PARTE 1 - MUNICIPALISMO
PARTE 2 - MUNICÍPIO - ENTE FEDERATIVO
PARTE 3 - AUTONOMIA MUNICIPAL
PARTE 4 - MUNICIPIO - COMPETÊNCIA CONCORRENTE
PARTE 5 - MUNICIPIO - COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR
PARTE 1
MUNICIPALISMO,
NATION BUILDING E A MODERNIZAÇÃO DO ESTADO NO BRASIL
Marcus André B. C. de Melo
Introdução
A ideologia municipalista
constitui uma das construções discursivo-programáticas mais antigas e
resilientes da cultura política brasileira. Como se analisa a seguir, essa
resiliência e capacidade de renovação está associada, fundamentalmente, à
ambigüidade do conceito. Assim o municipalismo adquire, em larga medida, o
status de "leito de Procusto"
de componentes importantes da cultura política nacional. No entanto, pode-se
localizar períodos da história republicana em que o municipalismo adquire
notável capacidade de mobilização e surpreendente apelo programático, como
ocorre no Estado Novo e no pós-guerra. O presente texto explora,
analiticamente, as origens e o
desenvolvimento do municipalismo e sua relação com a modernização do Estado
no Brasil, no período 1920-1960.
Nesse sentido são analisados: a genealogia do municipalismo e sua relação com a
ideologia antiurbana da República Velha; o discurso e a prática municipalista
no Estado Novo; os desdobramentos institucionais do movimento municipalista
durante a redemocratização do país: a Associação
Brasileira de Municípios e o Instituto
Brasileiro de Administração Municipal (IBAM); e, finalmente, sua conversão
em instrumento racionalizador da moderna gestão urbana no país.
Municipalismo, agrarismo, federalismo e cultura política
Historicamente, as ideologias
antiurbanas e agraristas constituíram construções programáticas importantes que
floresceram no contexto de tránsição das sociedades agrárias para as sociedades
urbano-industriais. Os exemplos mais destacados de ideologias antiurbanas são
os populismos agrários russo e americano dos fins do século XIX. A ideologia
que permeou parte importante da produção intelectual e artística inglesa dos
séculos XVIII e XIX inscreve-se na mesma matriz. Tal matriz estruturou-se, como
amplamente discutido na literatura, no contexto da rejeição à nova ordem
burguesa e urbano-industrial. Ao lado das utopias
socialistas e operárias e das construções
do pensamento conservador católico, a ideologia antiurbana e o agrarismo
constituem peça importante do repertório intelectual e político de reação à
nova ordem que emergiu no século XIX.
No Brasil, o agrarismo e
o municipalismo - que, como se verá, mantêm afinidades eletivas - remontam ao
Segundo Reinado. Na realidade, o municipalismo tem precedência histórica,
emergindo com a crítica que importantes
pensadores e publicistas liberais fizeram à centralização política. Durante
o Império é que nasce a bandeira
municipalista. Embora ainda não imbricada com o agrarismo, a questão da autonomia municipal e provincial era uma
peça importante - senão fundamental - da crítica política dos liberais. E
nesse contexto que emergem construções intelectuais mais acabadas, sobretudo
associadas à figura que veio a se consagrar como o principal ideólogo do municipalismo, Tavares Bastos.(1)
Profundamente marcado pela leitura de Tocqueville, Tavares Bastos propugnava
pela descentralização administrativa
e política do Império, e pelo rompimento
com o modelo monárquico, unitarista e centralizador, de inspiração
francesa, adotado no país. Seu ideal era
a República federativa, cuja encarnação concreta era a jovem nação
americana louvada por Tocqueville. A crítica que tecia era sobretudo de ordem
política e administrativa e era centrada na noção de autonomia. Com efeito, o
local self-government, que tanto enaltecia, e o programa abrangente de
descentralização que elaborou em A Província, confundiam-se com um projeto de
ampliação da participação política - pela generalização de eleições - e de
liberalização do regime. República e federação eram conceitos assimilados por
vários publicistas - dos quais Bastos é o maior expoente - à idéia de
municipalismo. Com efeito, a "polêmica do federalismo vinha se concentrando"
- ao final do Segundo Reinado - na bandeira da "libertação do
município" (Carvalho, 1946:78; cf. também Maia, 1883). Carneiro Maia, por
exemplo, tendo em mente os ideais republicanos, assinalava em 1882 que "quando se visa um plano sensato de
reformação social, é preciso construir de baixo para cima" (1983:XII).
A fusão entre o municipalismo e o ruralismo ocorreu, na República
Velha, na obra de Alberto Torres. Em
larga medida - e paradoxalmente - as idéias de Torres correspondem a uma
crítica ao ideal federativo de Tavares Bastos. Mais acertadamente, sua obra
deve ser entendida como uma crítica à não-realização plena e à inviabilidade do
projeto (utópico) de uma nação construída pela agregação de interesses
individuais e grupais de caráter local. O agrarismo emerge como a construção
intelectual que descobre o país real, estruturado
por clãs locais dispersos nos municípios num imenso território, e o país
legal, idealizado e inorgânico. Torres, como já amplamente discutido, foi o
principal articulador ideológico da noção de que o Brasil seria uma nação de
vocação eminentemente agrária. Em A Organização Nacional - obra que forneceu as
balizas ideológicas do ciclo da Revolução de 30 - Torres explora temáticas que
se tornaram, subseqüentemente, idéias-força da cultura política brasileira: a
da vocação rural da nação e da disjunção entre o país real e o país legal, o
que levaria, para sua superação, à necessidade de um Estado forte e
centralizado (Torres, 1978). Esta última distinção encerra uma dimensão
territorial: o país legal é, nessa perspectiva, o país urbano,
"sibarita" e cosmopolita, enquanto o país real é o mundo rural - onde
jaz o cerne da brasilidade. Para Torres, a instauração do regime federativo no
país representou seu "desmembramento" e a exacerbação do isolamento
dos municípios.(2) Como já amplamente explorado na literatura, o tema da
redenção do mundo rural permeava o projeto de um importante setor da
intelectualidade brasileira, do qual fazem parte Alberto Torres, Euclides da
Cunha, Monteiro Lobato e, principalmente, Oliveira Vianna. Como ideólogo quase
oficial do Estado Novo, Oliveira Vianna veio a ter, como se sabe, profunda
influência na formulação das políticas públicas da era Vargas.
Para Vianna, "o brasileiro,
entregue a seus pendores e instintos, é antes de tudo um homem do campo. (...)
É este o traço realmente nacional de seu carácter". (Vianna,1975:19). Essa
visão se associava à noção paralela de que a industrialização representava um
processo artificial. O debate corrente na década de 30, em que se alinhavam os
críticos das "indústrias artificiais", por um lado e os ideólogos da
industrialização, por outro, é marcado fortemente, como se sabe, pelo tema do
agrarismo introduzido por Torres e Vianna. O processo de urbanização era também
visto não só como artificial, mas também como profundamente danoso ao país,
intimamente associado à degeneração do caráter nacional, em sua visão.
"o que está dando à nossa
sociedade essa apparência de corrupção e
degeneração (...) pode-se compendiar nesa formula synthetica: - tendência,
de origem recente, das classes superiores e dirigentes do paiz a se
concentrarem nas capitaes. (Vianna, 1975:21, grifado no original).
Antecipando críticas
contemporâneas da burocratização da vida política, Vianna afirmava que:
"no império, a relação
social dessas duas classes (doutores e políticos) podia ser figurada pela
equação: político mais doutor =
fazendeiro; na República, esta equação se altera e passa a ser formulada
assim: político + doutor = burocrata.
Parece nada; mas, é uma revolução" (idem, p. 26, grifado no original).
O que Vianna está criticando é, na realidade, o
patrimonialismo. A expansão de um sistema político caracterizado pela
existência de uma classe cada vez mais numerosa de profissionais da política,
que tem no aparelho burocrático do Estado o instrumento de sua reprodução
social. O mundo urbano constitui-se, nessa perspectiva, no locus privilegiado
desse estamento burocrático que é o germe dos faccionalismos de toda ordem. A
equação de Vianna formulada em termos contemporâneos é que a a urbanização
equivaleria à expansão do patrimonialismo. O caráter esparso e rarefeito da
urbanização do país, restringindo-se à faixa costeira e em função do comércio
exterior, expressaria, nessa perspectiva, seu conteúdo artificial e anômalo: as
cidades estavam de costas para a nação. A solução, apontada por Vianna numa
conhecida polêmica com Olavo Bilac, é "o retorno aos campos":
O dia em que os nossos doutores e
os nossos políticos actuaes assentarem, como as gerações de há cincoenta asnos
passados, na posse tranquilla de um domínio rural, o seu ideal de felicidade, a
alegria voltará ao nosso povo; o tonus moral da sociedade se revitalizará de
prompto; a lucta pelas posições não imporá às consciências o sacrifício dos seus
escrupulos superiores. (idem, p. 27, grifado no original).
A "utopia" de Vianna
(Carvalho, 1991) expressa prima facie uma reação de elites rurais face à perda
de sua hegemonia, num quadro de transição para a sociedade urbano-industrial.
Essa interpretação foi criticada por Gomes (1980) numa análise penetrante. Na
realidade, a ideologia antiurbana de Vianna associava-se também a uma crítica
da grande propriedade fundiária e, sobretudo, à utopia de uma sociedade
assentada na média propriedade e numa classe média rural. Nesse sentido, a
ideologia antiurbana no Brasil da República Velha- ao contrário de suas
congêneres nos EUA e Europa - aponta para um projeto de transformação e
modernização da sociedade, e não de restauração de uma ordem pretérita.
O caráter modernizaste e
militante da ideologia antiurbana manifesta-se nos inúmeros manifestos e
propostas enunciados durante o ciclo da Revolução de 30. Na década de 20, o
agrarismo enquanto estratégia de nation building informou a formulação das
campanhas de saúde pública (Santos, 1985). Seria na década de 30, no entanto,
que essa estratégia encontraria expressão política mais abrangente - mas que
permaneceria como projeto. Como assinala Gomes, o componente essencial e
radical da ideologia agrarista - a reforma agrária viabilizando uma classe
média de pequenos e médios produtores "à americana" - malogrou. O
agrarismo, portanto, constituiu, em larga medida, a dimensão não-realizada,
perdedora, do projeto de modernização brasileiro gestado na República Velha.
Numa perspectiva ex post pode-se
afirmar que o ciclo da Revolução de 30 está associado simultaneamente ao
ideário antiurbano e à construção da identidade urbana do país. Na realidade,
ao longo desse período processou-se uma transmutação onde a dimensão urbana do
varguismo aparece como a contraface do ruralismo - e o supera (Gomes, 1987). O
abandono do agrarismo não parece estar associado a um projeto articulado que a
ele se oponha no plano político. Parece antes ser o produto não antecipado de
um conjunto complexo de projetos qüe foram gestados entre 1930 e 1945, no seio
da coalizão multifacetada que viabilizou as transformações ocorridas.(3)
Manifestações diversas do
agrarismo podem ser encontradas nas propostas de partidos e associações como a
Sociedade de Amigos de Alberto Torres e o Clube Três de Outubro.(4) No Estado
Novo, sua expressão paradigmática é o programa "Marcha para o Oeste",
lançado em 1941 (Azevedo, 1988). A redenção do sertão teria início com a
ocupação do território nacional, a partir da criação de colônias agrícolas no
interior do país - projeto que, significativamente, mantinha intocada a
estrutura agrária. O agrarismo modernizador informou também parte importante do
projeto de modernização administrativa implantado na era Vargas. A criação de órgãos essenciais à estratégia
de modernização do país, como o Instituto Nacional de Estatística, INE
(1934), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE (1938), e o
Departamento Administrativo do Serviço Público, DASP (1938), foi fortemente influenciada pelo ideário
ruralista e municipalista. Como será analisado em seguida, foi exatamente
nesses órgãos que se gestou a elite burocrática que formulou o municipalismo
pragmático da década de 40. Vale enfatizar, por exemplo, que o IBGE-que foi uma
instituição central nesse movimento - foi criado como órgão de administração
colegiada, em cuja direção os estados,
os municípios e a União tinham paridade de representação, numa clara estratégia de construir a nação a
partir do município. (Valdemar Lopes, entrevista ao autor).
Após a Revolução de 30 e
particularmente durante o Estado Novo, o municipalismo foi elevado à condição
de princípio programático das elites governamentais e de peça importante da
estratégia de nation-building perseguida.(5) Exemplo destacado é a proposta, na
Constituinte de 1934, do ex-tenente e ministro Juarez Tavora - e também
presidente da Sociedade de Amigos de Alberto Torres - de reorganização do país em uma federação municipalista. Nela, os
estados desempenhariam apenas o papel de "intermediário
escrupuloso entre a união soberana e os municípios autônomos, com a
finalidade precípua de adaptar as normas gerais emanadas daquela, às
peculiaridades locais destes" (Távora citado em Duarte, 1942:201). A
extensa literatura propagandística e a produção intelectual de pensadores e de
juristas "oficiais" do regime, como Almir de Andrade e Francisco
Campos, associavam o federalismo e a descentralização à degeneração da vida
política e aos faciosismos políticos da República Velha.(6) A "tendência
descentralizadora" da Constituição de 1891, nessa perspectiva, teria
"permitido que o município se constituísse em verdadeira organização
localista e desagregadora das energias nacionais" (Andrade, 1941:183). Com
efeito, nessa literatura, federalismo e regionalismo eram entendidos como
antagônicos aos interesses nacionais e coletivos. Num quadro em que os partidos
políticos eram agremiações estaduais, os estados encapsulavam a própria noção
de política. O episódio da queima das
bandeira estaduais, em ritual cívico durante o Estado Novo, não poderia ser
mais expressivo dessa visão.
A adoção da ideologia
municipalista no Estado Novo representaria um paradoxo. Por um lado, a
Constituição de 1937 e a legislação
específica sobre municípios é profundamente centralizadora. A autonomia do
município em matéria financeira, por exemplo, foi restringida, como também foi
proibido o endividamento externo municipal. Por outro lado, a Constituição
elege o município "como órgão
constituinte dos poderes".(7) O Estado Novo apresenta-se como a
encarnação do "verdadeiro municipalismo", o qual, supostamente,
transcenderia princípios constitucionais
vazios como o de "peculiar
interesse local". Para além do idealismo da Constituição - para
parafrasear Oliveira Vianna - e suas disposições estranhas ao "gênio"
brasileiro, a vida econômica e política local seriam redimidas.
O paradoxo entre o ideário
municipalista e a prática centralista dissolve-se quando se incorpora à análise
a crítica autoritária - e hegemônica nos anos 30 - ao conceito liberal de representação. Embora o projeto político das
elites autoritárias da Era Vargas se caracterize por uma profunda centralização
política, administrativa e financeira - e, portanto, contrária ao conceito de
autonomia que é subjacente ao municipalismo -, ele se baseia numa concepção
plebiscitária (Pitkin, 1967) e corporativa de representação política. Nessa
concepção, o município - matriz básica
da sociedade política - está orgânica e simbioticamente entrelaçado com o
poder central. Sem mediações - de instâncias territoriais ou
político-partidárias - que distorçam essa identidade de fins, a articulação
entre os dois níveis está assegurada pela centralização, que aproxima e reúne
os dois pólos. O município emerge, nessa perspectiva, como uma esfera
comunitária - portanto pré-política - que acomoda apenas a coletividade das
famílias e seus valores ainda não distorcidos pelas instâncias de
representarão. Essa reunião entre os
dois pólos, no entanto, é que permitiria a instauração da esfera pública
sobre a ordem privada, particularista e não-comunitária. Essa visão contrasta fortemente com a visão
municipalista liberal - articulada por Rui Barbosa - que busca resguardar
essa esfera privada da esfera pública. Para esse autor, na linha de Taine a quem
ele se refere, o município é um
"sindicato privado", "não tem política, não está na esfera
política. Sua administração pertence à categoria dos negócios comerciais"
(Barbosa, 1898:287).
Verifica-se, assim; que por sua
ambigüidade, o municipalismo pode ser
apropriado de formas múltiplas, permitindo que possa se constituir numa das
mais arraigadas e reiteradas peças discursivas da cultura política brasileira.
O municipalismo adquire o status de "leito de Procusto" dessa cultura
política: uma ideologia perene e consensual que não encontra opositores no
campo político.
Administração versus política: a campanha municipalista e a criação da
ABM e do IBAM
A invenção da tradição municipalista
Durante a redemocratização de 45, o municipalismo ressurge com um apelo
doutrinário espetacular, vindo a ter forte penetração na Constituinte de 1946. Não seria exagerado supor que se buscou, em
larga medida, convertê-lo em mito fundador da segunda República. Durante a campanha presidencial, o
municipalismo ocupou lugar de destaque na agenda pública, levando ao
surgimento da Campanha Municipalista e à criação da Associação Brasileira de
Municípios (ABM). O municipalismo - por sua ambigüidade - cumpriu o papel
singular de reconciliar varguistas e antivarguistas na Constituinte de 46. Ele
incorporava, a um só tempo, a ideologia rural salvacionista do Estado Novo e a
crítica ao centralismo e à perda de autonomia das instâncias subnacionais
ocorrida no período. Embora o municipalismo tenha tido forte penetração nos
círculos de juristas liberais de oposição ao Estado Novo, a liderança da
Campanha, que se filiava estreitamente à tradição intelectual do agrarismo
modernizador, não entendia a questão da autonomia política - consubstanciada na
questão da eletividade dos prefeitos - como
a bandeira central do municipalismo:
"O problema do município, no
Brasil, não consiste, apenas, em atribuir-lhe, por processos de concessão
legislativa, maior ou menor grau de autonomia. Não é eletivo, nem tampouco
doutrinário (...) É problema tipicamente agrário (...)". Com efeito,
"no atual sistema econômico, em que predomina o regime latifundiário e os
processos econômicos dele decorrentes (...) a autonomia política de caráter
meramente constitucional servirá, apenas, para prolongar os males coloniais: a
entronização, no poder, dos representantes da elite rural, expressões legítimas
dos grandes proprietários de terras e incondicionais defensores desse clima de
desigualdade favorável aos seus interesses" (Medeiros, 1947:50, meu
grifo).
