenário fatalmente infirmará a atenção legislativa nos demais tópicos
orçamentários, o que evidencia, ao fim e ao cabo, um desprestigio da atuação do
Poder Legislativo no controle orçamentário. Essa crítica foi consignada, por
exemplo, por Paulo Kliass (2013), o qual enalteceu que o debate da PEC em
testilha evidencia que “a discussão e a polêmica acabam permanecendo restritas
a detalhes de natureza fisiológica, sob o manto de verniz de um suposto
respeito à autonomia do poder legislativo”.
Outrossim,
vale lembrar que a execução obrigatória das emendas parlamentares individuais,
além de ampliar a incerteza sobre o cumprimento da parte discricionária da LOA,
como ressaltado alhures, poderá ter o condão de direcionar a modificação da LOA
do exercício correspondente à emenda, bem como a formatação da LOA de anos
posteriores. É dito isso, porque é possível a utilização da chamada “janela
orçamentária”, isto é, crédito orçamentário manifestamente pequeno para
atendimento do objeto a que se refere.
Nos
casos de “janela orçamentária”, caso haja o impulso do cumprimento de tal ação
orçamentária, acaba sendo necessária a Constituição de um crédito adicional na
LOA do ano correspondente ao crédito, ou até mesmo, a elaboração de crédito
orçamentário específico no exercício superveniente.
A
despeito de ter havido a tentativa de limitação da “janela orçamentária” com a
Resolução do Congresso Nacional nº 1, de 2006[4], isso não significa que esta
prática deixou de existir (PRAÇA, 2013, p. 105). As motivações exigidas pela
aludida norma podem acabar sendo desqualificadas pela realidade,
necessitando-se, com o fito de se evitar desperdício de recursos públicos em
projetos e atividades inacabados, o estabelecimento de créditos adicionais ou
créditos em exercícios futuros vinculados a atividades amparadas por ações orçamentárias
patrocinadas anteriormente por parlamentares.
Dessa
forma, a PEC em comento pode ensejar o aludido problema, incrementando ainda
mais a rigidez da confecção da LOA e suas alterações e trazendo, por
consequência, maior insegurança na realização das despesas de cunho
discricionário.
Por
outro lado, há argumentos de críticos da indigitada PEC no sentido de que ela
fomentará a corrupção em nosso país, haja vista a possibilidade de conluio
entre parlamentares e empresários.[5] Sem embargo da possibilidade de
ocorrência de tal fato, não se adentrou neste ponto específico, uma vez que
esse fundamento parte de uma premissa que está propriamente fora do âmbito
orçamentário. A exposição aqui contida tem como referência o prejuízo que a PEC
poderá trazer no tocante à segurança da execução orçamentária.
Infere-se,
pois, que a PEC poderá trazer problemas de relevo no tocante ao engendramento
orçamentário, incrementando ainda mais a intranquilidade governamental na
execução da parcela discricionária da LOA. A falta de segurança no cumprimento
da LOA tenderá, pois, a aumentar, com a aprovação da indigitada PEC.
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direito financeiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
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impositivo é porta aberta para a corrupção. 18/11/2013. Brasil Econômico.
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21/10/2013.
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Obras Demoradas – Pequena Parcela do orçamento de investimento é executada.
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20/11/2013.
Notas
[1] Segundo GIACOMINI (2012, p.
7), o economista alemão Adolf Wagner formulou a indigitada teoria, no sentido
de que “à medida que cresce o nível de renda em países industrializados, o
setor público cresce sempre a taxas mais elevadas, de tal forma que a
participação relativa do governo na economia cresce com o próprio ritmo de
crescimento econômico do país”.
[2] Atuando como rent seekers,
como leciona MONTEIRO (2007, p. 107 e ss.).
[3] Vide, por exemplo, os
notórios casos dos Anões dos Orçamento e da CPI das Ambulâncias.
[4] Vide o seu artigo 50:
Art. 50. As emendas individuais:
I - que destinarem recursos a
entidades de direito público, deverão observar a programação passível de ser
objeto de emendas, definida pelo Parecer Preliminar;
II - que destinarem recursos a
entidades privadas, deverão observar a programação passível de ser objeto de
emendas, definida no Parecer Preliminar e, cumulativamente:
a) atender às disposições
contidas na lei de diretrizes orçamentárias;
b) estipular as metas que a
entidade beneficiária deverá cumprir, demonstrando a sua compatibilidade com o
valor da emenda;
c) identificar a entidade
beneficiada, seu endereço e o nome dos responsáveis pela direção;
III - deverão, no caso de
projetos, resultar, em seu conjunto, em dotação suficiente para conclusão da
obra ou da etapa do cronograma de execução a que se refere.
Parágrafo único. O Parecer
Preliminar especificará os elementos que deverão constar da justificativa das
emendas individuais.
[5] Por todos: CASTELLO BRANCO
(2013).
---------------------------------------------------------------------
Orçamento
impositivo. Exame da PEC nº 565/06
Kiyoshi HaradaKiyoshi Harada
Publicado em 12/2013. Elaborado
em 08/2013.