Traços marcantes do agrarismo
podem ser encontrados, também, no discurso de instalação da ABM, pelo seu
presidente, apresentado pela Campanha
Municipalista à Assembléia Constituinte e no qual se apontava o mal maior
que afligia o país: "a criação de uma indústria artificial, em sua quase
generalidade" e o desequilíbrio surgido entre esta e a produção agrícola
(Xavier, 1946). Esse "surto industrial" teria determinado "a
concentração demográfica em certos centros urbanos", o que teria
acarretado "sensível desfalque nos municípios" (Medeiros, 1947:95). O
tom moral da ideologia antiurbana adquire nesse discurso grande força:
"As indústrias destinadas a
manter uma vida de prazeres e luxo, e que normalmente são as mais lucrativas,
cresceram e se muliplicaram nas metrópoles. As demais igualmente nelas se
reuniram, em busca de maiores mercados de consumo (...) Além disso, favoreceram
a concentração: as grandes construções; a burocracia, rendosa e fácil; os
negócios; as atrações naturais dos grandes centros; e, ainda, com seu cortejo
de misérias morais, o jogo, que no Brasil chegou a eliminar os últimos
resquícios de pudor dos homens públicos, os quais transformaram a roleta e o
vício em fonte de renda (...) sob o pretexto de atender, com o produto dessa
criminosa exploração, as obras de caráter social. Os cassinos deslumbrantes e o
pif-paf, ainda que em modestos lares, simbolizam uma época e comprometem os
destinos de um povo" (Xavier, 1946:4, meu grifo).
Em outro lugar Xavier concluía de
forma espetacular que "este estado de coisas demorou tanto que já o
urbanismo, no Brasil, devorou o país e agora também se acha dominado pela
autodestruição" (Xavier, 1948:66, meu grifo). O momento para ele era de
crise:
"Chegamos ao clímax da crise
que a inépcia dos nossos grupos dirigentes teimou em criar, numa inconsistente
e vaidosa incompetência que se manifesta no ingênuo orgulho dos nossos
pseudo-estadistas pelas avenidas abertas, pelos prédios de mau gosto
construídos, num requinte de luxo em que se extasiava a basbaquice
nacional".
O leitmotif da campanha era, como
se vê, a modernização do "interior". Deve-se notar, no entanto, que a
questão da autonomia política dos municípios era fundamental por seu apelo
simbólico. Assim se assiste, nesse período, a uma elaboração discursiva, mítica
e apologética em torno da autonomia das
câmaras municipais no Brasil colônia e do papel do município nos movimentos
nativistas (cf. entre muitos outros: Zenha, 1948; Medeiros, 1947; para uma
discussão teórica, Guimarães, 1988). Reinventa-se, nesse movimento, a tradição
para descobrir um suposto país real na esfera local.
Malgrado sua vinculação com
movimentos sociais de resistência à ditadura, o municipalismo emerge no pós-guerra como uma construção
intelectual elaborada, no âmbito do Estado, por elites burocráticas, e que
mantém, como assinalado, uma associação estreita com a tradição intelectual
autoritária e modernizadora da República Velha. Nesse sentido, a campanha
municipalista deve ser entendida como uma estratégia discursiva dessas elites e
não como um movimento social galvanizador de demandas de elites locais
insatisfeitas com o Estado Novo.
Para além de sua forte influência
na Constituição de 1946 - expressa interalia na nova repartição
intergovernamental de receitas entre níveis de governo e na nova definição
liberal da autonomia municipal - a campanha municipalista logrou ter, como será
analisado, um impacto decisivo nas políticas públicas. (Medeiros, 1947:104-20;
Sobrinho, 1950). A cruzada municipalista adquiriu maior articulação com a
criação da ABM, em 15 de março de 1946. O timing dessa criação é expressivo:
buscava-se consolidar um lobby municipalista na Constituinte, que então
iniciava seus trabalhos. O programa da ABM incluía entre seus objetivos: o
estudo da organização, do funcionamento e dos métodos de trabalho dos
municípios brasileiros, visando sua melhoria; a promoção de intenso intercâmbio
entre os vários municípios e à assistência técnica aos mesmos; a disseminação
das técnicas de administração municipal, mediante realização de conferências, congressos e publicações;
e a consecução dos objetivos de cooperação da Comissão Interamericana de
Cooperação Intermunicipal, de acordo com as recomendações dos Congressos
Panamericanos de Municipalidades e da VI Conferência Americana Internacional.(8)
A forte mobilização nos meios
intelectuais e burocráticos e o êxito espetacular da campanha levaram a que se
propusesse a idéia de conversão do movimento em partido político. A proposta
partiu de militantes do Movimento
Popular Municipalista, liderados por Valadão Furquim no interior de São
Paulo, que encaminharam o projeto de transformação do movimentó em partido
político: o Partido Municipalista Nacional. Explicitou-se nesse contexto uma
clivagem entre um projeto técnico-modernizador e o projeto político-partidário
de subelites políticas rurais alijadas da política "maior". O
primeiro desses projetos está associado à elite burocrática do IBGE, DASP, FGV
e do INE. Rafael Xavier, secretário geral do IBGE e líder da campanha
municipalista, emerge como o articulador central desse projeto, juntamente com
Arízio Vianna (presidente do DASP nas décadas de 40 e 50) e Simões Lopes
(presidente da FGV e diretor geral do DASP nas décadas de 30 e 40). Para
Raphael Xavier, que se torna o primeiro presidente da ABM, a reversão do
"abandono das populações rurais" exigia uma mudança profunda na
administração municipal, viabilizada mediante o levantamento de informações
sobre os municípios brasileiros e programas de assistência técnica. Essa
perspectiva, que poderia ser chamada de "ruralismo pedagógico" e
modernizador, permeava as propostas das elites burocráticas.(9) Nesse sentido,
ele se opunha fortemente à idéia de criação de um partido político. O problema,
nessa perspectiva, era precisamente a excessiva politização do município e a
conseqüente necessidade de insulamento burocrático da gestão municipal. Daí a
necessidade de manter "intocadas pelo veneno que intoxica o nosso ambiente
político as vertentes que alimentam o municipalismo". O municipalismo
deveria se manter "num plano mais elevado e neutro" (Xavier,
1949).(10)
A resposta governamental à forte
visibilidade alcançada pelo "municipalismo" foi a proposta de criação
da Fundação dos Municípios. Formulada por uma comissão que incluía elementos
destacados da elite burocrática como Xavier e Mário Augusto Teixeira de Freitas
(presidente da Sociedade Brasileira de Estatística e idealizador do IBGE), a
proposta foi encaminhada pelo ministro da Justiça - e municipalista notório -
Dr. Adroaldo Mesquita da Costa e endossada pelo presidente Dutra. A opção por
uma forma organizacional autônoma - a fundação - buscava arrefecer a reação
intensa às propostas centralizadoras que eram associadas ao Estado Novo.
Segundo o ministro Costa "a estrutura de fundação é a única alternativa
eficiente e democrática que combina iniciativa privada e ação governamental.
Ela evita de uma vez por todas os inconvenientes e a desconfiança que limitam
desde o início a ação exclusiva do governo federal" (citado por Pinto,
1968:175). Vale notar que, no seio da própria comissão, setores da elite
técnica, como é o caso de Raphael Xavier, opunham-se à ingerência governamental
na ABM e na nova fundação, pelo medo da partidarização do municipalismo. Daí
haver insistido na proposta de uma fundação privada. Segundo seus formuladores;
o governo federal não estaria oferecendo um "cavalo de Tróia" aos
municípios. A nova instituição não seria nem o "falso amigo" nem o
"pai super protetor", e só "agiria quando requisitada" (idem).
O conselho diretor do novo órgão no entanto deixava entrever seu caráter
oficialista, pois incluía desde representantes do Estado Maior das Forças
Armadas até representações corporativistas da indústria e do comércio.
Para setores amplos do movimento
municipalista a proposta do novo órgão representava uma estratégia de cooptação
do governo central, com possibilidade de esvaziamento da ABM. Durante o I Congresso Brasileiro dos Municípios,
realizado em Petrópolis em 1950, esses setores romperam com a liderança
técnica da ABM que havia, após resistência inicial, apoiado a proposta.
Juntamente com o projeto de criação do Instituto de Administração Municipal, o
projeto da Fundação dos Municípios foi rejeitado e a ABM foi consagrada como o
braço técnico do municipalismo. Segundo Joaquim
Neves Pereira, um dos fundadores do IBAM, ambas as propostas foram
rejeitadas por serem entidades semi-oficiais, que poderiam se tornar, portanto,
instrumentos de opressão política contra os municípios adversários do grupo do
governo em algum momento (Pereira, 1952:57). Após essa rejeição, a elite
burocrática da ABM rearticulou um novo projeto divulgado um mês antes da
realização do II Congresso Brasileiro de
Municípios, em outubro de 1952, em São Vicente, São Paulo. Buscava-se,
assim, a mobilização dos municipalistas para a proposta. O projeto foi
divulgado na forma de um manifesto aos
prefeitos e vereadores do país. O manifesto reiterava que a nova
instituição só atuaria quando solicitada e que não era órgão do governo, nem
entidade paraestatal. O IBAM,
afirmava-se, era uma sociedade civil fundada por homens desinteressados e de
boa vontade.(11)
O locus organizacional do grupo
formulador dessas propostas era o DASP, o IBGE, a Comissão Nacional de
Assistência Técnica (CNAT) e a recém-criada Escola Brasileira de Administração
Pública (EBAP), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Esse rapprochement com a FGV
deu-se através do programa de cooperação técnica em administração pública,
criado no âmbito do Point Four (USAID), que levou à criação da EBAP.(12) É
assim que Cleantho de Paiva Leite, presidente da CNAT, membro fundador da FGV e
membro do Conselho de Administração do BNDE, passa a ser a figura-chave na formulação da proposta do IBAM. A nova proposta,
formulada por Cleantho Leite e Raphael Xavier, foi finalmente endossada pelo
movimento municipalista no congresso de São Vicente. Xavier rejeitava qualquer
associação estreita entre o IBAM e a ABM por receio de que o controle sobre ela
por parte de grupos políticos - o que ele acreditava estar se consolidando - viesse
a se estender à nova instituição (entrevista citada em Pinto, 1968:196). Em
certa medida Xavier transfere para o IBAM as expectativas que nutria em relação
à ABM. Cleantho Leite, por outro lado, entendia que, sem o apoio logístico da
ABM, o IBAM não teria condições de se articular com os municípios brasileiros.
A ABM, em sua visão, adquiriria legitimidade por acomodar uma instituição de
caráter eminentemente técnico, num quadro de críticas crescentes a sua
politização. Daí ter denominado o arranjo logrado entre as duas instituições de
"casamento de conveniência". (idem, p. 202). Com a oficialização do IBAM, Cleantho Leite
torna-se seu secretário executivo e dá início a sua consolidação. O primeiro
Conselho de Administração do IBAM era composto por destacados membros da elite
burocrática: Raphael Xavier (secretário-geral do IBGE, posteriormente diretor
executivo da FGV), Arízio Vianna (DASP), Luis Simões Lopes (DASP, FGV), José
Maria Araújo Cavalcanti (DASP e secretário geral do Instituto Brasileiro de
Ciências Administrativas), Rômulo de Almeida (Banco Nacional de Crédito
Cooperativo e assessor econômico do presidente Vargas). Os outros membros eram
destacados municipalistas associados à ABM: Oswaldo Trigueiro (exgovernador da
Paraíba) e Arnaldo de Junqueira Ayres.
A ABM: o partido político dos políticos?
A fundação do IBAM inaugura uma
clivagem irreversível entre o IBAM e o movimento municipalista. Enquanto a
vocação urbana e a dimensão modernizadora-reformista do IBAM se consolida, como
analisado, o movimento municipalista assume cada vez mais o formato de uma
frente nacional de prefeitos. Com efeito, a assertiva de Schriiitter de que a
ABM, na década de 60, representava uma espécie de associação brasileira de
políticos profissionais é bastante apropriada (Schmitter, 1971). A última
grande mobilização do movimento municipalista ocorreu durante a realização do III Congresso Nacional dos Municípios
Brasileiros em São Lourenço, Minas Gerais, quando a ABM propôs um plano
abrangente e ambicioso de investimentos municipais e passou a desenvolver
intensa atividade de lobby junto ao Congresso e ao executivo. A ABM enviou a
todos os seus membros carta-circular pedindo para encaminhar à presidência da
República solicitação de "um programa de investimentos e obras em condições
de merecer o auxílio da União", programa este a ser incluído na proposta
orçamentária para 1955. Face à
"campanha sem paralelo nos anais do movimento municipalista"
(Cavalcanti, 1960:220) e à extraordinária mobilização ocorrida, foi proposto um
Plano Nacional de Obras e Serviços Municipais nos 2.500 municípios brasileiros - a Operação Município. (13) Com base
na proposta do senador Jarbas Maranhão, foi encaminhado o projeto de lei
criando o plano, que teve longa tramitação no Congresso. A "idéia política
central" era que "os municípios, embora melhor dotados a partir das
quotas constitucionais de que participam, e apesar de todas as emendas
orçamentárias formuladas pelos congressistas nos orçamentos federais, não estão
sendo beneficiados no sentido do desenvolvimento econômico-social".(14)
A proposta refletia não só a
ideologia redentora do ruralismo, mas também a politização crescente da questão
dos desequilíbrios regionais. A estratégia proposta era que se realizasse o que
se denominava "acordo interpartidário específico", prevendo a
realização de "convênios"
(um instrumento "moderno" naquele contexto) entre o governo federal e os municípios. A ABM logrou a aprovação
da Operação Município, contra a forte resistência dos representantes de São
Paulo, que acreditavam que os municípios ricos não iriam se beneficiar
(Maranhão, 1960:164-5). Vale notar que as lideranças municipalistas (e parte
importante da elite burocrática) eram originárias de estados periféricos:
Araújo Cavalcanti, secretário da ABM (PE), Raphael Xavier (AL), Cleantho Leite
(PB), Arízio Vianna (ES), Rômulo Almeida (BA), Océlio de Medeiros (AC).. Elas
apoiavam - embora não de forma explícita- a idéia de um Estado forte, que
assegurasse transferências e promovesse a modernidade. Na realidade, o centralismo burocrático era atacado
sobretudo por esvaziar as áreas rurais. Nessa perspectiva, o conteúdo
substantivo do municipalismo é a reversão do abandono das populações rurais.
Tal abandono resultava da expansão desigual - porque restrita aos núcleos urbanos
de maior porte - da esfera pública sobre o território. Para o movimento
paulista, em contraste, o municipalismo era equivalente à autonomia política e
financeira.(15) Como assinalado anteriormente, é essa ambigüidade radical que
permite explicar a resiliência dessa ideologia.
A trajetória subseqüente do
municipalismo foge aos limites do presente ensaio. Ao longo da década de 50, o
municipalismo perde gradativamente seu caráter reformista e se transforma no
que se poderia denominar "partido político dos políticos". A ascenção
de Jânio Quadros - que mantinha
vínculos históricos com o movimento - à presidência, levou à criação do
primeiro órgão federal de assistência aos municípios, o Serviço Nacional de Assistência aos Municípios (SENAM). Por outro
lado, as propostas da Operação Município reemergiram com o Programa de Ação
Concentrada do Ministério do Interior,
durante o regime militar. Vale lembrar, no entanto, que a intensa mobilização
municipalista do pós-guerra levou ao projeto de publicação da Enciclopédia de
Municípios Brasileiros, na década de 50, projeto gigantesco de coleta e
sistematização de dados realizado pelo IBGE (IBGE, 1958, 36 volumes). Monumento
ao município brasileiro, a enciclopédia permanece como símbolo e efígie da modernização que nunca houve.
A política da eficiência: a modernidade vai ao município
IBAM: o DASP urbano?
A proposta de criação do IBAM se inscreve-se no
processo histórico de construção organizacional do Estado brasileiro que se
inicia a partir de 1930. Incumbido de
efetuar a reforma da administração pública federal, instituindo o sistema
do mérito na seleção de pessoal federal e introduzindo os métodos da moderna administração pública, o DASP constituiu o instrumento privilegiado desse projeto
modernizador. A proposta de atuação do
IBAM guarda estreita semelhança com a proposta de reforma institucional do
DASP. No entanto, no caso do IBAM, a questão era a de como compatibilizar, num
contexto democrático e descentralizado, uma estratégia de reforma e modernização da administração municipal por
uma instância que não era - e não podia ser - municipal. Implementado durante o
Estado Novo, o projeto do DASP, como
amplamente investigado, foi inteiramente modelado
na reforma do serviço público americano do início do século e nas famosas
comissões de eficiência do governo Hoover, na década de 20 (Siegel, 1964;
Graham, 1968). O DASP também operou nos estados e municípios, por meio dos
órgãos conhecidos como "Daspinhos": Departamentos Administrativos dos
Estados e Departamentos das
Municipalidades. Estes últimos se originaram de Departamentos de Assistência aos Municípios instituídos após a
Revolução de 30, como instrumento de
intervenção do Estado nas finanças municipais e na gestão municipal.(16)
Na conjuntura pós-Estado Novo, esse
tipo de ingerência de um órgão federal nas instâncias sub-regionais de governo
inviabilizou-se politicamente. A reforma administrativa patrocinada pelo DASP
pôde ter continuidade apenas na administração pública federal. Na nova
conjuntura - balizada pela constituição
descentralizante de 46 e pela campanha
municipalista - a única alternativa possível para a modernização administrativa dos municípios envolveria uma entidade de caráter privado, à qual os
municípios poderiam recorrer voluntariamente. Como assinalado, a resistência à Fundação dos Municípios e o formato organizacional assumido pelo IBAM
podem ser entendidos nessa perspectiva.
Para a elite burocrática
vinculada à campanha municipalista,
o "verdadeiro municipalismo (...) não constitui uma finalidade em si,
apesar da opinião em contrário de alguns patriotas delirantes"
(Vianna,1960).(17) O objetivo do
municipalismo é pragmático: a reforma administrativa a nível local. Essa
reforma compreenderia objetivos
múltiplos e abrangentes, a serem perseguidos através de atividades de assistência técnica: ampliação das bases fiscais dos municípios;
elaboração de cadastros fiscais; instituição do sistema de mérito na política
de pessoal; criação de planos de cargos
e salários; racionalização administrativa; organização e métodos na administração municipal; implementação de
modernos procedimentos e técnicas de elaboração e controle orçamentário e de
prestação de contas; e racionalização da provisão de serviços urbanos.
A consolidação do IBAM, enquanto agência
urbana, teve como contrapartida o enfraquecimento de seus laços com a ABM. Esses laços se romperão
formalmente quando o estatuto do IBAM for reformulado, em 1959, e a ABM perder
a prerrogativa de indicar quatro membros de seu conselho consultivo. A consolidação
do IBAM e seu progressivo afastamento em relação ao ruralismo está associado
com o programa de cooperação técnica em
administração pública criado no âmbito do Point Four (USAID), e, em menor
medida, com as Nações Unidas. É no quadro dessas démarches de cooperação que Diogo Lordello de Mello, assessor da
Associação de Municípios do Paraná, se especializou em administração urbana na
University of Southern California. Com sua contratação como diretor assistente
para o IBAM abriram-se as perspectivas de criação de uma linha de atuação
distinta do municipalismo ruralista. Lordello, figura que veio a se tornar lendária na área da administração municipal
no Brasil, passou a difundir técnicas
modernas de gestão municipal no país.(18) O apoio financeiro da USAID e a
articulação com Gerald Hardy, consultor em administração urbana da Comissão
Consultiva de Administração Pública, criada no âmbito do Point Four, foram
instrumentais para a viabilização do novo órgão.(19)
Ao longo da década de 50, e
sobretudo na de 60, o IBAM passou a envolver-se em atividades de consultoria, principalmente em projetos
de administração de sistemas de abastecimento de água e de cadastramento
municipal. Em 1963, o IBAM contou com um contrato da USAID para a administração
de sistemas de abastecimento de água da Fundação Serviços Especiais de Saúde
Pública, e com um contrato de treinamento de técnicos venezuelanos, viabilizado
pela USAID. A consolidação do perfil urbano do IBAM efetivou-se em 1966,
quando, com apoio da Ford Foundation, foi criado seu Centro de Estudos e Pesquisas Urbanas. Para atrair e popularizar
seu programa de trabalho, o IBAM passou a promover, a partir de 1954 e com a
revista O Cruzeiro, o concurso anual dos cinco municípios de "maior
progresso" do país. Baseado na experiência da National Municipal League
americana e da revista Look, o concurso passou a contar com o apoio da
USAID-Point Four em 1956. Nesse movimento, o IBAM inaugurou no Brasil a cultura da eficiência na esfera municipal.(20)
Como amplamente discutido na
literatura especializada, a emergência do planejamento urbano enquanto campo de
intervenção do Estado esteve, num primeiro momento, associada a intervenções urbanísticas de remodelação urbana e a
ideologias estéticas e de higiene em grandes cidades.(21) Em um segundo
momento, a estruturação desse campo de intervenção estatal está associada à questão da gestão urbana. De menor
visibilidade, e talvez por isso menos conhecida, a modernização da gestão
constitui uma dimensão central da expansão da esfera pública - vale dizer, da
construção do moderno Estado brasileiro. O projeto de modernização da gestão
municipal tinha como paradigma histórico a reforma municipal americana da
Progressive Era (1900-1914). O projeto de reforma de gestão nos EUA buscava
isolar a burocracia dos governos locais da influência das political machines.
Entre suas principais inovações está a criação de um executivo municipal
técnico, o city manager - em lugar de um comitê de vereadores das machines. A
reforma, portanto, buscava revolucionar a cultura política americana do século
XIX, dominada, como a brasileira, por forte clientelismo e patronagem. A
reforma foi fundamental na construção da esfera pública e da "capacidade
de Estado" nos EUA (Skowronek, 1982). O caso brasileiro se diferencia do
americano, porque a reforma administrativa nos EUA teve mais sucesso nos níveis
estadual e municipal do que no federal (Schiels, 1977). O projeto do DASP, como
assinalado, se restringiu, em larga medida, à área federal.
Os casos americano e brasileiro
se diferenciam fundamentalmente, na realidade, por dois fatores macrossociais
que têm importantes conseqüências para o sucesso de reformas que visam à
eliminação da patronagem. Em primeiro lugar, no caso americano tratava-se
literalmente de construir uma burocracia pública profissionalizada cuja
emergência, enquanto ator coletivo, ocorreu após a consolidação dos partidos
políticos e da democracia de massas. No
caso brasileiro - à semelhança dos casos francês e alemão - a emergência de
uma burocracia profissionalizada precedeu
historicamente a emergência dos partidos, seqüência que favoreceria,
segundo Shefter (1978), a constituição de uma esfera pública racionalizada. No
Brasil, essa burocracia que se consolidou durante o Império restringia-se, no
entanto, ao poder central (Carvalho, 1980) e, mais importante, foi
desarticulada com a transição para a República Velha. A questão assim não era a
de criar uma burocracia pública como nos Estados Unidos - a partir do zero -,
mas de reformar uma estrutura patrimonialista.
O paradigma americano de reforma
municipal inspirou o padrão de intervenção do Estado na questão municipal do
Estado Novo à década de 50. Esse paradigma passou ao largo da influência do
urbanismo moderno preconizado pelos Congressos Internacionais de Arquitetura
Moderna (CIAM) e do movimento city beautiful, que influenciaram os círculos de
arquitetos e urbanistas brasileiros. A influência do paradigma americano pode
ser encontrada na década de 30, no Instituto Politécnico do Rio de Janeiro, na Escola
de Engenharia de São Paulo e, sobretudo, no Instituto de Organização Racional
do Trabalho (IDORT) em São Paulo. O IDORT
promoveu, em 1936, a Jornada da
Organização Científica na Administração Municipal, que divulgou amplamente
as reformas americanas.(22) Entre os municipalistas
históricos - que eram sobretudo juristas
e especialistas em administração pública - a influência desse paradigma é
evidente pelas recorrentes referências positivas à reforma municipal americana
e à figura do city manager (Duarte, 1942:1078; Carvalho, 1942:135-6; Medeiros,
1947:115;8; Medeiros, 1946b:127-40). Particularmente revelador da influência
americana entre os municipalistas históricos é o fato de um de seus membros
mais atuantes, Océlio de Medeiros, ter dedicado um livro (Medeiros, 1947) ao
especialista americano em administração municipal, Donald Stone.
No pensamento urbanístico da
década de 30, a influência americana se fez sentir sobretudo entre
engenheiros.(23) Essa influência, no entanto, era restrita a comentários especializados
sobre as reformas das grandes cidades brasileiras, não logrando um impacto
significativo na mudança do padrão de gestão municipal no país. Esse projeto,
na realidade, esteve associado ao IBAM
e à influência do movimento Economia e Humanismo chefiado pelo padre e
economista francês Louis Lebret (Lamparelli, 1993). O IBAM, como também o IBGE e o DASP, do qual deriva, inauguram uma cultura organizacional pública, centrada na
estatística e no orçamento e legitimam um "saber moderno"
(Schwartzman, 1987) - a administração municipal - como campo disciplinar. É
nesse movimento que se dá o deslocamento da engenharia municipal no sentido da
administração municipal. O grupo do padre Lebret, em contraste, introduz no
planejamento urbano e regional a problemática do desenvolvimento econômico e
social. Enquanto o impacto do IBAM era difuso e anônimo - a clientela de prefeitos interioranos que se formou na leitura do
famoso Manual do Prefeito -, o
movimento de Economia e Humanismo contribuiu para a formação de uma elite
reformista de especialistas em planejamento. São, portanto, matrizes distintas
que informaram propostas específicas de modernização urbana.
Pode-se afirmar que o relativo insucesso do projeto de mudança na
gestão municipal no Brasil, que permanece essencialmente patrimonialista
até o presente, guarda equivalência com o malogro do agrarismo modernizador, ao
qual se filia historicamente. Este último sucumbiu face às resistências das
estruturas oligárquicas do campo. O conteúdo revolucionário de um projeto de
modernização dos municípios dificilmente poderia ser exagerado: ele implicaria
uma revolução profunda não só na cultura política, mas também no sistema
político brasileiro. O malogro do projeto de mudança, no entanto, não foi
absoluto. Nesse sentido, ele reflete a própria modernidade brasileira,
inconclusa e desigual.(24)
Municipalismo, uma solução em busca de um problema?
O municipalismo, através da
história brasileira, informou ideológica e programaticamente projetos
fundamentais associados à modernização do país. De uma crítica à centralização política e à ausência de participação e representação, ele se associou à crítica
autoritário-modernizante de cunho agrarista ao sistema sócio-político da
República Velha que, no Estado Novo, enxergou no município o espaço
plebiscitário e pré-político por excelência. Atingido o auge mobilizatório de
sua trajetória durante a redemocratização do país na década de 40, o
municipalismo se fissura em uma vertente política representada pela criação da
ABM e uma vertente tecnocrática associada ao IBAM. Na primeira dessas vertentes
o municipalismo perde seu caráter militante e se transforma numa frente
nacional de políticos provincianos. Na segunda, o municipalismo perde seu
caráter redentor e ruralista e adquire um caráter urbano-metropolitano.
Notas
1.
Tavares Bastos tornou-se o patrono oficial dos municípios brasileiros por
projeto de lei apresentado pelo senador Jarbas Maranhão em 1952. Sua obra mais
importante é A Província.
2.
"As relações entre um município brasileiro qualquer e a República
Argentina são de interesse mais estreito do que as existentes entre os nossos
municípios e estados; e não só com a República Argentina, senão com os EUA e,
em menor escala, com todos os outros países que nos exportem produtos de
alimentação" (TORRES, 1978:146). Para uma antecipação da crítica
estado-novista ao municipalismo abstrato da Constituição de 1891, cf. NUNES,
1920.
3.
Esse tema constitui uma das questões centrais da historiografia brasileira
sobre a Revolução de 30 e exigiria mais espaço do que o disponível para um
tratamento adequado. Cf., entre muitos outros CAMARGO, 1981, A Revolução de 30,
1981, tomo I, e DRAIBE, 1985. Para uma fina análise das raízes agrárias da
modernização brasileira, cf. REIS, 1979.
4.
No projeto de criação de um Partido Nacionalista Radical, por exemplo,
reiterava-se que "o Brasil, país agrícola, por fatalidade de suas
condições geológicas, tem vivido, na verdade, uma vida falsa (...) Ela criou
uma questão social prematura para um povo jovem. Originou o contraste entre
cidades brilhantes e vastos interiores miseráveis". Arquivo Osvaldo
Aranha, transcrito em A Revolução de 30, tomo II, p. 145.
5. Para os processos de state
building e nation building com referência ao caso brasileiro, cf. MERQUIOR,
1986 e os ensaios de Elisa Reis e Angela Gomes in BOSCHI, 1991.
6. Conferir entre muitos outros:
SILVA, 1945; AMARAL, 1940; MOTA FILHO, 1940; ANDRADE, 1941; CARVALHO, 1941 a;
1941 b; PRAZERES, 1941 a; 1941b; DUARTE, 1942; MEDEIROS, 1946a. Cf. também
CARVALHO, 1937, texto que foi posteriormente apresentado como tese oficial do
governo brasileiro no II Congresso Interamericano de Municípios, em Santiago,
em 1941.
7. Francisco Campos, citado em
ANDRADE, 1941.
8. Reproduzido nos números de
Revista Brasileira de Municí pios, 1947.
9. A expressão é de MOREIRA,
1946.
10. Medeiros, um dos expoentes do
movimento, insistia para que os órgãos de assistência técnica não fossem
"confiados a amadores ou políticos profissionais, interessados no poder
político dos municípios, e sim a técnicos, capazes de imprimir aos mesmos uma
orientação eminentemente gerencial e, na medida do possível, quase
completamente apolítica". E concluía: "é preciso reconhecer que as
municipalidades constituem, presentemente, problemas mais de management do que
de política" (MEDEIROS, 1948:117). Cf. também MEDEIROS, 1946. Para a
atuação e idéias de Xavier, cf. XAVIER, 1948; 1950; 1951; DELORENZO NETO, 1957;
BURKINSKI; 1951. É no quadro dessa intensa discussão sobre o município que Victor
Nunes Leal escreve Coronelismo, enxada e voto, sugestivamente subtitulado O
município e o regime representativo no Brasil. Cf. LEAL, 1948.
11. "O Instituto Brasileiro
de Administração Municipal. Aos Prefeitos e Vereadores", Revista do
Serviço Público, III, 1952:158. O IBAM reproduz seu ideário municipalista, onde
reitera seu caráter apartidário e técnico na primeira página dos números de
Notícias Municipais (1956), publicação que depois foi intitulada Revista de
Administração Municipal.
12. Para o processo de criação da
EBAP consultar CARVALHO, 1968 e também ANDERSON, 1987. O acordo de cooperação
envolvia o treinamento de 646 técnicos brasileiros em administração pública (60
dos quais em administração municipal), na vinda de 15 especialistas americanos
e , em sua terceira etapa (1960-1964), o treinamento de 45 técnicos e docentes
brasileiros na University of Southern California.
13. A denominação Operação dada
ao plano era comum no período e também foi utilizada para designar o projeto
inicial da SUDENE (Operação Nordeste), cf. Jarbas Maranhão, entrevista ao
autor. Sobre a operação município, cf. MARANHÃO, 1960; GOMES, 1955; MEDEIROS,
1956; CAVALCANTI, 1959.
14. "Recomendação relativa
ao Plano Nacional de Obras e Serviços Municipais, aprovada no III Congresso Brasileiro
de Municípios", in Maranhão, 1960:175.
15. Por suas peculiaridades, o
municipalismo paulista adquiriu identidade própria e levou à criação da
Associação Paulista de Municípios - que não tem paralelo em qualquer estado,
pelo papel que veio a desempenhar na política estadual - e ao surgimento de
fortes lideranças (como, por exemplo, Aniz Badra). Cf. também BUENO, 1957.
16.
Segundo CARVALHO, 1946, a criação
pioneira do DAM em São Paulo
resultou da pressão da Câmara Sindical de Corretores de Fundos Públicos de São
Paulo face à inadimplência generalizada
dos municípios paulistas: "os resultados obtidos despertaram a atenção
do regime e a instituição-que facilitava também a tutela - foi imitada fora de
São Paulo". O deputado paulista Macedo Soares - que, significativamente,
logo depois se tornaria presidente do IBGE
- apresentou ementa na constituinte
de 34 facultando aos estados a
criação dos DAMs, utilizando a experiência exitosa de São Paulo como
argumento. A ementa foi aprovada após tramitação extremamente turbulenta e
"em meio a inquietação generalizada": "em vão protestaram
numerosos deputados, sugerindo o que depois se viu realizado, isto é, que o
órgão seria um instrumento político nas
mãos dos administradores estaduais" (CARVALHO, 1946:109-10; 11821;
124-6). Cf. também AZEVEDO, 1935 e CUNHA, 1947.
17. Vianna foi o introdutor da
orçamentação moderna no Brasil, Cf. VIANNA, 1943. O papel do regime de 30 na
introdução da contabilidade pública foi resumido por CARVALHO, 1941:75, de
forma particularmente expressiva: "misturavam-se na antiga organização,
(i.e. pré-30), esferas de atividade que deveriam permanecer distintas, como a
política, no sentido eleitoral, partidário, e a administrativa propriamente
dita; não havia, por isso mesmo, uma contabilidade pública municipal, que era
simples luxo burocrático, entregue aos personalismos".
18.
Para suas idéias no período formativo do IBAM, cf. MELLO, 1953, 1957 e 1960.
19. Para a estratégia de Hardy no
sentido de consolidar a modernização dos municípios, cf. HARDY, 1956. Dentre os
estudos realizados, cf. DONALD, 1959 e 1960.
20. Para uma análise do papel da
burocracia pública brasileira na difusão de paradigmas internacionais de
políticas públicas, cf. HOCHMAN, 1988.
21. Ver, entre muitas outras
contribuições, o número especial "Cidade e História", da Espaço &
Debates, n.° 34, 1991.
22.
Foram realizadas diversas jornadas ("Jornada Contra o Desperdício",
"Jornada da Habitação Econômica" etc.). Cf. os números da Revista do
IDORT (1932- ), que na década de 40 passa a ser intitulada Revista de
Organização do Trabalho. Vale observar que a concorrência do IDORT no Estado de
São Paulo evitou que o IBAM tivesse nesse estado a mesma penetração que veio a
ter em todo o Brasil. Essa concorrência levou a diversos episódios de
resistência ao trabalho do IBAM (PINTO, 1968:237-8). A cultura da eficiência
municipal teve como veículo, na década de 70, a revista Dirigente Municipal.
23.
Este é o caso de Anhaia Melo, Armando Augusto de Godoy, Lincoln Continentino,
Washington Azevedo e Baptista de Oliveira, entre outros. Godoy, autor do
primeiro código de obras do Rio de Janeiro, por exemplo, afirma que para sua
redação "se inspirou muito na célebre obra de Lawrence Veiller, The Model
Housing Law". Cf. GODOY,
1943:320. Sobre o papel de Veiller no City Planning Movement, cf. TOPALOV,
1988:29-59. Para a penetração das idéias americanas, cf. CONTINENTINO,
1937; AZEVEDO, 1934 e 1935; OLIVEIRA, 1937; MARIANNO FILHO, 1930 e 1943; MELLO,
1929; MATTOS, 1952. Anhaia Mello e sobretudo Azevedo, que se formou em Harvard,
destacam-se do grupo por seu profundo cosmopolitismo. Segundo AZEVEDO,
1931:151, Anhaia Mello havia lhe garantido "que a única fonte para estudos
de urbanismo são os livros americanos". Sobre Mello, cf. LEME, 1991.
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a)
Entrevistas
Valdemar Lopes, ex-secretário
geral do IBGE (décadas de 40 e 50).
Jarbas Maranhão, ex-senador
(PSD-PE), autor do projeto de lei da Operação Município.
24.