O orçamento impositivo é muito mais do que a mídia vem apregoando,
restringindo o seu alcance à obrigatoriedade de liberação de verbas originadas
de emendas parlamentares.
Resumo: Este estudo promove
análise das modificações genéricas a serem introduzidas no âmbito da elaboração
das leis orçamentárias, e examina com maior detença a distinção entre o
orçamento autorizativo em vigor e o orçamento impositivo que a Pec nº 565/06 pretende
introduzir. Conclui que a feitura de orçamento impositivo exige conhecimento
profundo da realidade nacional e ação de um estadista, pois, uma vez fixadas as
despesas estas deverão ser exauridas no cumprimento das finalidades específicas
a que se destinam.
Sumário: 1 Introdução. 2 Exame de
aspectos genéricos. 2.1 Nova redação conferida ao § 2º, do art. 57 da CF. 2.2
Nova redação conferida ao § 7º, do art. 165 da CF. 2.3 Nova redação conferida
ao § 9º, do art. 165 da CF. 2.4
Acréscimo do § 10 ao art. 165 da CF. 2.5 Nova redação conferida ao art. 166 da
CF. 3 Orçamento autorizativo. 3.1 Evolução do orçamento clássico para
orçamento-programa. 3.2 Natureza jurídica da lei orçamentária anual. 3.3 O
princípio da legalidade das despesas públicas. 4 Orçamento impositivo. 5
Referências bibliográficas.
1 Introdução
Faremos uma breve análise das
inovações propostas em matéria de leis orçamentárias, dando maior ênfase na
distinção entre orçamento autorizativo em vigor e o orçamento impositivo que se
pretende introduzir.
Como veremos mais adiante o orçamento
impositivo é muito mais do que a mídia vem apregoando, restringindo o seu
alcance à obrigatoriedade de liberação de verbas originadas de emendas
parlamentares.
2 Exame de aspectos genéricos
Antes de adentrarmos no exame do
orçamento impositivo faremos uma breve análise das questões genéricas objetos
de modificações pela PEC sob exame, bem como um exame mais aprofundado do tipo
de orçamento em vigor.
2.1 Nova redação conferida ao § 2º, do art. 57
De conformidade com a nova
redação conferido ao § 2º, do art. 57 da CF
“a sessão legislativa não será encerrada sem a deliberação sobre o
projeto de lei orçamentária anual.”
A redação original referia-se à
lei de diretrizes orçamentárias Pelo princípio da simetria, no nosso entender,
já era aplicável em relação à lei orçamentária anual.
Pela nova disciplina
substituiu-se a expressão “sem aprovação do projeto de lei de diretrizes
orçamentárias” pela expressão “sem deliberação sobre o projeto de lei
orçamentária anual.” O certo seria apenas explicitar o texto original
acrescentando o projeto de LOA e mantendo como estava a redação em relação ao
projeto de LDO, conferindo a ambos os projetos idêntico tratamento. Pela
proposta apresentada o projeto de LDO deverá ser devolvido para sanção até o
dia 30 de abril, como veremos mais adiante.
Esclareça-se, por oportuno, que a
disposição do § 2º, do art. 57 aplica-se aos Estados, DF e Municípios nos
termos do art. 3º da PEC sob comento.
2.2 Nova redação conferida ao § 7º, do art. 165
da CF
O § 7º, do art. 165 da CF passa a
ter seguinte redação:
“§ 7º Os orçamentos previstos no § 5º, I e
II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, ressalvadas as
dotações para atender ao serviço da dívida pública, terão a programação dos
gastos detalhada, no mínimo, por Estado e Distrito Federal, com o objetivo de
reduzir as desigualdades inter-regionais.”
Basicamente a nova redação, com o
fito de reduzir as desigualdades inter-regionais, prescreveu a programação da despesa pública
detalhada, no mínimo, por Estado e Distrito Federal. É uma forma de trazer
maior transparência no direcionamento dos gastos públicos para Estados,
Distrito Federal e Municípios, com o objetivo de promover a integração
socioeconômica das diversas regiões do País.
2.3 Nova redação conferida ao § 9º, do art. 165
da CF
O § 9º passa a ter seguinte
redação:
“Cabe à lei complementar:
I – dispor sobre o exercício financeiro, a
vigência, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de
diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual;”
Se confrontarmos com o texto
vigente notaremos que só foi suprimida a palavra “prazos”.
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É que os prazos passaram a ser
regidos pelo disposto no § 6º, do art. 166 da CF abarcando aqueles para envio
pelo Executivo dos projetos de lei e os de devolução pelo Congresso Nacional
para a sanção do Presidente da República, conforme comentaremos mais adiante.
Lembramos que o art. 3º da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que dispunha sobre o projeto de Lei do Plano
Plurianual estabelecendo prazo para sua devolução, foi integralmente vetado
pelo Executivo sob o argumento de que o prazo previsto para a sua discussão era
muito exíguo.