Para o neomunicipalismo na Nova República, cf. MELO, 1993.
b)
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O
MUNICIPALISMO E A CULTURA POLÍTICA BRASILEIRA *
Otair Fernandes de Oliveira **
1 – Considerações Iniciais
Em um trabalho sobre a Câmara Municipal no atual contexto
brasileiro sentimos a necessidade de ressaltar alguns aspectos relacionados a
nossa cultura política institucional. A idéia era refletir sobre a base e a
origem da formação social, política e institucional da sociedade brasileira.
Pois a existência da Câmara como órgão
da administração pública e de representação política, data desde os tempos
coloniais, isto é, muito antes das
Assembléias estaduais e do próprio Congresso Nacional. Herdada dos colonizadores portugueses, a instalação
de Câmaras locais era fator obrigatório para a formação e o reconhecimento do
município (Vilas) por ato da "autoridade
régia" [1]. Salvo em raríssimo momento, o estímulo para a instalação
de Câmaras locais não buscava a
autonomia, mas a subordinação do município, pois este era submetido, como
braço administrativo, à centralização monárquica [2].
Como um dos primeiros órgãos de
administração pública e de representação política no país, a Câmara Municipal,
ao nosso ver, constitui a base da vida
pública brasileira compondo suas primeiras estruturas políticas em um país
colonizado, cujas trajetórias e evolução histórica das suas instituições
políticas se reportam aos avanços e retrocessos da sua história em direção à
centralização ou à descentralização política, à autonomia ou limitação de
autonomia das instituições e à aproximação ou ao afastamento do experimento
democrático. Acreditamos que, uma vez explicitada, esta estrutura política
local pode revelar aspectos importantes do conteúdo político-institucional que
têm permeado as instituições políticas ao longo dos tempos.
Nossa intenção é destacar alguns
traços característicos da vida institucional brasileira, tendo como referência
certa literatura clássica sobre a política nacional, notadamente as obras
Instituições Políticas de Oliveira Vianna, Os Donos do Poder de Raymundo Faoro
e Coronelismo, Enxada e Voto de Victor Nunes Leal.
Partimos do pressuposto de que
alguns traços culturais característicos da forma de pensar e de fazer política
no país têm permanecido inalterados ou sofreram mínimas modificações ao longo
dos tempos, persistindo no comportamento
político institucional de hoje. Mesmo considerando as alterações sofridas
na morfologia institucional brasileira com o recente processo de
redemocratização vivenciado no país, sobretudo, dos órgãos legislativos, no
caso investigado a Câmara dos
Vereadores, esses traços são reproduzem práticas políticas tradicionais que
podem funcionar como freio ou limites para possíveis avanços em prol do
aprimoramento e aperfeiçoamento institucional na direção da consolidação de uma
vida democrática. Mas, quais são essas características?
2 - Oliveira Vianna e a Ausência do Espírito Público
Um dos primeiros traços
característicos da nossa cultura política consiste no problema da ausência ou carência de “motivações coletivas” ou a
falta do “espírito público” nas
instituições políticas brasileiras, apontado por Oliveira Vianna na sua
interpretação desenvolvida na obra “Instituições Políticas Brasileira” (1974),
onde enfatiza os fundamentos sociais e políticos da formação do Estado
brasileiro.
Partindo de uma análise com um
viés chamado pelo próprio autor de “culturológico”, tendo como base as
estruturas políticas municipais Vianna investiga os antecedentes históricos e a
"influência subconsciente dos usos e costumes tradicionais da nossa vida
local". Ressalta o que ele próprio denomina de “fracasso ou inexecução das
instituições políticas vindas de importação ou de pura inspiração ideológica”,
e, ainda, salienta as dificuldades para a implantação das instituições
democráticas liberais no país, quando afirma que “não era fácil impor-se a um
povo uma nova modalidade de comportamento político” [3].
Como traço principal da cultura
política brasileira, Vianna destaca o “privatismo”
e o “personalismo”, formadores de
uma psicologia política, parte das heranças coloniais e da tradição do
subconsciente coletivo do país desde os primórdios da nossa história e que
subsistem nas estruturas locais, envolvendo as "elites superiores",
interferindo na formação e no funcionamento dos governos provinciais e do
Império.
Nesse caminho, o motivo privado ou privatista se constituía na marca da disputa pela conquista do poder
municipal. Motivo identificado com o interesse pessoal dos “chefes de clãs”, uma vez que essa
motivação consistia na força inspiradora dos “clãs eleitorais”, formadores dos partidos políticos, vistos como “simples organizações de interesse privado
com funções no campo político”. Assim esse poder era disputado, segundo o
autor:
“Não para que realizassem
qualquer interesse geral e público das localidades (municípios); mas, apenas
como meio de prestígio, de orgulho, de realce pessoal, ou de defesa contra os
adversários locais” [4].
Essa situação consistia na
ausência da compreensão do poder do Estado como órgão do interesse público,
quando na formação do Império e da ordem constitucional, constituindo um
problema para a instalação e consolidação do regime democrático no país.
Reside aí, segundo Vianna, o
nosso “grande mal”, posto que “os órgãos do Estado são para estes chefes de
clãs, locais ou provinciais, apenas uma força posta à sua disposição para
servir aos amigos e aos interesses, ou para oprimir os adversários e os
interesses destes” [5].
Na opinião do autor, esse
comportamento político herdado desde a Colônia não sofreu profundas alterações
até a fundação do Império. Com isso, ele identifica outra característica das
nossas instituições políticas, que se refere à contradição existente entre o
legal e o comportamental ou costumeiro, ou seja, à questão de que os textos
constitucionais brasileiros (1824, 1891 e 1934) inspirados externamente são
contrastantes com a nossa cultura política. Daí, afirmar a impossibilidade
prática de se instalar no Brasil um Estado Nação no “puro estilo inglês ou
americano”, assentado sobre “bases
populares e democráticas”. Nesse sentido, o município é visto como a
primeira estrutura local do novo Estado Nacional de base democrática, que o
autor identificava no Império brasileiro.
Outra característica da vida
pública institucional destacada por Vianna refere-se à ausência de educação
política das nossas instituições, compreendida como a falta de preocupação das
instituições brasileiras em se organizar e desenvolver uma educação
“democrática ou de liberalismo prático”, pois:
“... nos grandes domínios da
Colônia e do Império, debalde procuramos qualquer instituição pública -
qualquer sistema econômico, ou religioso, ou administrativo, ou jurídico, ou
político - que importasse na iniciação ou preparação do nosso povo-massa para a
vida democrática, isto é, para sua direta intervenção nas gestões da coisa
pública local; menos ainda - da coisa pública provincial; muito menos ainda -
da coisa pública nacional. De qualquer uma delas o nosso povo-massa esteve
sempre - seja legalmente, seja praticamente - ausente durante todo o curso da
nossa história política e administrativa; isto é, durante cerca de 400 anos”
[6].
No entanto, ao contrário do que muitos
possam imaginar, não é na formação política do “povo-massa” para uma
intervenção direta na vida pública que o autor acredita e defende para o país.
Para além de uma visão de história temporal e cronológica que coloca a história
do Brasil à imagem e semelhança do desenvolvimento histórico europeu, as bases
teóricas do pensamento de Oliveira Vianna estão relacionadas à influência dos
argumentos darwinistas da seleção natural, segundo os quais os fatores
biológicos, genéticos, determinam a formação e os atributos culturais do ser
humano. Tais argumentos constituem a base
do pensamento elitista, conservador e racista predominante no país e no
mundo ocidental à época da formação do Estado-Nação brasileiro [7]. Isso não
tira o mérito teórico de que, em relação ao comportamento político
institucional no país, o autor tenha levantado aspectos importantes.
3 - Raymundo Faoro e o Estamento Burocrático
Aos traços ressaltados por Vianna,
somam-se os destacados por Raimundo
Faoro em “Os Donos do Poder” (1976), obra com interpretação
histórico-crítica da formação social brasileira. Por meio do que é chamado de
“estamento burocrático”, Faoro revela a contradição entre o processo de
modernização do país, cujas bases são instituições “anacrônicas” e comandadas
por um “estamento burocrático”. Este funda-se num sistema patrimonial do capitalismo politicamente orientado, que nem
mesmo a pressão da ideologia liberal e democrática conseguiu quebrar, diluir ou
desfazer.
O autor ressalta a persistência de uma
estrutura patrimonial, assentada no tradicionalismo, transplantado para a
Colônia pelos portugueses, que aqui se consolidou e se adaptou às mudanças
políticas da história nacional [8]. Tradicionalismo que, segundo ele, aqui se
reproduziu na formação dos primeiros órgãos da administração colonial (Câmaras
ou Senado da Câmara), com base em um sistema eleitoral restrito e restringido
na seletividade dos chamados “homens bons” para a composição da máquina
administrativa [9].
Por “estamento burocrático”,
Faoro identifica um “quadro administrativo e estado-maior de domínio
característico do patrimonialismo, em que uma minoria comanda, disciplina e
controla a economia e os núcleos humanos” [10]. Num estágio inicial, esse tipo
de domínio se apropria das oportunidades econômicas de desfrute dos bens, das
concessões, dos cargos, confundindo o setor público com o privado, que, com o
aperfeiçoamento da estrutura política, se fixa com divisão dos poderes.
Essa característica, segundo o
autor, tem atravessado toda a história
política brasileira, que, no caso da ausência do “quadro administrativo”, a
chefia dispersa e assume caráter patriarcal, identificável no mando da pessoa
do fazendeiro, do senhor de engenho e dos coronéis. Quando se estrutura, o
patrimonialismo pessoal se converte em patrimonialismo estatal, devido ao fato
de que:
“... o patrimonialismo se amolda
às transições, às mudanças, em caráter flexivelmente estabilizador do modelo
externo, concentrando no corpo estatal os mecanismos de intermediação, com suas
manipulações financeiras, monopolistas, de concessão pública de atividade,
controle de crédito, de consumo, de produção privilegiada, numa gama que vai da
gestão direta à regulamentação material da economia” [11].
Além disso, Faoro chama a atenção para
o fato de que esse tipo de “estamento burocrático” se perpetua como uma camada
social sobre a sociedade, posicionando-se acima das classes sociais. Tal camada
é configurada num estrato social, é comunitária, mas nem sempre articulada,
muitas vezes amorfa, constitui o aparelhamento político "que impera, rege
e governa em nome próprio, num círculo impenetrável de comando". Ela muda
e se renova, "(...) substituindo moços por velhos, aptos por inaptos, num
processo que cunha e nobilita os recém-vindos, imprimindo-lhes os seus
valores".
Nesse sentido, o “estamento
burocrático” com aparelhamento próprio invade e dirige a esfera econômica,
política e financeira, comandando o ramo civil e militar da administração. No
âmbito político, interno à estrutura, o quadro de comando se centraliza,
pretendendo “se não a coesão monolítica”, ao menos a “homogeneidade de
consciência, identificando-se às forças de sustentação do sistema”.
Na peculiaridade histórica
brasileira, segundo a interpretação de Faoro, essa camada dirigente atua em
nome próprio, servida dos instrumentos políticos derivados de sua posse do
aparelhamento estatal. Na opinião do autor, o impacto das novas forças sociais
tem sido amaciado, domesticado e transformado por essa camada dirigente, que
incorpora seus próprios valores, mesmo, às vezes, adotando uma ideologia
diversa, mas compatível com seu esquema de domínio. Dessa forma, ele afirma:
"O poder - a soberania
nominalmente popular - tem donos, que não emanam da nação, da sociedade, da
plebe ignara e pobre. O chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios,
gestor de negócios e não um mandatário. O Estado, pela cooptação sempre que
possível, pela violência se necessário, resiste a todos os assaltos, reduzido,
nos seus conflitos, à conquista dos membros graduados de seu estado-maior"
[12].
Esse conteúdo institucional, segundo
Faoro, tem moldado a fisionomia do chefe do governo. Este é gerado e limitado
pelo quadro que o cerca (o rei, o imperador, o presidente). Assim, o chefe
governa o estamento e a máquina que regula as relações sociais. Dessa maneira:
“(...) o chefe provê, tutela os interesses
particulares, concede benefícios e incentivos, distribui mercês e cargos, numa
atmosfera que dele se espera que faça justiça sem atenção às normas objetivas e
impessoais” [13].
Esse sistema é compatível com uma
ordenação formalmente jurídica (órgãos estatais separados, assembléias ou
tribunais) e pode conviver com um constitucionalismo formal, nominal, em que a
Carta Magna tem validade jurídica, mas não se adapta ao processo político e não
alcança capacidade normativa, “adulterando-se no aparente
constitucionalismo”[14].
Nessa situação, “a soberania popular não existe, senão como farsa, escamoteação ou
engodo”, pois a autocracia pode
operar sem que o povo perceba seu caráter ditatorial, “salvo em momentos de
conflitos e de tensões, quando os órgãos estatais e a carta constitucional
cedem ao real, verdadeiro e atuante centro do poder político”.
Por outro lado, o autor ressalta a
incompatibilidade desse tipo de sistema autocrático e autoritário com o que ele
considera “sistema normativamente constitucional e democrático”, pois este tipo
de estrutura tem como essência o fato de que “os detentores do poder participam
na formação das decisões estatais, mediante mecanismos de controle que atuam na
participação popular” [15].
Conforme essa interpretação de Faoro,
o Brasil convive “com duas partes desacreditadas e opostas que navegam para
pontos antípodas: a sociedade e o estamento”. Os processos de modernização, em
todos os níveis, desde a transmigração da família real têm ocorrido de “cima
para baixo" sob o pressuposto da “incultura”, senão da “incapacidade do
povo”. Assim, ao povo resta oscilar entre o parasitismo, a mobilização de
passeatas sem participação política e a nacionalização do poder, ficando mais preocupado
com os “novos senhores”, com o “bom príncipe”, dispensários de justiça e
proteção. “A lei, retórica e elegante, não o interessa [ao povo]. A eleição, mesmo formalmente livre, lhe
reserva a escolha entre opções que ele não formulou” [16].
4 - Victor Nunes Leal e o Fenômeno do Coronelismo
O conjunto das características
destacadas tanto por Vianna quanto por Foaro refere-se aos fatores
macroinstitucionais da política nacional, sob o ângulo de aspectos mais
abrangentes do nosso comportamento político-institucional. A esses,
acrescentam-se e complementam-se as observações de Victor Nunes Leal em “Coronelismo, Enxada e Voto” (1986),
que oferece um estudo mais aprofundado do quadro da vida social e política
brasileira, tendo como base os municípios do interior, predominantemente
rurais. Tal estudo possibilita uma visão microinstitucional da nossa vida
pública.
Segundo o autor, o fenômeno do
“coronelismo” é o principal traço característico do regime republicano, apesar
da percepção originária de diversos elementos que o compõem no regime colonial,
pois ele consiste num sistema político de compromisso entre o poder público e o
poder privado, tendo como base de sustentação econômica uma estrutura agrária
decadente. Nesse sentido, para o autor, conceitualmente, “(...) o ‘coronelismo’
é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público,
progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes
locais, notadamente, dos senhores de terras”[17].
Esse compromisso reside num certo grau
de fraqueza de ambos os lados, principalmente do poder público, que, diante da
debilidade de constituir-se frente ao alargamento do regime representativo por
meio da ampliação do sufrágio, incapaz de exercer a plenitude das suas funções,
compõe-se com o poder privado dos donos de terras. Desse modo, segundo Leal,
"A superposição do regime
representativo, em base ampla, a essa inadequada estrutura econômica e social,
havendo incorporado à cidadania ativa um volumoso contingente de eleitores
incapacitados para o consciente desempenho de sua missão política, vinculou os
detentores do poder público, em larga medida, aos condutores daquele rebanho
eleitoral. Eis aí a debilidade particular do poder constituído, que o leva a
compor-se com o remanescente poder privado dos donos de terras no peculiar
compromisso do 'coronelismo” [18].
A situação de dependência do eleitorado rural (massa de assalariados, parceiros, posseiros e
pequenos proprietários) em relação aos donos de terras e à falta de consciência política dos eleitores faz, segundo o autor,
com que o coronelismo se estabeleça num sistema de reciprocidade, de “troca de
favores” entre os políticos locais e o poder público estadual. De um lado, os
chefes municipais e os coronéis conduzem uma quantidade de eleitores, de outro
lado, a situação política dominante no Estado, “que dispõe do erário, dos
empregos, dos favores e da força policial, que possui, em suma, o cofre das graças e o poder da desgraça”
[19].
Assim, para Leal, o advento da
República, sob as bases do regime
federativo e a eleição do governo do Estado, repousa no compromisso
coronelista facilitador da “montagem,
nas antigas províncias, de sólidas máquinas eleitorais (...) estáveis, que
determinaram a instituição da ‘política dos governadores’”[20]. Portanto, o
governo estadual constituía a parte forte desse compromisso consolidado por
meio do uso do poder público para fins de política partidária.
Nesses termos, o autor afirma que a
essência do compromisso coronelista
consiste no incondicional apoio aos candidatos do oficialismo nas eleições
estaduais e federais, pela parte dos chefes locais. Da parte do governo
estadual, é dada carta branca ao chefe local governista (de preferência ao
líder da facção majoritária) referente a todos os assuntos relativos ao
município, inclusive para a nomeação de funcionários estaduais do lugar. Com
isso, os dirigentes políticos locais, direcionando seus votos para os
candidatos governistas, tornam-se credores de especial recompensa, que consiste
em ficarem com as mãos livres para consolidarem sua dominação no município.
Diferentemente de uma visão negativa
do sistema político brasileiro, depreendida subjacentemente nas idéias
concebidas por Vianna de “privatismo ou da ausência do espírito público” ou nas
idéias de Faoro, de um “estamento burocrático”, Victo Nunes Leal não vê o
coronelismo de todo negativo, uma vez que salienta os aspectos positivos do
sistema coronelista, argumentando que muitos melhoramentos nas localidades
devem-se ao interesse e à insistência do chefe político local. Construções de
escolas, estradas, correio, ferrovia, posto de saúde, hospital, luz elétrica,
rede de esgoto, água encanada, campos de futebol, dentre outros, “exigem o esforço,
muitas das vezes penosos, chegando até ao heroísmo desse chefe político local”.
Assim, na sua opinião, “é um erro supor que o chefe local procede por meio de
capricho, sem idealismo e sem espírito público”, pois
“É com essas realizações de
utilidade pública, algumas das quais dependem só do seu empenho e prestígio
político, enquanto outras podem requerer contribuições pessoais suas e dos
amigos, é com elas que, em grande parte, o chefe municipal constrói ou conserva
sua posição de liderança”[21].
Nesse momento, Leal
identifica o “espírito governista”
como a marca predominante da mentalidade
da política municipal, pois, ao apoiar o governo estadual, o chefe local
obtém para o seu município as melhorias julgadas por ele necessárias e
urgentes. Também identifica uma “ética especial” desse tipo de relação, que
consiste no fato de que “os compromissos não são assumidos à base de princípios
políticos, mas em torno de coisas concretas”, prevalecendo para uma ou para
poucas eleições[22].
De acordo com isso, o paternalismo por intermédio do “favor pessoal” torna-se um importante
instrumento de dominação política, transformando favores de toda ordem, tais
como a concessão de empregos, empréstimo ou financiamento de dinheiro,
contratação de advogado, providenciamento de médico ou hospitalização,
apadrinhamento ou batismo de filhos ou de casamentos, legalização de terras e
muitos outros; em realizações concretas dos préstimos pessoais que dependem
direta ou indiretamente da pessoa do chefe local.
Nesse tipo de favorecimento, em muitas vezes, não há fronteiras e nem
barreiras entre o que é ou não legal, pois “para favorecer os amigos, o chefe
local resvala muitas vezes para a zona confusa que medeia entre o legal e o
ilícito, ou penetra em cheio no domínio da delinqüência, mas solidariedade
partidária passa sobre todos os pecados uma esponja regeneradora”[23].
Numa contraface desse tipo de sistema
de compromisso, Leal identifica o “filhotismo” e o “mandonismo”. O primeiro
reside no favoritismo em relação aos amigos do governo, com fechamentos dos
olhos para as mazelas de seus apadrinhados políticos, contribuindo, assim, para
a desorganização da administração municipal, sob a “vista grossa” dos governos
estaduais, ainda mais quando se considera o despreparo técnico dos parentes e
amigos e a utilização do dinheiro, dos bens e dos serviços do governo municipal
nas campanhas eleitorais, entendidas como verdadeiras “batalhas eleitorais”. Já
o "mandonismo" se manifesta na perseguição aos adversários da
situação, num permanente clima de hostilidade.
Dessa maneira, tanto o “favor” quanto
o “porrete”, segundo o autor, são os recursos utilizados pelo chefe local na
manutenção do seu domínio político, daí a subexistência de expressões no meio
político, tais como: “para os amigos
pão, para os inimigos pau” ou “aos amigos se faz justiça, aos inimigos se
aplica a lei” [24].
Com tudo isso, é possível resumir as
principais características "coronelistas" como sistema de
compromisso, da seguinte forma:
a) utilização do dinheiro, dos
serviços e dos cargos públicos, como processo usual de ação partidária;
b) prática de falseamento do
voto, influenciada pela precariedade das garantias da magistratura e do
ministério público (ou sua ausência) e a livre disponibilidade do aparelhamento
policial;
c) submissão do município frente
à preponderância da situação estadual em seus entendimentos com os chefes
locais;
d) favoritismo em relação aos
amigos do governo e forte cobrança ou retaliações em relação aos adversários.
A questão fundamental nesse sistema de
compromisso, para Leal, trata-se da autonomia
municipal, pois, na sua opinião, “o verdadeiro problema não é o da
autonomia dos municípios, mas o de falta
de autonomia”, evidência constante em nossa história, devido ao
amesquinhamento das instituições municipais que, salvo raras exceções, sempre
estiveram submetidas à interferência régia, imperial e republicana. No entanto,
paralelo a essa falta de autonomia legal, o autor ressalta que os chefes
municipais governistas contavam com uma ampla autonomia extralegal. Dessa
forma, afirma que:
“É justamente nessa autonomia
extralegal que consiste a carta-branca que o governo estadual outorga aos
correligionários locais, em cumprimento da sua prestação no compromisso típico
do ‘coronelismo’. É ainda em virtude dessa carta-branca que as autoridades
estaduais dão o seu concurso ou fecham os olhos a quase todos os atos do chefe
local governista, inclusive a violências e outras arbitrariedades” [25].
Embora Leal defenda que o
“coronelismo” se assenta, por um lado, nas fraquezas dos donos de terras, que
se iludem com o prestígio do poder, obtido à custa da submissão política, e,
por outro lado, na desilusão daqueles que dependem das terras dos coronéis para
sobreviverem, o compromisso coronelista não tem se enfraquecido com o
fortalecimento do poder público e com a decadência da estrutura agrária no
país, como se poderia esperar. Ao contrário, o fortalecimento do poder público
tem “contribuído para consolidar o sistema, garantindo aos condutores da
máquina oficial do Estado quinhão mais substancioso na barganha que o
configura. Os próprios instrumentos do poder constituído é que são utilizados,
paradoxalmente, para rejuvenescer, segundo linhas partidárias, o poder privado
residual dos ‘coronéis’ (...) [ que subsiste], se adapta, aqui e ali, para
sobreviver, abandonando os anéis para conservar os dedos” [26].
Alerta o autor que tal sobrevivência,
no plano político, falseia a representação política e desacredita o regime
democrático, permitindo e estimulando o emprego habitual da força pelo ou
contra o governo. Daí o caráter metamorfoseador do fenômeno ressaltado na obra
do autor.
5 – Considerações Finais
Diante das argumentações aqui
abordadas, é perceptível que alguns desses traços característicos da vida
político-institucional permaneçam e persistam de maneira inequívoca, no
contexto atual, frente ao novo quadro político vigente no país. Mesmo
considerando as divergências no plano teórico e metodológico e, principalmente,
do ponto de vista ideológico entre
os autores supracitados, no cômputo geral, pode-se chamar a atenção para três ordens de questões subjacentes aos
aspectos gerais da cultura política das nossas instituições.
A primeira
ordem refere-se à relação entre o poder privado e o poder público,
destacada nas idéias de privatismo e na
falta ou carência de espírito público, no controle do poder político por
uma minoria dirigente que atua em nome próprio, e em um sistema de compromisso
e de troca de favores entre os donos de terras e o poder público, segundo
Vianna, Faoro e Leal, respectivamente.
A segunda
ordem de questões diz respeito à contradição entre a morfologia
institucional e a dinâmica comportamental das instituições e dos agentes
políticos. Tal contradição é revelada por Vianna na idéia da discrepância entre a norma jurídica e a
prática política; por Faoro, na contradição entre o moderno e o anacrônico
das instituições políticas; e por Leal, na relação entre o legal e o ilícito ou
extralegal.
A terceira
ordem de questões é de fundamental importância para uma melhor compreensão
das dificuldades e obstáculos referentes ao processo de democratização no país.
Trata-se dos problemas oriundos e decorrentes da formação e do funcionamento
das instituições básicas da democracia liberal, referentes à participação política. Esses problemas são revelados,
segundo Vianna, na falta de preocupação com a educação política do povo por parte das instituições; conforme,
Faoro no pressuposto da incultura ou incapacidade da população e no
desinteresse desta em participar politicamente; e por Leal, na dependência e ignorância política do
eleitorado rural frente aos chefes políticos locais.
Mas, ao nosso ver, a questão
atual de fundamental importância nas interpretações aqui abordadas, de maneira
geral, trata-se dos problemas e das dificuldades da implantação e funcionamento
da democracia no país, mesmo dentro dos moldes liberais. Em Oliveira Vianna, é
clara sua visão pessimista quanto a isso, daí afirmar à impossibilidade prática
de tal realização. Em Raimundo Faoro, a atenção é para o fato de ser possível o
estamento burocrático conviver com a democracia formal do ponto de vista
constitucional com validade jurídica, adulterando-se no aparente
constitucionalismo. Em Victor Nunes Leal, o alerta é para a sobrevivência do
sistema coronelista, que subsiste, se adapta e se molda às inovações e
transformações da vida pública brasileira (metamorfose), impondo barreiras e
limitações à democratização da sociedade, no conjunto de suas instituições e,
com isso, falseando a democracia. Isso significa dizer que, mesmo nos tempos
atuais, em um mundo predominantemente urbano com eleições eletrônicas e
televisivas o fenômeno do coronelismo pode estar redefinido sob nova roupagem,
conforme os padrões exigidos em um contexto de democratização.
Tais considerações remetem a uma reflexão profunda sobre as
características e as formas de democratização do Estado e da sociedade
brasileira ora em vigências. Servem como um alerta para o fato de que a
realização da democracia na sua forma legal e normativa não é capaz e nem
suficiente para a garantia da consolidação de um regime democrático no país. Essa
normatividade constitui um ponto de partida necessário à formulação de
mecanismos legais que precisam ser efetivados e consolidados no conjunto das
práticas político-institucionais. É fato que alguns desses mecanismos estão
subscritos no arcabouço constitucional vigente, e sua efetivação depende do
compromisso e das responsabilidades assumidas pelas instituições políticas
refletidos nas atitudes e comportamentos dos seus membros, a quem cabe a tarefa
principal de evidenciar a importância dos valores do experimento democrático. O
fato é que nossa experiência nesta direção é incipiente. Daí torna-se
fundamental o aprimoramento e o aperfeiçoamento das instituições políticas
existentes em prol do exercício e do cumprimento dos preceitos legais ora
vigentes no país, mesmo que esses preceitos ainda necessitem de melhores formulações.
Bibliografia
FAORO, Raymundo. Os Donos do
Poder: formação do patronato político brasileiro. 3ª ed. ver. Porto Alegre:
Globo, 1976. V. 1, Cap. XIV, p. 579-749: República Velha -Os Fundamentos
Políticos.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo,
Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil. 5ª ed. São
Paulo: Alfa-Omega, 1986. 276p.
LIMA JÚNIOR, Olavo Brasil de.
Instituições Políticas Democráticas: o segredo da legitimidade. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1997. 143p.
MOISÉS, José Álvaro. Os
Brasileiros e a Democracia: bases sócio-políticas da legitimidade democrática.
São Paulo: Ática, 1995 (Ensaios 142). 301p. Cap. 3, p. 82-101: Democratização e
Cultura Política.
RODRIGUES, Alcides Redondo et al. O Vereador e a Câmara Municipal. Rio
de Janeiro: IBAM, 1997. 132p.
TAVARES, Iris Eliete T. N. de P.
O Município Brasileiro: sua evolução histório-constitucional. Revista
Brasileira de Estudos Políticos (UFMG), Belo Horizonte, n.º 86, p. 85-115, jan,
1998.
VIANNA, Oliveira. Instituições
políticas brasileira – Fundamentos sociais do Estado: Direito Público e
cultura. 3ª ed. Vol. 1. Rio de Janeiro: Record, 1974
Notas
[1] Segundo Diogo Lordello de Mello, a primeira Câmara instalada no Brasil foi no
ano de 1532 em São Vicente, São Paulo. Ver "A Representatividade das
Câmaras Municipais". In: RODRIGUES et al (org.). O Vereador e a Câmara
Municipal. 1997.
[2] Segundo Raimundo Faoro, no
início da colonização eram amplas as atribuições das Câmaras e o poder político
local era entregue aos chamados “homens bons”, mas, depois de curto espaço de
tempo com certa autonomia local, as Câmaras passaram a simples executoras das
ordens superiores. Sua composição era de juizes ordinários e dos vereadores e
outros funcionários (eletivos ou nomeados), sem uma distinção clara nas
atribuições das autoridades, funções separadas, no que se refere à
administração, justiça e legislativo, ou com respeito à esfera superior das
capitanias. Havia eleições da Câmara que funcionavam como vínculo entre o povo
e a administração pública, restringida a um corpo eleitoral reduzido aos
“homens bons” (Conselho), confundidos com os proprietários de terras
(indivíduos não nobres que possuíam hereditariamente a propriedade livre). Ver:
FAORO. Os Donos do Poder. V. 1, 1976, p. 184.
[3] Op. cit., vol. 1, p. 311.
[4] Sobre as motivações
privatistas, Ibid., p.273 et seq. Sobre os clãs eleitorais ver capítulo XI - Os
"Clãs Eleitorais" e sua emergência no IV Século (Gênese dos partidos
políticos), Ibid., pp. 242-257.
[5] O parâmetro de democracia de
Oliveira Vianna é o modelo de democracia representativa de tipo liberal, tendo
como referência a Inglaterra e os
Estados Unidos. Esse tipo de democracia se configura fundamentalmente pela
vigência de uma Ordem Constitucional e a existência de eleições. A convivência
com o trabalho escravo e a limitação da
participação política restrita a uma pequena minoria da população, como era no
período imperial, não são fatores que aparecem no ideário democrático de Vianna
como contraditório.
Importante também lembrar que mesmo na
democracia grega, base da cultura da cultura ocidental moderna, mulheres,
crianças e escravos eram excluídos da participação política da pólis, isto é,
não eram cidadãos.
[6] Ibid., p. 293.
[7] O autor acredita na formação
de uma elite nacional, como ele observa no Império (segundo reinado), "os
homens de 1000". Elite, por ele admirada, "formada pela força de
hereditariedades eugênicas combinadas", gestada e selecionada no seio do
povo devido a sua individualidade superior e dotados organicamente,
constitucionalmente de espírito público e de "espírito de serviço".
"Homens, que D. Pedro II com sua visão panótica e a probidade do seu
critério descobria no cenário da política e fixava nos grandes quadros da
administração nacional...". Homens como Nabuco, Paraná, Vasconcelos,
Uruguai, Itaboraí, Caxias e outros, "não eram grandes porque inspirados no
povo-massa (...), não tinham evidentemente a inspiração popular; eram homens de
moldagem carismática - homens formados pelo Imperador. Consciente ou
subconscientemente, era deste a mensagem que traziam - e não do povo"
(Ibid., p.313 et seq.).
[8] O "patrimonialismo"
é visto como um tipo de domínio, de uma forma de poder institucionalizada, em
que a comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como
negócios privados seus na origem e como negócios públicos depois. Faoro
sustenta a idéia de que herdamos a estrutura do Estado patrimonial português,
entendido como uma ordem burocrática, com o soberano sobreposto ao cidadão, na qualidade
de chefe para o funcionário. "Na monarquia patrimonial, o rei se eleva
sobre todos os súditos, senhor da riqueza territorial, dono do comércio - o rei
tem um dominus, um titular da riqueza eminente e perpétua, capaz de gerir as
maiores propriedades do país, dirigir o comércio, conduzir a economia como se
fosse sua empresa" (op. cit., Vol. 1, p.20.). Maiores informações sobre o
domínio patriarcal, ver Vol. 1, capítulo
I - Origem do Estado Português e Vol. 2, capítulo final - A Viagem Redonda: do
patrimonialismo ao estamento.
[9] Sobre os homens bons, diz
Faoro:“Na verdade, o escopo íntimo da superioridade institucional do homem bom
será o mesmo que inspira os conselhos portugueses: inscrever os proprietários e
burocratas em domicílio da terra, bem como seus descendentes, nos ‘Livros da
Nobreza’, articulando-os, desta sorte, na máquina política e administrativa do
Império. Incorporam-se, por meio da aristocracia por semelhança, as camadas
novas de população, enobrecidas pelos costumes, consumo e estilo de vida. O
complicado sistema eleitoral destila novas levas, autorizadas pela confiança
local, ao estamento, cada vez mais burocrático na sua densidade”. Ibid., vol. 1, p.185.
[10] Ibid.,
p.203.
[11] Ibid., p. 736-738
[12] Ibid., p. 748.
[13] Ibid., p.739- 740.
[14] O sistema político de um
governo tipo estamental, segundo o autor, é necessariamente característico de
uma "autocracia de caráter autoritário", entendido como "uma
organização política, na qual um único detentor do poder - uma só pessoa ou 'ditador',
uma assembléia, um comitê, uma junta ou um partido - monopoliza o poder
político sem que seja possível aos seus destinatários a participação real na
formação da vontade estatal". Faoro destaca que o termo
"autoritário" refere-se mais à estrutura governamental do que à ordem
social. "O único detentor do poder político impõe à comunidade sua decisão
política fundamental". Assim, o regime autoritário então, se satisfaz
apenas com o controle político do Estado, sem, necessariamente, pretender
dominar a totalidade da vida sócio-econômica da comunidade, ou determinar sua
atitude espiritual de acordo com sua imagem (Ibid., p. 741).
[15] Ibid., p.741-2.
[16] Ibid., p.747 e 748.
[17] Op. cit., p. 20.
[18] Ibdem, p. 253.
[19] Ibid., p. 20-43.
[20] Ibid., p.253.
[21] Ibid., p. 37.
[22] Ibid., p.41.
[23] Ibid., p. 38-39.
[24] Ibid., p.38-39.
[25] A atrofia do município,
segundo o autor, tem resultado de vários processos, como a penúria
orçamentária, excesso de encargos, redução de suas atribuições autônomas, limitações
ao princípio da eletividade de sua administração, intervenção da polícia nos
pleitos locais etc. (p.50-51).
[26] Ibid., p.255-256.
Resumo: O presente trabalho
objetiva refletir sobre alguns traços característicos da vida
político-institucional brasileira, tendo como referência certa literatura
clássica sobre a política nacional, notadamente as obras Instituições Políticas
de Oliveira Vianna, Os Donos do Poder de Raymundo Faoro e Coronelismo, Enxada e
Voto de Victor Nunes Leal. Alerta para os problemas e desafios da implantação e
funcionamento do regime democrático no país.
Palavras-chave: política
institucional, personalismo, patrimonialismo e coronelismo
* O presente artigo corresponde a
parte do capítulo II – A Câmara Municipal no contexto brasileiro, da
dissertação de mestrado O Legislativo Municipal no Contexto Democrático
Brasileiro: um estudo sobre a dinâmica legislativa da Câmara Municipal de Nova
Iguaçu, defendida em dezembro de 1999, no Programa de Pós-Graduação em
Antropologia e Ciência Política da UFF.
** Otair Fernandes de Oliveira é Bacharel e
Licenciado em Ciências Sociais (UERJ e FEUC). Mestre em Ciência Política (UFF).