2.4 Acréscimo do § 10 ao art. 165 da CF
É acrescido o § 10 ao art. 165 da
CF com a seguinte redação:
“A lei orçamentária anual somente incluirá
novas categorias de programação se tiverem sido adequadamente contempladas com
dotações aquelas em andamento.”
O parágrafo acrescido não permite
a inclusão na lei orçamentária anual de novas categorias de programação se não
tiverem sido adequadamente contempladas as dotações em andamento. Visa, com
isso, priorizar as dotações em curso. O difícil é interpretar a expressão
“adequadamente contempladas” que envolve uma certa dose de subjetivismo.
Outrossim, não se pode perder de vista que
o dinamismo do fenômeno social traz consigo novas necessidades coletivas
a serem atendidas pelo Estado, exigindo a inclusão de novas categorias de
programação.
2.5 Nova redação conferida ao
art. 166 da CF
A PEC sob análise confere nova
redação ao art. 166 da CF suprimindo os
§§ 1º e 2º e alterando o seu § 6º nos seguintes termos:
“Art. 166. Os projetos de lei relativos ao
plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos
créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na
forma dos respectivos regimentos.
§ 1º (Revogado).
§ 2º (Revogado).
§ 6º No âmbito da União, os projetos de lei
do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual serão
enviados pelo Presidente da República ao Congresso Nacional nos seguintes
prazos:
I – do plano plurianual, para vigência até
o final do primeiro exercício financeiro do mandato presidencial subsequente,
até oito meses antes do encerramento do primeiro exercício financeiro e
devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da sessão
legislativa;
II – das diretrizes orçamentárias, até 20
de fevereiro e devolvido para sanção até 30 de abril, aplicando-se as
disposições do art. 64, § 2º, in fine, na hipótese de não haver deliberação
sobre a matéria na data indicada;
III – do orçamento anual, até sete meses
antes do encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o
encerramento da sessão legislativa.
....”
Com as supressões dos §§ 1º e 2º
a Comissão Mista deixa de atuar no processo legislativo. Caberá a cada uma das
Casas do Congresso Nacional examinar e emitir parecer sobre os projetos de leis
orçamentárias. Outrossim, as emendas serão oferecidas no âmbito de cada uma das
Casas de conformidade com os respectivos regimentos.
Isso implicará prejuízo ao
processo legislativo próprio para deliberação de projetos de leis de natureza
temporária, que requer rápida tramitação, podendo representar um obstáculo à
devolução dos projetos nos prazos assinalados no § 6º.
Como se verifica dos incisos I a
III os projetos de lei do plano plurianual, das diretrizes orçamentárias e do
orçamento anual passam a ter prazos estabelecidos no texto constitucional para
seus envios ao Congresso Nacional pelo Executivo, bem como para o Congresso
Nacional devolvê-los à sanção do
Presidente da República.
O projeto de
lei do PPA e o da LOA deverão ser devolvidos até o final da
sessão legislativa. O projeto de LDO deverá ser devolvido até o dia 30 de abril
de cada ano, sob pena de aplicação do disposto na parte final do § 2º, do art.
64 da CF. Em outras palavras, se não devolvido no prazo assinalado ficarão
sobrestadas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa até que se
ultime a votação, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado.
A determinação de aplicação da
parte final do § 2º sob exame é confusa, pois o projeto de LDO é exatamente uma
das deliberações com prazo constitucional determinado. Ademais, o sobrestamento
das demais deliberações, por si só, não implica obstáculo ao encerramento da
sessão legislativa nos prazos previstos no caput do art. 57 da CF (dia 17 de
julho e dia 22 de dezembro).
Outrossim, perdeu-se a
oportunidade de consignar que a não devolução no prazo estabelecido implica
promulgação do respectivo projeto pelo Executivo, com o que eliminaria dúvidas
e incertezas não removidas quer pela doutrina especializada, quer pela Supremo
Tribunal Federal.
A ordem constitucional
antecedente continha norma expressa no sentido de promulgação do projeto de LOA
se não devolvido para sanção até o final do prazo estabelecido (art. 68 da CF
de 1967 e art. 66 da Emenda nº 1/69).
Independentemente da expressa
previsão constitucional sempre entendemos que é possível juridicamente o
Executivo promulgar o projeto de lei orçamentária anual na omissão do Congresso Nacional, pois sem o
orçamento ficará inviabilizada a atuação do Estado sujeita ao princípio da
legalidade das despesas públicas.
Se há um prazo para envio do
projeto ao Parlamento sob pena de o Poder Legislativo iniciar a discussão e a
votação da lei orçamentária anual com
base no orçamento em curso, conforme prescrição do art. 32 da Lei nº 4.320/64,
deve haver um prazo para a sanção presidencial, ou promulgação desse projeto
pelo Executivo na hipótese de inércia do Poder Legislativo.
3 Orçamento autorizativo
O orçamento anual de há muito
deixou de ser uma mera peça contábil prevendo a estimativa de receitas, de um
lado, e a fixação de despesas, de outro lado. O
orçamento anual assume características de um programa de ação do governo
interagindo com a lei do PPA e a LDO. A LDO estabelece um elo entre o PPA e a
LOA.