Doutorando em Ciências Sociais (UERJ). Professor Universitário da UNESA.
Contato: telefones: (21)
2669-65-47/2768-6973
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Por um Pacto
Federativo Municipalista
Nestas últimas décadas, os
municípios receberam mais atribuições – como educação e saúde. Mas isso não se
traduziu em um aumento de verbas. Temos que organizar as atribuições de cada
ente da federação e a forma de atuação conjunta, para o atendimento das
necessidades e anseios de nossa população
por Paulo Ziulkoski
O Pacto Federativo brasileiro foi
construído de cabeça para baixo. Enquanto na Europa nós tivemos primeiramente o
surgimento das cidades-Estado, que com o passar do tempo criaram zonas de
influência e, após conflitos diversos entre si, acabaram fundindo-se em países;
enquanto nos Estados Unidos, como o nome já sugere, houve uma união, sob o manto
de uma nação, de regiões autônomas que buscavam aumentar sua força; o Brasil, este gigante, nasceu sob a égide
de um poder central. Inicialmente era a Coroa portuguesa, que para
facilitar a administração de tão vasto território o dividiu em capitanias hereditárias,
base dos atuais Estados. Ao longo dos nossos 500 anos, elas se dividiram em
5.562 municípios brasileiros.
Em função deste histórico, em
nosso país o poder político, e
principalmente a carga tributária, ficaram centralizados na União. Voltando
um pouco no tempo, em 1835 nós tivemos a Revolução Farroupilha, em que o Rio
Grande do Sul tentou se separar do Brasil em protesto ao fato de que 50% dos
tributos gerados no Estado iam para o governo central. Quase duzentos anos
depois, este quadro se agravou: atualmente a União concentra 60% da carga
tributária, contra 25% dos estados e 15% dos municípios.
Apesar dessa concentração de
recursos nas mãos da União, nas duas últimas décadas, após a Constituição de
1988, nós passamos a viver um processo intenso de descentralização da gestão das políticas públicas. Cada vez mais, o
ente público que provê os serviços públicos para a população é o município.
Dois exemplos comprovam isso. O
primeiro é na área da saúde: em 1986, os municípios possuíam 43 mil servidores
neste campo e apenas as grandes capitais tinham hospitais e outros serviços de
atendimento. Nos interior, os postos de saúde eram estaduais ou então
pertenciam ao extinto INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social). Mas, atualmente, todos os municípios assumiram a gestão da
atenção básica de saúde e alguns prestam também serviços de média e alta
complexidade. São 200 mil agentes comunitários contratados pelos municípios e
27 mil equipes de saúde da família, com médicos, enfermeiras e auxiliares de
enfermagem, que se somam a dentistas, fisioterapeutas, veterinários, etc.,
totalizando 832 mil servidores. Enquanto isso, no mesmo período, a União reduziu os seus funcionários
nesta área de 250 mil para 108 mil.
O segundo exemplo diz respeito à
educação. Em 1997, os municípios possuíam 40% das matrículas do ensino
fundamental, única modalidade de ensino obrigatória pela nossa Constituição.
Então veio o FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental), que estimulava a inclusão de crianças nesta fase do processo
educacional. Em 2007, os municípios já possuíam 60% das matrículas desta etapa,
que podemos considerar universalizada, pois 97,5% das crianças entre 7 e 14
anos estão nas escolas. São 30 milhões de crianças. Ou seja, os municípios
assumiram 6 milhões de novos alunos, tendo de construir cerca de 200 mil salas
de aula e dotá-las de professores, servidores, segurança, merenda escolar etc.
Entretanto, a carga tributária
continua nas mãos da União, que auxilia a financiar essas funções assumidas
pelos municípios através de 145 programas. Estes transferem recursos para
custear uma parte de cada atividade executada pelo município, de forma
insuficiente.
Para exemplificar isso vamos
citar apenas o Programa Saúde da Família (PSF), em que para sustentar uma
equipe com médico, enfermeira e auxiliar, a União repassa cerca de R$ 5,4 mil
por mês, enquanto o custo, para o município, da manutenção das condições de
trabalho destes funcionários é de pelo menos quatro vezes esse valor. No mérito
o programa é brilhante, mas no financiamento faz com que os municípios, que
possuem um quarto da arrecadação da União, coloquem três vezes mais recursos.
Assim, antes de providenciarmos
as tão necessárias reformas política, tributária, trabalhista e previdenciária,
temos que organizar as atribuições de cada ente da federação e a forma de
atuação conjunta, para o atendimento das necessidades e anseios de nossa
população, realizando o que vou apelidar de Reforma Federativa, para botar o nosso Pacto Federativo em sua posição correta de valorização dos municípios.
Paulo Ziulkoski é presidente da
Confederação Nacional de Municípios.
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Tese de Doutorado
Título em português: O municipalismo brasileiro e a provisão local de políticas sociais:
o caso dos serviços de saúde nos
municípios paulistas
Palavras-chave em português
Cooperação intergovernamental
Descentralização
Federalismo
Municipalismo
Política de saúde
Resumo em português
A tese examina o municipalismo brasileiro após a Constituição de 1988,
verificando como os municípios se saem no provimento dos serviços locais de
saúde face à descentralização desta política com a criação do SUS. Argumenta-se
que o processo de descentralização da saúde desenvolveu-se, ao longo dos anos
90, em duas fases distintas: a fase da descentralização
autonomista, entre 1990 e 1998, quando os municípios tinham total liberdade
nas escolhas da política local de saúde, e a fase da descentralização dirigida, após a introdução do Piso de Assistência
Básica - PAB, quando os municípios começaram a receber recursos "carimbados", destinados exclusivamente a
determinados programas de saúde, determinados pelo Ministério da Saúde.
Todavia, conforme demonstramos, ambas as fases não foram capazes de minorar as
desigualdades regionais existentes, em termos de oferta, acesso e financiamento
aos serviços municipais de saúde. Enfim, demonstramos que as desigualdades em
saúde produzidas pelo nosso federalismo
não foram equacionadas pelo desenho adotado pela política de municipalização da saúde. Somado a isso, demonstramos
que os argumentos normalmente utilizados pela literatura sobre federalismo e
municipalismo no Brasil, críticos à "onda municipalista" e à
existência de milhares municípios pequenos e altamente dependentes dos repasses
do Fundo de Participação dos Municípios, não são suficientes para explicar a
produção local de políticas sociais, dado que não são estes os municípios que
apresentam os piores resultados na política de saúde no que tange à oferta,
acesso e financiamento da saúde pelos gestores municipais. Por fim, demonstramos
que o consorciamento pode ser um mecanismo eficiente na superação de um dos
principais problemas enfrentados pelos pequenos e carentes municípios na
provisão de serviços de saúde: o acesso a serviços de maior complexidade,
inexistente em diversas pequenas municipalidades, sem que isso acarrete um
"efeito carona negativo", ou seja, ao encaminhamento de pacientes
para outras municipalidades sem a correspondente contrapartida financeira.
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Documento Tese de Doutorado
Autor Oliveira, Vanessa Elias de
(Catálogo USP)
Nome completo Vanessa Elias de
Oliveira
E-mail Unidade da USP Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Área do Conhecimento Ciência
Política
Data de Defesa 2007-08-24 São
Paulo, 2007
Orientador Almeida, Maria
Herminia Brandao Tavares de (Catálogo USP)
Banca examinadora Almeida, Maria
Herminia Brandao Tavares de (Presidente)
Arretche, Marta Teresa da Silva
Augusto, Maria Helena Oliva
Fernando Luiz Abrucio
Motta, Celina Maria de Souza
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Urbanismo e
municipalismo no Brasil: breve introdução sobre recorte temático adotado
Ampliação do direito à cidade
para as populações excluídas das políticas publicas urbanas (2) e ação direta
na construção da cidade como lugar de direito das populações (3), são algumas
das constatações sobre as atividades do campo disciplinar-profissional do
urbanismo no início do século XXI, especificamente do urbanismo no Brasil. Seja
partindo da constatação do desafio que ainda hoje existe para produzir tal
ampliação (4), ou fechando a análise sobre a ação dos profissionais urbanistas
na construção da cidade (5), ambos estudos empreenderam uma análise histórica
da formação e continuada construção da prática urbanística no Brasil, para
formularem tais considerações.
A pertinência dessas
considerações apresentadas, respectivamente, por Maria Cristina da Silva Leme e
Margareth da Silva Pereira, sobre a atividade urbanística nas cidades
brasileiras, pode, nesse sentido, delinear outras pesquisas no campo da
história do pensamento urbanístico no Brasil. No caso do presente trabalho,
estas considerações fundamentam uma primeira parte da pergunta central da
pesquisa – pelo objetivo principal do estudo sobre o urbanismo no Brasil –, ao
longo de um importante momento histórico-político nacional definido
inicialmente pela redemocratização de 1945-1946: qual o processo de
implementação-estruturação da área temática do urbanismo e, quais foram as
discussões e proposições urbanísticas no âmbito do Movimento Municipalista Brasileiro – mais precisamente aquelas
produzidas nos Congressos Nacionais de Municípios Brasileiros – entre 1946 e
1964?
Centrado entre dois eventos
importantes da história política brasileira, respectivamente, a promulgação da
Carta Constitucional em setembro de 1946, e o Ato Institucional Nº 1 baixado em
abril de 1964, a pesquisa não ficará restrita às distintas dimensões políticas
que ambos eventos encerram. No entanto, é incorreto desconsiderar quão
importantes e decisivas tais dimensões representaram aos interesses municipais,
sobretudo aquelas consubstanciadas no processo de redemocratização do país após
o Estado Novo (1937-1945), pois, nesse contexto, se originou a primeira e
principal unidade institucional do Movimento Municipalista no Brasil: a
Associação Brasileira de Municípios (ABM), fundada em 1946 (6). Além desta
conjuntura política, é fundamental para o interesse da pesquisa sobre as
discussões urbanísticas empreendidas no âmbito do Municipalismo Brasileiro,
nesses dezoito anos entre 1946 e 1964, toda uma outra conjuntura de mudanças
que envolvem necessariamente a dimensão urbano-regional do território nacional
– delineado por um intenso processo de urbanização –, pois, necessariamente
associadas ao urbanismo e as políticas urbanas implementadas nas
municipalidades.
Urbanismo e municipalismo no processo de urbanização brasileiro
Nesse sentido é importante
salientar que, se apenas a partir de 1946 se configurou importante processo de
inflexão na história política brasileira, já ao longo da década de 1940 e,
fundamentalmente a partir da década de 1950, mudanças importantes perpassaram
também os campos da economia e da urbanização, transformando as relações entre
o sistema urbano-espacial e o sistema de produção. Momento crucial de
conformação de uma economia urbana marcada pela intensa industrialização do
sistema de produção – focado na região sudeste, mas principalmente em São Paulo
–, decorrente de elevados investimentos financeiros para infra-estruturação do
território que foram empregados na região da capital paulista – nas décadas que
se seguiram (1950-1960-1970) após a redemocratização de 1946 – pelo governo
federal. Este aporte de recursos públicos implementados a partir da segunda
metade do século XX, viabilizou o primeiro de um conjunto de três ciclos de
expansão e desenvolvimento urbano-regional caracterizados pela referida
concentração espacial dos investimentos em São Paulo. Segundo Luciano Coutinho,
ciclos delineados “por meio de blocos de investimento púbico em infra-estrutura
[...]. Cada um dos grandes ciclos de expansão da economia corresponderam
políticas regionais urbanas que refletiam a conjuntura de forças políticas, a
conjunção de interesses privados e a forma específica de articulação do projeto
nacional de desenvolvimento” (7). O primeiro dos ciclos foi definido por
Coutinho como “o período Juscelino Kubitschek (1955-1960)”, marcado “por um
forte impulso ao processo de industrialização nucleado em São Paulo com
investimentos infra-estruturais de integração nacional (em energia e
transporte)” e com uma nova política de incentivos aos investimentos no
Nordeste mediante a criação da Sudene” (8).
Um ciclo de expansão da economia
totalmente inserido no recorte temporal definido pelo objeto de estudo desta
pesquisa em andamento, cuja característica pelo investimento em infra-estrutura
de energia e transporte direcionado para o sistema produtivo industrial
consubstanciou intenso processo de urbanização do Brasil – mesmo que
inicialmente atrelado às áreas de interesse (sudeste do Brasil) dos
investimentos deste primeiro ciclo. Processo de urbanização também
caracterizado por um conjunto de variáveis associadas às mudanças produtivas e
espaciais da economia no país, entre as quais mencionaremos quatro que
estiveram e continuam intimamente relacionadas aos debates urbanísticos e os
municípios brasileiros a partir da década de 1950: movimento migratório em
direção às áreas de atração de mão-de-obra para o mercado de trabalho
industrial – e neste movimento não só a relação
campo-cidade, mas de cidades de outras regiões do país para a capital
paulista e demais cidades da região sudeste –, cuja oferta fora criada pela
expansão da indústria resultante dos referidos investimentos (9); crescimento
da população urbana decorrente inicialmente deste movimento migratório e êxodo
rural; expansão periférica das cidades que esta migração acarretou, geralmente
relacionada à necessidade habitacional deste contingente populacional em
crescimento – inicialmente migratório e posteriormente natural –, também
transformado em agente de demanda por melhorias na infra-estrutura urbana de
transporte público, saúde, educação, lazer, entre outras, nas áreas em expansão
horizontal das cidades; a intensa especulação imobiliária interessada e
associada a esse processo de transformação e expansão física das cidades,
sobretudo pelas potencialidades comerciais e econômicas das terras urbanas para
loteamentos, muitas configuradas como vazios urbanos à espera de maior
valorização.
De todas as cidades da região
sudeste do país, São Paulo é a que mais intensamente aglutinou este contingente
de transformações econômicas e urbanas – mas não unicamente, pois é um processo
nacional de mudanças – delineadas a partir da segunda metade do século XX. Nas
pesquisas que Paul Singer realizou sobre São Paulo, especialmente aquelas
interessadas na interpretação das relações entre a economia e a urbanização, a
lógica da concentração espacial do capital na cidade é ainda mais claramente
enunciada (10).
Uma cidade caracterizada, segundo
Sarah Feldman, pela “intensificação da verticalização, expansão periférica e
reestruturação da centralidade”, cujo resultado é apreensível no processo de
mudanças da constituição espacial da cidade que perduraria até os anos de 1970
(11). Ainda conforme Feldman, “a configuração metropolitana, o uso extensivo do
espaço, a proliferação de arranha-céus, de indústrias, do comércio etc., ocupam
o debate urbanístico de São Paulo no período imediatamente posterior à longa
permanência de Prestes Maia como prefeito, de 1938 a 1945” (12).
Foi no âmbito desse importante
quadro urbano-industrial já intensamente consubstanciado ao final do Estado
Novo, que um processo de estruturação dos setores de urbanismo das principais
administrações municipais se consolidou, especialmente, pela criação dos
Departamentos de Urbanismo (13) – momento em que o Movimento Municipalista
também alcança sua legitimação e institucionalização com a fundação da
Associação Brasileira de Municípios, entidade responsável pela organização dos
Congressos Nacionais de Municípios Brasileiros.
O debate urbanístico no âmbito do movimento municipalista
brasileiro-interamericano: questões para uma investigação
Com a criação dos Congressos
Nacionais de Municípios Brasileiros em 1950, ou seja, em meio a todo esse
debate urbanístico, estes conformaram não só parte do tripé institucional do
Movimento Municipalista, como foram fundamentais nas ações específicas da ABM e
do IBAM, assim como, na articulação entre ambas, por configurarem-se no
principal ambiente de discussão e proposição dos interesses dos municípios
brasileiros nas mais diversas áreas da administração pública municipal: saúde,
habitação, urbanismo, transporte, educação, cultura, finanças, jurídicas. Em
cada um dos certames realizados entre 1950 e 1963 (este em Curitiba, um ano
antes, portanto, da instauração do Ato Institucional Nº 1), cada uma dessas
diversas áreas de interesse municipal foram discutidas por Comissões Técnicas
cujas considerações finais eram publicadas em documentos oficiais sob a
responsabilidade da Associação Brasileira de Municípios. Discussões e
proposições municipalistas que, no entanto, não só não estavam limitadas ao
Brasil, como já ocorreriam desde o final da década de 1930, com o I Congresso
Panamericano de Municípios realizado em Havana-Cuba, no ano de 1938, quando se
fundou a Organización Interamericana de Cooperación Intermunicipal – O.I.C.I.
(14).
Neste contexto municipalista
brasileiro-interamericano focar-se-á o estudo nas questões urbanísticas que
perpassavam, particularmente, as discussões e proposições dos Congressos
Nacionais de Municípios Brasileiros, sem desconsiderar, porém, o caráter
relacional entre o municipalismo brasileiro e as deliberações da Organización
Interamericana de Cooperación Intermunicipal – O.I.C.I., mediante realização
dos Congressos Interamericanos de Municípios, especialmente o VIII Congresso
realizado no Rio de Janeiro em 1958. Portanto, um debate
continental-interamericano que, no âmbito deste projeto, recebeu o recorte
temporal do contexto municipalista democrático brasileiro instituído em 1946 –
pela promulgação da Carta Constitucional e criação da Associação Brasileira de
Municípios –, e destituído em 1964 com a instauração do regime militar pelo
AI-1; ano em que se criou, pela Lei n. 4380 de 21 de agosto de 1964, o SERHAU –
Serviço Federal de Habitação e Urbanismo. Momento em que “o planejamento como
função de governo ganha um marco
institucional federal que formaliza as condições de criação de instituições
estaduais, metropolitanas e municipais”
(15).