A lei do PPA define o plano
estratégico do governo a longo prazo, que fica mais no plano abstrato. A LDO
seleciona as estratégias a serem implementadas. Aquela representa estratégia e
esta representa a tática. O orçamento anual confere ao PPA um caráter
dinâmico-operativo disponibilizando os recursos financeiros para a execução do
plano estratégico definido pela LDO.
Daí porque alguns autores defendem a tese de
que o orçamento anual é impositivo e não simplesmente autorizativo.
O conhecido publicista Adilson
Abreu Dallari é enfático em afirmar:
“ O orçamento-programa, que é elaborado em
função de objetivos e metas a serem atingidas, de projetos e programas a serem
executados, dos quais as dotações são a mera representação numérica, não mais
pode ser havido como meramente autorizativo, tendo, sim, por determinação
constitucional, um caráter impositivo.” [1]
A tese é sedutora, principalmente
depois que o Supremo Tribunal Federal
passou a admitir o controle abstrato das normas orçamentárias para conter abusos na abertura de créditos
extraordinários por meio de medidas provisórias, para custear despesas
correntes.[2]
3.1 Evolução do orçamento
clássico para orçamento-programa
A lei orçamentária anual que
abrange o orçamento fiscal referente aos três Poderes da União, fundos, órgãos
e entidades da administração direta e indireta, fundações públicas, e o
orçamento de investimentos das empresas estatais deverão ser compatibilizados
com o plano plurianual, tendo entre suas funções a de reduzir desigualdades
inter-regionais, segundo critério populacional (art. 165, 7º do CF).
Além desses dois orçamentos com
as funções retrorreferidas o orçamento anual compõe-se, também, do orçamento da
seguridade social. São, portanto, três tipos de orçamento que compõem o
orçamento anual da União que estima as receitas, de um lado, e fixa as
despesas, de outro lado.
Só que a fixação de despesas deve
obedecer a uma estratégia governamental representando uma política
governamental a longo prazo. Por isso, o orçamento é elaborado a partir do
programa de governo levado ao conhecimento dos eleitores.
Daí o nome de orçamento-programa
que outra coisa não é senão a integração entre o planejamento governamental e o
orçamento público por meio do PPA, da LDO e da LOA que se entrelaçam. Dispõe o
§ 1º, do art. 167 da CF que “nenhum investimento cuja execução ultrapasse um
exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano
plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de
responsabilidade.”
Outrossim, o apontado § 7º, do art. 165 da CF determina
que o orçamento fiscal da União e o orçamento de investimento das estatais
guardem harmonia com o plano plurianual de investimentos tendo como uma de suas
funções a de reduzir as diferenças inter-regionais.
Portanto, a execução orçamentária
há de corresponder a uma etapa no processo de eliminação das desigualdades
inter-regionais, promovendo a verdadeira integração nacional, um dos objetivos
nacionais permanentes na visão da
doutrina da Escola Superior de Guerra.
3.2 Natureza jurídica da lei
orçamentária anual
A lei orçamentária anual, como o
próprio nome está a indicar, tem a natureza de lei estando definitivamente
sepultada a antiga discussão em torno de sua natureza jurídica como um simples
ato legislativo ou ato condição.
Mas, não é uma lei apenas no
sentido formal, porém no sentido material também, conforme últimas decisões do
Supremo Tribunal Federal que passou a admitir o controle abstrato das normas
orçamentárias. O descumprimento das normas orçamentárias poderá acarretar
sanções de natureza política, administrativa e penal contra o infrator.
Contudo, é uma lei peculiar, de
vigência por tempo certo, motivo pelo qual a tramitação do projetado lei
orçamentária anual é submetida a um processo legislativo próprio com prazo
predefinido para deliberação.
De fato, a proposta orçamentária deve ser
remetida pelo Executivo ao Congresso Nacional até o dia 22 de agosto de cada
ano e devolvida para sanção até 22 de dezembro, conforme se depreende do inciso
III, do § 2º, do art. 35 do ADCT c.c o art. 57 da CF. A PEC sob comento torna
isso claro mediante nova redação conferida ao § 6º, do art. 166 da CF.
3.3 O princípio da legalidade das despesas
públicas
A execução do orçamento anual é
submetida ao princípio da legalidade das despesas à medida que nada pode ser
pago sem prévia autorização orçamentária. Todo e qualquer gasto do poder
público há de ser feito pelo regime da despesa pública que exige dotação
orçamentária específica para cada tipo de despesa, por meio de “elementos de
despesa” a fim de possibilitar a fiscalização e o controle da execução
orçamentária pelos três mecanismos previstos na Constituição Federal: o
controle interno; o controle externo; e o controle social ou popular.
Esgotada a verba na respectiva
dotação cabe ao Executivo solicitar autorização legislativa para abertura de
crédito adicional suplementar. Havendo necessidade de realização de despesa
pública, não contemplada no orçamento em curso, cabe ao Executivo obter
autorização do Poder Legislativo para a abertura de crédito adicional especial.
É o princípio da fixação de despesas públicas. Tudo há de ser gasto nos exatos
limites dos créditos orçamentários ou créditos adicionais suplementares ou
adicionais. É o princípio da vedação de concessão e créditos ilimitados.
Em havendo necessidade de
despesas imprevisíveis não detectadas por ocasião da elaboração de proposta
orçamentária, como por exemplo, gastos com a mobilização das Forças Armadas em
face da iminência de guerra externa, o Executivo deve solicitar ao Legislativo
a abertura de crédito extraordinário, o que se dá normalmente pela utilização de recursos
provenientes de empréstimos compulsórios, ou de impostos extraordinários que
deverão ser suprimidos gradualmente, cessadas as causas de sua criação.
Portanto, nada pode ser gasto a
título de despesa pública sem prévia inclusão orçamentária.
Contudo, é importante deixar
claro que execução de despesa peviamente autorizada pelo Legislativo não
significa obrigatoriedade de o Executivo exaurir a verba orçamentária prevista
nas diferentes dotações. Isso vai depender da correta e adequada formulação do
plano de ação governamental traduzido na lei orçamentária anual.
As costumeiras diferenças enormes
entre o orçado e o efetivamente executado só pode revelar a incapacidade do
governo em planejar a atividade estatal
implicando a necessidade de remanejamento de verbas consignadas no
orçamento ou desvio de verbas públicas, descambando para o campo das sanções de
natureza política, administrativa e penal.
Nenhum dos três setores
criticados pela sociedade – saúde, educação e transportes – tiveram a
totalidade das verbas orçamentárias efetivamente aplicadas. Os gastos efetivos
nesses setores foram, respectivamente,
de 39,3%, 61,3% e 60,5% das verbas
consignadas na lei orçamentária anual de 2012. [3]
Por isso, o desvio dos recursos
provenientes de royalties do petróleo, indiscutivelmente pertencentes a Estados
e Municípios produtores que já perderam
o ICMS (art. 155, § 2º, IX, b da CF) para o setor de educação, não
surtirá o efeito desejado. O problema não é da falta de recursos financeiros,
mas de efetivo emprego desses recursos segundo a lei orçamentária sob execução.
O orçamento autorizativo
apresenta esse aspecto negativo que permite burla ao princípio da legalidade
das despesas, o qual representa a exteriorização da vontade popular no direcionamento das
despesas públicas, por meio de representantes legitimamente eleitos.
Sabe-se que quando o Parlamento
aprova a lei orçamentária anual está aprovando em bloco as despesas públicas
direcionadas para diferentes finalidades refletidas nas várias dotações
orçamentárias. É o princípio da prévia aprovação de despesa pública que surgiu
como corolário do princípio da prévia aprovação de receitas públicas derivadas
(princípio da legalidade tributária).
Em que pese as considerações em
torno do orçamento-programa, o orçamento anual que resulta dos dispositivos
constitucionais vigentes não é impositivo. O exaurimento das despesas fixadas
não é obrigatório. O próprio art. 167, IV da CF é indicativo de que a Carta
Magna adotou a modalidade de orçamento autorizativo. E mais, o art. 169 da CF
flexibiliza as despesas com pessoal de acordo com o comportamento da receita,
nos termos definidos em lei complementar. Como se sabe, a LRF em seu art. 19
fixou os limites de despesas com a folha para os três entes políticos em termos
de percentuais sobre a receita corrente líquida, e no artigo seguinte fixou os
limites por Poder. Nos artigos 22 e 23 estabeleceu mecanismos de verificação e
controle periódico desses limites apontando providências para o seu exato
cumprimento. Dependendo do comportamento da receita o montante da verba fixada
a título de despesas com a folha não poderá ser esgotada.
Não bastasse isso tornou-se uma
rotina, com base no art. 167, VI da CF,
o remanejamento[4], a transposição[5] e a transferência[6] de recursos
por meio de abertura de créditos adicionais suplementares ou especiais mediante
anulação parcial de dotações, sinalizando mudança de vontade do Poder Público
na eleição de prioridades. Leis orçamentárias anuais de diversos entes
políticos já contêm uma autorização genérica para remanejar as verbas de todas
as dotações até um limite percentual predefinido. Essa autorização genérica é
outorgada ao Executivo com amparo no art. 66 da Lei nº 4.320/64, de discutível
constitucionalidade, tendo em vista que a Constituição exige autorização
legislativa específica para cada caso concreto.
E mais, a abertura de créditos
extraordinários por meio de medidas provisórias continua sendo feita para
custear despesas que nada têm de urgentes e imprevisíveis, ignorando-se o
disposto no § 3º, do art. 167 da CF e as decisões proferidas pelo STF
condenando tais expedientes. A imprevisibilidade não se confunde com a não
inclusão orçamentária, hipótese de abertura de crédito adicional especial. O
que é pior, algumas dessas medidas provisórias, como a que se converteu na Lei
nº 12.861 de 14-8-2013, que abriu um crédito adicional extraordinário de
3.926.200.000,00 (três bilhões, novecentos e vinte e seis milhões e duzentos
mil reais) a favor dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário, da Defesa e da
Integração Nacional, sequer aponta a respectiva
fonte de custeio. É o caso de aplicação do art. 85, VI da CF que
considera como crime de responsabilidade o atentado à lei orçamentária. O
esquecimento dessa norma constitucional é prova suficiente de que vige entre
nós a cultura do total desprezo ao orçamento que, na realidade, é instrumento
do exercício de cidadania.