Esta pesquisa pretende, portanto,
empreender esforço interpretativo com atenção focada nas questões urbanísticas
propugnadas no âmbito do Municipalismo brasileiro. Nesse sentido, tem como
objetivo geral e central o levantamento e interpretação das discussões e
proposições urbanísticas que ocorreram no âmbito do Movimento Municipalista
Brasileiro, especificamente as discussões que perpassaram suas três instâncias
institucionais: Associação Brasileira de Municípios (ABM), Instituto Brasileiro
de Administração Municipal (IBAM) e Congressos Nacionais de Municípios
Brasileiros (16). O percurso pelas questões urbanísticas dessas três instâncias
determina, nesse sentido, o foco de três objetivos específicos da pesquisa. O
primeiro deles é a análise daquele processo de incorporação, estruturação e
organização da área temática do urbanismo e planejamento urbano nestas três
instâncias institucionais do Municipalismo Brasileiro. Este primeiro está
diretamente associado ao segundo objetivo, caracterizado pela interpretação das
questões urbanísticas arroladas no âmbito da ABM, IBAM e Congressos Nacionais
de Municípios Brasileiros e que foram incorporadas na publicação do documento
oficial resultante dos Congressos: as Cartas
Municipalistas (17).
Estas Cartas são o produto final
dos debates ocorridos em todas as Comissões Técnicas de cada Congresso Nacional
de Municípios, assim como, resultante das discussões empreendidas no âmbito da
ABM e IBAM. Nessas cartas são apresentadas as reivindicações, as recomendações,
os direitos, as ações que deveriam nortear
as atividades municipais, sempre pautadas pela premissa do desenvolvimento
municipal. Por este objetivo específico entender como foram arrolados os
desafios e deliberadas as ações pelo campo do urbanismo em respostas aos
denominados “problemas urbanos”, que já na década de 1940, estavam associados
ao inicio daquele intenso processo de urbanização do território nacional (18).
O terceiro objetivo específico
está estruturado na interpretação das discussões urbanísticas municipalistas
brasileiras, em seu diálogo com os debates orientados no contexto
continental-interamericano pela Organización Interamericana de Cooperación
Intermunicipal. Analisar a construção de uma agenda de reivindicações,
recomendações, direitos e ações municipalistas nesse contexto, e a inserção dos
brasileiros nessa construção. Mapear as formas de inserção e atuação
institucional dos profissionais brasileiros vinculados à ABM e IBAM na
instância central do municipalismo interamericano: a Organización
Interamericana de Cooperación Intermunicipal – O.I.C.I, posteriormente
transformada em Organización Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal –
mudança caracterizada pela inserção do Brasil, Espanha e Portugal como membros
desta organização. Posterior, portanto, ao debate municipalista arrolado em
outro contexto institucional: os Congressos Hispano-Luso-Americano y Filipino
de Municípios, organizados pelo Instituto de Estúdios de Administración Local
da Espanha.
Urbanismo e movimento municipalista: uma interpretação
hispano-brasileira
Primeiramente é importante
salientar que a Organización Interamericana de Cooperación Municipal foi definida
a partir da Resolução n. 70 do Primer Congresso Panamericano de Municipios,
realizado em Havana no ano de 1938. Uma posterior mudança para Organización
Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal ocorreu no I Congresso
Extraordinário de Montevideo, realizado no ano de 1976, quando da participação
“como miembros de número” (19) dos municípios brasileiros, portugueses e
espanhóis – este aliás, é o ponto de inflexão e ampliação do escopo da pesquisa
inicialmente pensada exclusivamente para o caso brasileiro: entender o processo
de construção do pensamento urbanístico
no âmbito do Movimento Municipalista
no contexto não só Americano, mas fundamentalmente no contexto Iberoamericano,
ou seja, aquele que incorpora a atuação de entidades municipalistas espanholas
e portuguesas, focado, porém, na relação entre Espanha e Brasil,
respectivamente, pelo Instituto de Estúdios de Administración Local e Instituto
Brasileiro de Administração Municipal.
Este aspecto particular de
entrada conjunta “como miembros de número” dos municípios brasileiros,
espanhóis e portugueses na OICI foi o ponto fundamental e justificativo da
necessidade de iniciar uma pesquisa específica entre as entidades dos três
países. Numa primeira etapa da pesquisa estamos focando atenção sobre as entidades
municipalistas brasileiras e espanholas (20) – no caso brasileiro: Associação
Brasileira de Municípios, Instituto Brasileiro de Administração Municipal,
Congressos Nacionais de Municípios Brasileiros, Revista de Administração
Municipal; no caso espanhol: Instituto de Estudios de Administración Local
(IEAL), Revista de Estudios de la Vida Local. A pesquisa em Madrid foi
justamente direcionada para o levantamento e estudo inicial das questões
urbanísticas no âmbito dos debates sobre os municípios, sobre a administração
local que estiveram sobre a responsabilidade do IEAL. Desta pesquisa inicial
podemos constatar a existência de entidades municipalistas em atuação na
Espanha desde a segunda década do século XX: a Unión de Municípios Españoles,
que atuou entre 1924 e 1939, posteriormente sendo sucedida pela Federación
Española de Municípios e Províncias, com sede atual em Madrid; diferentemente
do caso brasileiro, cuja Associação Brasileira de Municípios foi criada somente
em 1946.
A pesquisa sobre as questões
municipalistas espanholas e os debates urbanísticos foi motivada pela
localização nos arquivos do Instituto Brasileira de Administração Municipal
(IBAM), de atas dos I e II Congressos Iberoamericanos de Municípios organizados
pelo Instituto de Estúdios de Administración Local (IEAL), respectivamente, o
Congresso de Madrid em 1955 e Lisboa em 1959. Entretanto, quando desta primeira
aproximação com documentos do IEAL, uma pergunta foi formulada: estes
Congressos Iberoamericanos são os mesmos Congressos da Organización
Iberoamericana de Cooperación Municipal (anteriormente denominada de
Organización Interamericana de Cooperación Municipal)? Pesquisas iniciais em
atas e documentos também localizados no IBAM confirmaram que não eram os
mesmos, pois, não ocorreram Congressos da OICI em 1955, mas em 1954 (San Juan
de Puerto Rico) e 1956 (Panamá). Desta constatação elaboramos outras perguntas
importantes: qual entidade organizou os Congressos de 1955 e 1959,
respectivamente em Madrid e Lisboa? Existiram outros Congressos Iberoamericanos
subseqüentes a esses dois primeiros congressos? Qual a relação dos debates
entre o municipalismo e urbanismo em desenvolvimento pela OICI, desde o
Congresso Interamericano de Havana em 1938, e estes Congressos iniciados em 1955?
Quais os profissionais brasileiros envolvidos no debate municipalista no
contexto de atuação da OICI e dos Congressos Iberoamericanos?
Com o andamento das pesquisas em
Madrid, principalmente na biblioteca e arquivo do Instituto Nacional de
Administración Pública (INAP), as primeiras respostas para estas perguntas
foram sendo construídas. A criação dos Congressos Iberoamericanos de Municípios
sob os auspícios do antigo Instituto de Estúdios de Administración Local (IEAL)
ocorreu paralelamente à dos Congressos da OICI. Num primeiro momento,
antecedente ao Congresso de 1955 em Madrid, a Espanha foi, segundo o Professor
D. Carlos Ruiz Del Castilho (à época Diretor do IEAL),
“invitada como Nación
observadora, em los Congressos celebrados por la Organización Interamericana de
Cooperación Intermunicipal en el ano de 1953 en Montevideo, y en el ano de 1954
em San Juan de Puerto Rico. A ambas Asambleas asistimos representantes de
Municípios y de Organismos técnicos” (21).
Se, como já mencionado, somente
em 1976 ocorreu a fusão da categoria “Ibérica” na OICI (passou a ser denominada
Organización Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal), ou seja, após o
Congresso Extraordinário de Montevidéu deste mesmo ano, quando municípios
espanhóis, portugueses e brasileiros participaram “como miembros de número”
(22), constatamos a ocorrência paralela de dois importantes congressos cujos
objetivos estavam centrados no estudo-solução dos diversos problemas
municipais: os Congressos Interamericanos da OICI e os Congressos Iberoamericanos
do IEAL. Constatação que também responde a pergunta sobre a entidade
responsável pela criação e organização técnica dos Congressos Iberoamericanos
de Municípios (cuja denominação mais específica é Congressos
Hispano-Luso-Americano y Filipino de Municípios): o Instituto de Estúdios de
Administración Local – diferentemente do IEAL, que publicara as Crônicas dos
seus respectivos Congressos – apenas o congresso realizado no Brasil não foi
publicado – (23), a OICI não tem praticamente nenhuma informação sobre os
Congressos ocorridos entre a década de 1950 e 1960, período de interesse desta
pesquisa sobre o movimento municipalista brasileiro e iberoamericano.
No âmbito deste Instituto de
Estúdios de Administración Local, as principais questões municipais em suas
mais diversas instâncias foram intensamente abordadas na primeira das quatro
áreas temáticas do I Congresso Iberoamericano de Municípios, em 1955:
“Problemas de las grandes concentraciones urbanas desde el punto de vista de la
organización administrativa y de la gestión urbanística”, coordenada por um
importante profissional espanhol, D. Pedro Bidagor Lasarte, à época Jefe
Nacional de Urbanismo. Sua presença no Congresso reforça a importância dos
debates urbanísticos no âmbito do Movimento Municipalista Iberoamericano, tanto
pelos importantes cargos públicos ocupados em sua trajetória profissional
(jefatura de la sección de Urbanismo de la Dirección General de Arquitectura
del Ministério del Gobiernación em 1939, dirección de la oficina Técnica de
Reconstrución de Madrid; Director Técnico de la Comissária General de
Ordenación Urbana de Madrid – 1945/1556; Jefe Nacional de Urbanismo –
1949/1956; Director General de Urbanismo del Ministério de la Vivienda –
1957/1969), quanto pelo importante trabalho urbanístico realizado entre 1939 e
1942, o Plan General de Ordenación de Madrid, aprovado em 1944 pela Lei de 25
de novembro (24).
Em seu texto introdutório da
temática “Problemas de las grandes concentraciones urbanas desde el punto de
vista de la gestión urbanística”, publicada nos Anais do I Congressos
Iberoamericano de Municípios, Bidagor Lasarte discute uma das questões centrais
ao Movimento Municipalista em relação ao planejamento urbano, qual seja, a questão regional, de cooperação entre as
municipalidades. Segundo Lasarte, “el espacio de influência del
planeamiento urbanístico há passado, em rápido sucesión, de abarcar primer ola
periferia, más tarde, la totalidad de um término municipal; luego, su comarca
de influencia. Em seguida se aprecio que si bien el organismo urbano quedaba
plasmado dentro dels âmbito comarcal, las vinculaciones entre las diferentes
urbes de uma región, y de la nación entera, eram tan fuertes que,
evidentemente, su desarrollo se condicionada por exigências y limitaciones
mutuas, que requerían uma visión conjunta y superior, obteníndose así la
necessidad de formular planes regionales y nacionales de urbanismo” (25).
A abordagem sobre a necessidade
de pensar o planejamento em diversas escalas territoriais também foi retomada
pelo engenheiro brasileiro José de Oliveira Reis, no artigo apresentado no II
Congresso Iberoamericano de Municípios, realizado em Lisboa no de 1959 – o
artigo apresentado é na verdade uma nova versão de um texto apresentado no VII
Congresso Interamericano de Municípios da OICI, no Rio de Janeiro em 1958: “a
interdependência existente entre o planejamento local, urbano, suburbano,
metropolitano, regional, estadual, nacional e internacional, mostra que se,
política e administrativamente, há limitações de áreas, na realidade esses
limites são ultrapassados no estabelecimento dos planejamentos. Para conciliar
os interesses jurisdicionais dessas limitações, tem-se proposto a criação de
órgãos planejadores em âmbitos nacionais, estaduais e municipais, que devem
manter um íntima colaboração” (26).
Importante salientar a indicação
da escala “internacional” do texto de José de Oliveira Reis, permitindo uma
aproximação com as problemáticas atuais das cidades no contexto da competição
internacional por investimentos. No caso brasileiro, uma competição destrutiva
das relações cooperativas e associativas entre as diversas municipalidades de
um mesmo Estado, ou ainda, como mencionou José de Oliveira Reis, entre Estados.
No contexto da chamada “guerra fiscal” (27) em que os Estados e municípios
brasileiros estão inseridos, dificilmente a construção de comissões mistas de
planejamento poderá ou conseguirá ser instituída e, os interesses coletivos
regionais associados às problemáticas comuns (seja ambiental, de uso do solo,
habitacional, infra-estrutural, de transporte, entre outras) dos municípios
pensados na lógica da cooperação
intermunicipal, base da própria denominação da organização municipal
iberoamericana, qual seja: Cooperación Intermunicipal. Entender o debate e as
proposições ocorridas nas décadas de 1950 e 1960, pelas particularidades
políticas, econômicas, culturais, sociais destes períodos é fundamental para
pensar o mundo urbano em que vivemos atualmente.
Como explicitou Pedro Bidagor
Lasarte, “la extensión de las ciudades constituye uno de los fenômenos mas
significativos del mundo contemporâneo. La rapidez del crescimiento urbano, el
desarrollo de la vida econômico-social, la complejidad y constante superación
de los médios técnicos, son factores que obligan a la Adminstración y a las
Empresas constructoras a uma actitud inquieta y vigilante, para estar a la
altura requerida por las situaciones que se plantean. La modalidad de la mayor
parte de las ciudades actuales, em circunstancia de continua y rápida expansión,
es atractiva, por lo que supone de ímpetu y juventude, pero es incómoda, por lo
mucho que obliga para garantia de uma personalidad auténtica y de um porvenir
fecundo” (28).
Situação que contextualizada para
o início do século XXI não é muito distinta das condições explicitadas pelos
diversos profissionais que estiveram envolvidos com os debates urbanísticos no
âmbito do Movimento Municipalista Iberoamericano.
notas
1. Esta pesquisa está em
desenvolvimento desde janeiro de 2006, por integrar parte da pesquisa da tese
doutoral desenvolvida na Unicamp sobre o engenheiro José de Oliveira Reis. O
texto aqui apresentado articula considerações resultantes desta etapa de
pesquisa com questões e problemáticas em processo de elaboração, portanto, não
finalizada. Importante salientar que a continuação da pesquisa já ocorreu em
dois momentos posteriores à de elaboração da Tese Doutoral: uma etapa realizada
em Madrid nos meses de janeiro e fevereiro de 2008 foi financiada pela
Fundación Carolina. Nesta etapa realizamos pesquisa na Biblioteca do Instituto
de Estúdios de Administración Local de Madrid; uma segunda etapa ocorreu com
financiamento da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo),
mediante concessão de bolsa pós-doutoral entre os meses de abril e setembro de
2008, sob supervisão da Profa. Dra Maria Cristina da Silva Leme, da FAU-USP.
2. Cf. LEME, Maria Cristina da
Silva. “Os desafios do urbanismo no Brasil: ensino e profissão”. In: MACHADO,
Denise Barcellos; PEREIRA, Margareth da Silva; SILVA, Rachel Coutinho Marques
da. Urbanismo em questão. Rio de Janeiro, UFRJ/PROURB, 2003.
3. MACHADO, Denise Barcellos;
PEREIRA, Margareth da Silva; SILVA, Rachel Coutinho Marques da. Urbanismo em
questão. Rio de Janeiro, UFRJ/PROURB, 2003.
4. Cf. LEME, Maria Cristina da
Silva. Op. cit.
5. MACHADO, Denise Barcellos; et.
Al. Op. cit.
6. ABM: Associação Brasileira de
Municípios. A primeira assembléia da ABM ocorreu no dia 30 de abril de 1946
após uma reunião de instalação da entidade no dia 15 de março do mesmo ano com
a criação da Comissão Nacional Organizadora da Associação Brasileira de
Municípios.
7. COUTINHO, Luciano. “O desafio
urbano-regional na construção de um projeto de nação”. In: GONÇALVES, Maria
Flora; BRANDÃO, Carlos Antônio; GALVÃO, Antonio Carlos Figueiredo (Org).
Regiões de cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano. São Paulo: Editora
Unesp: ANPUR, 2003, p. 39.
8. Idem, ibidem, p. 39.
9. Especificamente sobre a
urbanização, a economia urbana, o emprego urbano e seus aspectos demográficos
podem ser detalhadamente apreciados em dois estudos publicados em ESTUDOS
CEBRAP n. 19, 1977: ”Emprego e Urbanização no Brasil” de Paul Singer; “Aspectos
Demográficos da Urbanização” de Felícia R. Madeira.
10. SINGER, Paul. Economia
política da urbanização. São Paulo, Brasiliense, 1987, p. 124.
11. FELDMAN, Sarah. Planejamento
e zoneamento. São Paulo: 1947-1972. São Paulo, EDUSP/FAPESP, 2005, p. 15.
12. Idem, ibidem, p. 19.
13. São exemplos importantes
dessa estruturação, o próprio Departamento de Urbanismo em São Paulo, criado
pelo Decreto-lei 431 de 7 de julho de 1947, e o Departamento de Urbanismo do
Rio de Janeiro, criado pelo Decreto-lei 8034 de 6 de dezembro de 1945.
14. A Primeira Sede da O.I.C.I
foi Havana em Cuba. Em 1960, no Congresso de San Diego, ela foi transferida
para San Juan de Puerto Rico. Atualmente a Sede central da O.I.C.I. é em
Madrid, onde ocupa parte da sede física da Federación Española de Municípios y
Províncias. Uma entidade que possibilitou a construção de um debate inicialmente
continental-interamericano sobre os problemas, interesses e ações das
municipalidades, e que posteriormente ao Congresso de Montevidéu em 1976,
abrangeu a dimensão iberoamericana de municípios, pela incorporação, como
membros da O.I.C.I. – que passou nesse momento a ser identificada como
Organización Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal –, de municípios
portugueses e espanhóis.
15. FELDMAN, Sarah. “O arranjo
SERFHAU: assistência técnica aos municípios/ órgãos de planejamento/ empresas de
engenharia consultiva”. In: Anais do XI Encontro Nacional da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional.
Salvador, 2005, p. 2.
16. Petrópolis em 1950, São
Vicente em 1952, São Lourenço em 1954, Rio de Janeiro em 1957, Recife em 1959 e
Curitiba em 1963.
17. Como exemplo das Cartas:
Carta dos Princípios, Direitos e Reivindicações Municipais (1950); Carta
Municipalista de São Vicente (1952); Carta dos Municípios Brasileiros (1954).