Por tudo isso entendemos que
somente uma alteração constitucional como a preconizada pela PEC sob comento
terá o condão de conferir caráter impositivo ao orçamento anual.
4
Orçamento impositivo
Como consequência da quebra de
compromisso entre o Executivo e o Legislativo, consistente no contingenciamento
de verbas orçamentárias oriundas de emendas parlamentares, estes passaram a
discutir a velha Proposta de Emenda Constitucional de nº 565/06 que substitui o
orçamento autorizativo pelo orçamento impositivo.
Esclareça-se, por oportuno, que o
tratamento discriminatório dispensado às despesas oriundas de emendas
parlamentares, frutos de ajustes de vontades entre os dois Poderes, além de
representar quebra de compromisso, não encontra respaldo nas normas
orçamentárias. Presumem-se úteis ou necessárias todas as despesas públicas
consignadas na lei orçamentária anual. O que é inútil ou desnecessário não deve
constar do orçamento. Consoante escrevemos “a despesa pública há de
corresponder, invariavelmente, a um dispêndio relacionado com uma finalidade de
interesse público que é aquele interesse coletivo, encampado pelo Estado.” [7]
Mas, não é só. Os chamados cortes
orçamentários têm recaído sobre as generalidades das dotações no início de cada
ano como que aparentando um freio nas despesas públicas.
Ora, isso é um equívoco. Os
serviços públicos são ininterruptos em quantidade e qualidade, o que pressupõe, também, a
continuidade das obras públicas, exceto aquelas de natureza ornamental.
Tanto é assim que os recursos
financeiros pertencentes ao Legislativo,
ao Judiciário e ao Ministério Público devem ser entregues até o dia 20
de cada mês em duodécimos (art. 168 da CF). Da mesma forma, não deve o
Executivo abrir mão de duodécimos. As necessidades da sociedade em função das
quais foi elaborado o orçamento anual são contínuas.
Exatamente por ser contínua a
execução orçamentária que a Constituição Federal determina em seu art. 162 que
as entidades políticas divulguem até o dia último do mês subsequente ao da
arrecadação os montantes de cada um dos tributos arrecadados. Por sua vez, o §
3º, do art. 165 da CF prescreve a obrigatoriedade de o Executivo publicar até
trinta dias após o encerramento do bimestre o relatório resumido da execução
orçamentária, isto é, a discriminação da receita realizada e a especificação
das despesas feitas.
Resta claro que a economia de
despesas públicas há de ser levada em conta por ocasião da elaboração da
proposta orçamentária, direcionando os gastos públicos de acordo com as
prioridades eleitas. Mas, não é isso que vem acontecendo. Uma vez aprovado o
sancionado o projeto de lei orçamentária anual o governo vem redirecionando os
recursos correspondentes às dotações orçamentárias de setores prioritários como
os da saúde, transporte e educação.
Com a aprovação do orçamento
impositivo essa discricionariedade do Executivo de gastar quando e onde lhe
aprouver ficará impossível juridicamente. Isso não significa dizer que o
orçamento autorizativo permite sua execução às avessas. Muitas vezes a
realidade não coincide com a situação considerada no plano de ação do governo,
impondo o redirecionamento das verbas orçamentárias.
Examinemos os termos do art.
165-A da CF que prevê a instituição do orçamento impositivo:
“Art. 165-A. A programação constante da lei
orçamentária anual é de execução obrigatória, salvo se aprovada, pelo Congresso
Nacional, solicitação, de iniciativa exclusiva do Presidente da República, para
cancelamento ou contingenciamento, total ou parcial, de dotação.
§ 1º A solicitação de que trata o caput
deste artigo somente poderá ser formulada até cento e vinte dias antes do
encerramento da sessão legislativa e será acompanhada de pormenorizada
justificativa das razões de natureza técnica, econômico-financeira, operacional
ou jurídica, que impossibilitem a execução.
§ 2º A solicitação poderá, ainda, ser
formulada a qualquer tempo, nas situações que afetem negativamente a
arrecadação da receita, de calamidade pública de grandes proporções, ou ainda
nas previstas no art. 137, inciso II.
§ 3º Em qualquer das hipóteses, as
solicitações tramitarão no Congresso Nacional em regime de urgência.
§ 4º Não havendo deliberação do Congresso
Nacional, no prazo de trinta dias, a solicitação será considerada aprovada.
§ 5º A não execução de programação
orçamentária, nas condições previstas neste artigo, implica crime de
responsabilidade.
§ 6º Do projeto de lei orçamentária anual,
bem como do autógrafo encaminhado para sanção do Presidente da República, não
constarão receitas cujas leis que as autorizem tenham o início de vigência
posterior à data prevista no inciso III do § 6º do art. 166.”
Como se vê, a programação
orçamentária é de execução compulsória. Porém, essa obrigatoriedade sofre
flexibilização. O Congresso Nacional poderá aprovar solicitação do Presidente
da República, para cancelamento ou contingenciamento total ou parcial da
dotação. Admite, pois a adequação do orçamento à realidade social vigente.
Todavia, essa solicitação
exclusiva do Chefe do Poder Executivo somente deverá ser formulada dentro das
regras preestabelecidas nos parágrafos 1º e 2º e terão a tramitação previstos
nos parágrafos 3º e 4º.
Para dar efetividade ao orçamento
anual o § 5º capitula como crime de responsabilidade a não execução da
programação orçamentária nas condições previstas no artigo sob comento. É
oportuno lembrar que o art. 85, inciso VI da CF, que considera como crime de
responsabilidade o atentado contra as normas orçamentárias, jamais foi
aplicado.
Finalmente, o § 6º prescreve que
no projeto de lei orçamentária anual, bem como do autógrafo encaminhado à
sanção do Executivo, não constarão receitas cujas leis que as autorizem tenham
início de vigência posterior a 31 de maio de cada ano, data limite para o envio
da proposta orçamentária ao Congresso Nacional pelo Presidente da República.
[8]
Se de um lado o orçamento
impositivo confere grau de seriedade na execução orçamentária, deixando de ser
o orçamento anual uma peça de ficção, a sua elaboração não poderá ser feita sem
o prévio conhecimento profundo da realidade do País como um todo. Existem
enormes disparidades regionais em termos econômicos e sociais. Não é por outra
razão que § 7º, do art. 165 da CF determina que o orçamento fiscal da União e o
orçamento de investimento das empresas estatais guardem compatibilidade com o
plano plurianual com funções prioritárias de reduzir as desigualdades
inter-regionais, segundo critério populacional.
A elaboração de proposta
orçamentária requer conhecimento detalhado da realidade social do País,
capacidade técnica e muita sensibilidade
para eleger as prioridades. Sabemos que as necessidades da sociedade nas
diferentes regiões do País são variáveis e infinitamente maiores do que as
reais possibilidades de transferência de recursos financeiros do setor privado
para o público. Por outro lado, as operações de crédito sofrem limitações
constitucionais e aquelas decorrentes da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nesse modelo de orçamento
impositivo se não houver visão de um estadista na elaboração da programação
orçamentária a solicitação de alteração das dotações orçamentárias, que é uma
exceção, poderá tornar-se uma rotina cansativa.
Outrossim, a ideia que norteia a
elaboração de orçamento impositivo torna absolutamente incompatível o
costumeiro procedimento de inserir na LDO a autorização parcial da programação
orçamentária, sob condições aí fixadas, até a final aprovação do projeto de lei
orçamentária anual e sua remessa à sanção presidencial. Aliás, mesmo no modelo
de orçamento autorizativo vigente tal expediente revela-se inconstitucional,
por partir do pressuposto de que o projeto de lei orçamentária anual não será
deliberado dentro do prazo constitucional.
Por derradeiro, o art. 165-A da
CF que introduz o orçamento impositivo, somente será cumprido nas condições
fixadas em lei complementar a ser editada no prazo de 120 (cento e vinte) dias
a contar da promulgação desta Emenda.
Pode ser que essa lei complementar
nunca venha a ser editada, a exemplo de inúmeros outras referidas na
Constituição Federal.
Como dissemos no início, essa
proposta de emenda constitucional saiu da gaveta do Parlamento após
desentendimento em torno da liberação de recursos financeiros correspondentes
as verbas resultantes de emendas apresentadas pelos parlamentares. Essas verbas
que podem ter resultado, inclusive, de mensagens aditivas propondo modificações
nas programações orçamentárias com base no § 5º, do art. 166 da CF, não poderiam
merecer tratamento discriminatório pelo Executivo. Afinal, o Parlamento é o eco
de ressonância da vontade popular, à medida que representa os contribuintes no
direcionamento do produto da arrecadação tributária.
5 Referências bibliográficas
DALLARI, Adilson Abreu. Orçamento
impositivo in Orçamentos públicos e direito financeiro, obra coletiva sob
coordenação de José Maurício Conti e Fernando Facury Scaff. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2011.
Notas
[1] Orçamento impositivo, in
Orçamentos públicos e direito financeiro, obra coletiva sob coordenação de José
Maurício Conti e Fernando Facury Scaff. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011,
p. 325.
[2] ADI nº 2.925, Rel. Min. Ellen
Gracie, DJ de 4-3-2005.
[3] Fonte: O Estado de São Paulo,
2-7-2013, p.A6.
[4] Realocação de recursos de um
órgão para outro.
[5] Realocação de recursos no
âmbito dos programas de trabalho dentro do mesmo órgão.
[6] Realocação de recursos entre
categorias econômicas de despesas dentro do mesmo órgão e mesmo programa de
trabalho.
[7] Cf. nosso Direito financeiro
e tributário. 22ª Ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.22
[8] O inciso III, do § 6º do art.
166 da CF na redação da PEC nº 565/06 determina o envio do projeto de lei
orçamentária anual até sete meses antes do encerramento do exercício financeiro
para sua devolução para sanção presidencial até o encerramento da sessão
legislativa (22 de dezembro).
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Faz falta um
orçamento impositivo
A recente confusão em torno da
liberação de recursos para as emendas parlamentares foi mais uma demonstração
de atraso político e institucional em área crucial para o funcionamento do
governo e da democracia. Mostrou também a capacidade do ministro da Fazenda de
se meter em trapalhadas. Como se recorda, a presidente decidiu prorrogar a
utilização de certos “restos a pagar” que incluíam emendas, cuja utilização
vencia em 30 de junho passado. Acontece que o loquaz ministro (palavras de
editorial do Estadão da semana passada) avisou que novas liberações ficariam
bloqueadas por 90 dias, o que revoltou deputados e senadores. O ministro foi
desmentido e a base se acalmou.
Isso acontece por causa de duas
disfunções do sistema orçamentário e político do Brasil. A primeira é a
aceitação da ideia de que o orçamento é “autorizativo”, isto é, o governo pode
decidir não gastar o que não for obrigatório por lei, tais como despesas de
pessoal, pagamento de pensões e aposentadorias, transferências constitucionais
a Estados e municípios e outros semelhantes. A segunda é a utilização de
emendas parlamentares como instrumento de barganha política entre o Executivo e
o Legislativo.
Embora seja comum entre
jornalistas, analistas e observadores, falar em orçamento “autorizativo” é uma
aberração que não tem base histórica nem institucional. A aprovação do
orçamento público pelo Parlamento é uma conquista construída ao longo de
séculos de resistência ao absolutismo dos reis. Foi a forma de impor controles
sobre os monarcas e retirar-lhe o poder de gastar a seu talante (normalmente
para conduzir guerras). Sua contrapartida natural é a limitação do poder do rei
para criar e impor tributos à sociedade. O orçamento é, pois, uma lei. Ao Poder
Executivo não assiste o direito de decidir o que cumprir.
O artigo 165, § 8º, da
Constituição diz que “a lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho
à previsão da receita e à fixação da despesa”. A despesa é, pois, “fixa”. O que
se “estima” é a receita. O legislador usou dois verbos exatamente para
diferenciar os dois atos, o de gastar (obrigatório) e o de arrecadar
(estimativo). O orçamento é, assim, impositivo, como acontece nas democracias
modernas, particularmente dos países desenvolvidos. Dar ao Executivo o poder de
comandar a despesa é voltar aos tempos medievais, como temos feito desde
priscas eras. Infelizmente, a desinformação e a ignorância da História leva os
próprios parlamentares a declarar que o orçamento é “autorizativo”. O conceito
equivocado se firmou.
É verdade que poderia ser um
desastre cumprir a lei orçamentária. O Congresso costuma superestimar a receita
para abrigar emendas parlamentares. Desse modo, haveria uma expansão
irresponsável dos gastos se o orçamento fosse cumprido. Há, felizmente, formas
de obviar esse problema, já testadas em outros países. Na Alemanha, a
estimativa do orçamento é feita por consultorias independentes. Nos Estados
Unidos, o Congresso tem um órgão independente, o Congressional Budget Office,
que faz sérias, responsáveis e acuradas estimativas da receita. No Brasil,
poder-se-ia deixar a tarefa a uma comissão mista de técnicos do Executivo e do
Congresso (que tem gente muito qualificada nessa área).
O orçamento impositivo poderia
gerar outro problema. E se a receita não se comportasse conforme o previsto?
Nesse caso, a Lei de Responsabilidade Fiscal já estabelece regras para ajustar
a despesa à receita. Talvez fosse preciso mudar essa lei para estabelecer que a
mudança deveria ser previamente aprovada pelo Congresso, sob rito sumário.
Com o orçamento impositivo, as
emendas parlamentares seriam liberadas automaticamente, obedecendo apenas a um
cronograma que levasse em conta o comportamento da receita e a necessidade de
distribuir as liberações ao longo do exercício fiscal. As emendas perderiam a
perversa de servir como instrumento de barganha. Hoje, os deputados chantageiam
o Executivo caso os respectivos recursos não sejam liberados, ameaçando não
votar projetos de interesse do governo ou votar a favor de projetos
irresponsáveis (caso atual da emenda que equipara os salários das polícias e
dos bombeiros de todo país aos dos seus congêneres de Brasília).
A qualidade da gestão pública e
da democracia melhorariam substancialmente se a lei orçamentária fosse
cumprida, com os cuidados aqui mencionados. As emendas parlamentares, que são
comuns em todos os parlamentos, poderiam ser mais bem valorizadas.
Autor: Mailson da Nobrega
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