As questões urbanísticas e de planejamento urbano foram reforçadas em vários
pontos das Cartas: como exemplo, na Carta de 1954, pela Recomendação I –
Elaboração e estabelecimento de um Plano Nacional de Obras e Serviços
Municipais (Operação Município); Recomendação XLVII – Criação de Conselhos
Municipais de Urbanismo.
18. COUTINHO, Luciano. Op. cit;
SINGER, Paul. Op. cit.
19. In: “La Organización
Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal”. OICI, Madrid, 2001, p. 23.
20. Etapa que foi desenvolvida em
janeiro-fevereiro de 2008 com uma Bolsa de Pesquisa disponibilizada pela
Fundación Carolina e com anuência da Escuela Técnica Superior de Arquitectura
da Universidad Politécnica de Madrid.
21. Anais do I Congresso
Iberoamericano de Municipios. Madrid: IEAL, 1956.p.19.(Este congresso é também
denominado de Hispano-Luso-Americano-Filipino de Municípios).
22. In: “La Organización
Iberoamericana de Cooperación Intermunicipal”. OICI, Madrid, 2001,p.23.
23. Congresso ocorreu na cidade
de Brasília entre os dias 22 e 25 de novembro de 1965. In: Revista de Estúdios
de la Vida Local. Ano XXV, noviembro-deciembre, n. 150, p. 890.
24. In: Servicio Histórico do
Colégio Oficial de Arquitectos de Madrid
25. In: Crônica del I Congreso
Iberoamericano de Municípios. Madrid: IEAL, 1956, p. 151.
26. In: Crônica del II Congresso
Iberoamericano de Municipios. Madrid: IEAL, 1959, p. 373.
27. Sobre esta problema: “Da
reestruturação corporativa à competição entre cidades: lições urbana sobre os
ajustes de interesses globais e locais no capitalismo contemporâneo”. In:
Espaço & Debates – Revista de Estudos Regionais e Urbanos. Ano XVII, 2001 –
N. 41, p. 26-45.
28. In: Crônica del I Congreso
Iberoamericano de Municípios. Madrid: IEAL, 1956, p. 149.
sobre o autor
Rodrigo Santos de Faria,
Professor no Departamento de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da
FAU-UnB. Pós-doutorado pela Fundación Carolina/Universidad Politécnica de
Madrid-Escuela Técnica Superior de Arquitectura. Mestre e Doutor em História
pelo Departamento de História da UNICAMP. Arquiteto-Urbanismo pelo Centro
Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto. Pesquisador do Centro
Interdisciplinar de Estudos da Cidade do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da UNICAMP
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Especialização em História do Municipalismo e Políticas Locais , com
acesso ao Mestrado em História do Municipalismo e Políticas Locais
Tendo em consideração a política
de internacionalização da Universidade Autónoma de Lisboa - UAL, testemunhada
pelo elevado número de Protocolos de Cooperação celebrados com instituições
congêneres estrangeiras e pela participação de projetos de investigação de
âmbito internacional, bem como as relações estreitas entre Portugal e o Brasil,
atendeu a UAL às solicitações de várias instituições de ensino superior
brasileiras para, num espírito de cooperação, abrir os seus cursos aos cidadãos
brasileiros através da colaboração com o Centro de Formação Estudos e Pesquisas
– FORUM, na realização do Curso de Especialização em História do Municipalismo
e Políticas Locais (Lato Sensu), ministrado no Brasil, com acesso ao Mestrado
em História do Municipalismo e Políticas Locais ofertado pela Universidade
Autónoma de Lisboa em Portugal. Assim, a UAL e o FORUM concedem oportunidade
aos brasileiros de adquirir educação portuguesa e brasileira de qualidade,
através do Curso de Especialização Lato Sensu realizado aqui, no Brasil.
A Universidade Autónoma de Lisboa
– UAL é um estabelecimento de ensino superior privado reconhecido pelo
Ministério da Educação Português como instituição de interesse público. A UAL
foi constituída em 13 de dezembro de 1986, pelo despacho do Ministério da
Educação nº 123 MEC/86, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 146, de
28/06/86, tendo iniciado o seu funcionamento no ano letivo de 1986/87.
A UAL conta com cerca de 3.000
alunos e 480 professores – mais de 200 com o grau de Doutor e Mestre – e um
conjunto de 18 licenciaturas, Pós-Graduações, Mestrados e Doutorados em 05
áreas (Direito, Economia, História, Línguas e Psicologia) todos reconhecidos
oficialmente pelo MEC Português. A sede da UAL encontra-se na Rua de Santa
Marta, nº 47, 1169-023, Lisboa-PT – telefone: (351) 21 317 7634. A página da
UAL na web pode ser acessada no seguinte endereço:
(http://www.universidade-autonoma.pt). A Universidade Autónoma prima por
garantir internamente o pluralismo e o confronto das idéias, desenvolvendo uma
cultura própria, através da abertura aos antigos alunos e à comunidade de
dispositivos que visam a formação contínua, ou de atividades a desenvolver
pelos Centros de Estudos, com objetivo de estreitar os caminhos do
relacionamento entre a Universidade e os universos institucional e empresarial.
Na via de um corpo docente privativo, a Universidade Autónoma conta com um
conjunto de professores de reconhecida competência acadêmica e profissional,
prosseguindo - entre outras vias - a formação avançada de doutorandos e
mestrandos, ao abrigo do Programa de Desenvolvimento Educativo para Portugal
(Prodep II).
O Centro de Formação, Estudos e
Pesquisas - FORUM foi fundado em 07 de junho de 2005, visando o ensino, desde a
sua fase elementar, à mais adiantada.
Ainda que jovem, O FORUM é
constituído por docentes experimentados nas várias áreas do saber, que têm como
missão fazer dele um excelente centro de criação, transmissão, crítica e
difusão da cultura, ciência e, num futuro próximo, da tecnologia. O FORUM
aplaude e acolhe a liberdade de expressão, política e religiosa, rege-se em
estrita obediência e respeito da Lei Civil da sociedade brasileira e valoriza a
vontade de crescimento intelectual de cada indivíduo. O FORUM procurará sempre
contribuir para o melhoramento e engrandecimento da sociedade brasileira, bem
como manifesta primordialmente o seu profundo interesse nos assuntos que
respeitam a Lusofonia, sem descurar os sucedidos no fazer geral.
A UAL estabeleceu protocolo de
cooperação com o FORUM, onde ambas as instituições se comprometem a desenvolver
um conjunto de iniciativas nos planos científico e pedagógico, nomeadamente o
Curso de Especialização em História do Municipalismo e Políticas Locais (Lato
Sensu) realizado no Brasil, com acesso ao Mestrado em História do Municipalismo
e Políticas Locais da UAL (Strictu Sensu), em Portugal, nos termos da
legislação universitária brasileira e portuguesa. O Curso de Especialização é
organizado da seguinte forma: UAL – Coordenação geral; FORUM – Organização,
promoção, divulgação e coordenação administrativa.
O curso de Especialização em
História do Municipalismo e Políticas Locais ministrado no Brasil, tem como
objetivo específico conferir aos alunos brasileiros a preparação necessária
para realizar trabalho científico independente e uma melhor adequação aos
padrões de exigência da UAL. A este curso de Especialização será dada
equivalência à parte escolar do Mestrado em História do Municipalismo e
Políticas Locais ministrado pela UAL, em Portugal, desde que preenchidas as
respectivas condições.
Licenciados em História ou em
áreas afins, com interesse em aprofundar conhecimentos e desenvolver trabalho
científico de mérito.
O candidato que obtiver
aproveitamento no Curso de Especialização em História do Municipalismo e
Políticas Locais que pretenda posteriormente ascender ao Mestrado em História
do Municipalismo e Políticas Locais da UAL, em Portugal, pode requerer a
inscrição ao abrigo do artigo 45.º do Decreto-Lei nº 107/2008, de 25 de junho
de 2008, publicado no Diário da República Portuguesa, que diz:
Artigo 45.º
Creditação
1 – Tendo em vista o
prosseguimento de estudos para a obtenção de grau académico ou diploma, os
estabelecimentos de ensino superior:
a) Creditam nos seus ciclos de estudos a
formação realizada no âmbito de outros ciclos de estudos superiores em
estabelecimentos de ensino superior nacionais ou estrangeiros, quer a obtida no
quadro da organização decorrente do Processo de Bolonha, quer a obtida anteriormente;
b) Creditam nos seus ciclos de estudos a
formação realizada no âmbito dos cursos de especialização tecnológica nos
termos fixados pelo respectivo diploma;
c) Reconhecem, através da atribuição de
créditos, a experiência profissional e outra formação não abrangida pelas
alíneas anteriores.
2 – A creditação tem em
consideração o nível dos créditos e área científica onde foram obtidos.
3 – Os procedimentos adoptar para
a creditação são fixados pelos órgãos legal e estatutariamente competentes dos
estabelecimentos de ensino superior.
O Curso de Especialização em
História do Municipalismo e Políticas Locais ministrado no Brasil, com acesso
ao Mestrado em História do Municipalismo e Políticas Locais da UAL (em
Portugal), é composto por 11 módulos ministrados por docentes portugueses e
brasileiros e tem duração de 18 meses. São doze módulos com carga letiva de 30
horas. Assim, a carga horária total do curso é de 360 horas letivas.
Cada aluno tem de freqüentar as
aulas lecionadas, participar de todos os módulos e realizar os trabalhos
solicitados pelos docentes. Os trabalhos serão apresentados por escrito, também
sujeitos a apresentação oral. O resultado da avaliação, em cada módulo, será a
média aritmética de todos os trabalhos solicitados pelo professor, avaliados
numa escala de 0 a 20 valores portugueses e 0 a 10 pontos brasileiros.
Para obter êxito no curso, o
aluno deverá obter um mínimo de 14 valores portugueses (7,0 pontos brasileiros)
nos módulos, com freqüência mínima de 75% das aulas realizadas em cada,
apresentar como TCC (Trabalho de Conclusão do Curso) uma Monografia, conforme
exigido por Lei, além da apreciação do mérito do projeto de dissertação, ao
final do curso, pela Comissão Científica.
Os módulos serão orientados por
Doutores portugueses e brasileiros e realizam-se uma vez aproximadamente a cada
40 dias, na quinta-feira das 19h às 22h, na sexta-feira de 08h às 12h e 14h às
19h e no sábado de 08h às 12h e 14h às 19h ou na sexta-feira de 08h às 12h e
14h às 19h, no sábado de 08h às 12h e de 14h às 19h e no domingo de 08h às 12h.
Concluído o Curso de
Especialização em História do Municipalismo e Políticas Locais com êxito, o aluno poderá candidatar-se à apresentação
da Dissertação de Mestrado, matriculando-se na UAL, em Portugal. A admissão ao
mestrado da UAL está condicionada à aprovação no Curso de Especialização (Lato
Sensu) com todas as exigências regulamentares.
A duração total do Curso são 18
meses para a parte letiva (Curso de Especialização em História do Municipalismo
e Políticas Locais), mais 12 meses para a elaboração e defesa da Dissertação do
Mestrado, contados a partir do momento em que o aluno seja aceite ao Mestrado
da UAL, em Portugal.
Concluída, com êxito, a discussão
da Dissertação de Mestrado na sede da UAL, em Lisboa (Portugal), o aluno obterá
o grau de Mestre em História do Municipalismo e Políticas Locais certificado
por uma Carta Magistral, emitida pela UAL.
A Carta Magistral (Diploma de
Mestre) terá validade no Brasil após o seu reconhecimento por uma Universidade
Brasileira, nos termos dos artigos 39 a 42 do Tratado de Amizade, Cooperação e
Consulta, realizado entre a República Federativa do Brasil e a República
Portuguesa (Decreto nº 3.927, de 19/09/01), da Resolução nº 1 do CNE/CES, de 03
de abril de 2001, que estabelece normas para o funcionamento de cursos de
pós-graduação no Brasil, e do Parecer 199/2002 do CNE/CES, de 05 de junho de
2002, que trata da aplicação do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre
a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa (reconhecimento
mediante registro por qualquer universidade brasileira, com dispensa do regime
de revalidação previsto pelo art. 48 da LBD).
1. Concepção e Gestão de Sistemas
de Informação – 30h/a;
2. Fontes e Métodos para a
História do Poder Local – 30h/a;
3. Gestão do Patrimônio Cultural
e Desenvolvimento Regional – 30h/a;
4. História do Municipalismo –
30h/a;
5. Imprensa Local e Regional –
30h/a;
6. Interfaces Institucionais e
Família – 30h/a;
7. Liderança Participativa –
30h/a;
8. Metodologia da Investigação –
60h/a;
9. Regulação Social e sua
Eficácia – 30h;
11. Sistemas Políticos e
Processos Eleitorais – 30h/a;
12. Seminários de Avaliação – 30h/a.
O corpo docente integra doutores
do Departamento de História da UAL (Universidade Autónoma de Lisboa), além de
doutores de universidades brasileiras com significativa experiência no campo da
História.
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GPHUC - Grupo de Pesquisa em História do Urbanismo e da Cidade
Coordenação: Prof. Dr. Rodrigo de
Faria
O Grupo de Pesquisa GPHUC trata
da história e historiografia da cidade, do urbanismo e do planejamento urbano
no Brasil nos séculos XVIII, XIX e XX. Nesta articulação
história-historiografia estruturada pela lógica interdisciplinar e da
circulação das idéias, o Grupo irá levantar, catalogar e interpretar a
construção do pensamento urbanístico no Brasil, o desenvolvimento fisico,
social e cultural das cidades, a vida urbana, a problemática do
municipio-municipalismo, das instâncias institucionais de assistência aos
municípios mediante análise de fontes documentais primárias oriundas dos
arquivos dos profissionais urbanístas e instituições públicas e/ou
particulares. Planos urbanísticos, memoriais e relatórios, artigos em revistas,
anais de congressos, livros entre outros perfazem o escopo documental de
trabalho do grupo. Do trabalho de levantamento e catalogação contribuirá para
produção não só do conhecimento da área de história do urbanismo e da cidade,
mas da sistematização documental para futuras pesquisas do GPHUC e de outros
grupos de pesquisa no Brasil. Um grande eixo temático estrutura as atividades
do grupo: Urbanismo e Urbanização no Brasil: séculos XVIII-XIX-XX. Deste eixo
central surgem os subtemas do grupo (que serão orientadores das linhas de
pesquisa): urbanismo e municipalismo no
Brasil; memória, cultura e cidade; município, municipalismo e vida urbana;
política e legislação no debate municipalista; assistência aos municípios e
gestão municipal; engenheiros e urbanistas: biografia profissional e pensamento
urbanístico. Um segundo eixo de pesquisa (articulado ao primeiro eixo) perfaz
um debate que não está restrito ao Brasil, mas ao contexto Iberoamericano: o
municipalismo e os problemas urbanos municipais no âmbito da Organização
Iberoamericana de Cooperacion Municipal, desde sua fundação como Organização
Interamericana de Cooperacion Municipal em 1938.
Endereço Postal
Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo
Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo
Instituto Central de Ciências -
ICC Norte - Gleba A
Campus Universitário Darcy
Ribeiro - Asa Norte
Caixa Postal 04431 CEP 70904-970
Brasília - DF/Brasil
Endereço eletrônico:
gphuc.unb@gmail.com
Site: gphuc-cnpq.blogspot.com.br
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Artigo - Municipalismo em marcha
14 de maio de 2014
É preciso trabalhar para inverter a pirâmide tributária
LASIER MARTINS
Jornalista
Começou no início da semana, em
Brasília, a marcha anual dos prefeitos,
até aqui sem resultados satisfatórios. O movimento tem levado ao centro do
poder político as reivindicações de mais de 5 mil municípios, sobrecarregados de responsabilidades e esvaziados de recursos. Há muito tempo,
eu vinha me manifestando pelo rádio e pela televisão sugerindo mais exigência e
definição dos prefeitos, resignados com o comportamento voraz e autoritário da
União.
A questão municipalista é bem conhecida, mas repetidamente restrita a
debates muito tímidos. A vigente e sufocante centralização de recursos na União
tem retirado a autonomia dos Estados e municípios, negando a construção de políticas públicas regionais, como a
prestação dos serviços de saúde, educação e segurança adequados aos impostos
que são pagos. Além disso, a maioria dos municípios já investe mais de 20% na
área, alguns chegando a 32%, superando as determinações constitucionais.
É preciso trabalhar para inverter a pirâmide tributária,
distribuindo mais recursos onde as responsabilidades estão concentradas,
acabando com esta vigente matriz invertida, concentradora dos recursos em
Brasília. É injusto que a União, quando resolve desonerar impostos, transfira o
prejuízo aos municípios, como no IPI, minguando ainda mais a receita das
cidades, sem a compensação no Fundo de Participação dos Municípios.
A centralização econômica é
autoritária e antidemocrática. Põe os municípios à mercê da vontade política do
centro do poder. Da distribuição de tratores e patrolas à inauguração de
escolas, a maioria das obras e investimentos é do governo federal _ e o ganho
político também. É o jogo. E os Estados e municípios nada podem sozinhos.
Neste ano eleitoral, a Marcha dos
Prefeitos precisa mostrar sua força. O governo federal, cada vez mais rico e
poderoso, e os municípios, cada vez mais pobres e subjugados. É preciso que o
governo federal se sensibilize com esta situação injusta e estabeleça relação
mais democrática. Precisamos de maior autonomia
tributária e descentralização política, com o fim das imposições de cima
para baixo. Que os prefeitos deixem de ser submissos. O municipalismo é uma das soluções para melhorar o Brasil.
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Associação Municipalista do
Brasil (AMBRAS)
????????????????
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Municipalismo:
chavões e meias verdades
Os políticos – de todos os
partidos e matizes ideológicos – adoram repetir um velho discurso que virou
chavão e que exalta a importância da cidade. “É nela que se vive, que se trabalha, é onde a gente nasce e morre”,
afirmam. “A cidade é o mundo real, é o concreto”. Já o estado e a nação são coisas
abstratas, criações institucionais que geram governos que estão lá longe,
alienados e insensíveis às necessidades do cidadão.
Os políticos afirmam isso,
repetem e a mídia de uma maneira geral acolhe, ecoa e amplia. Esse discurso
sustenta a velha tese municipalista do prefeito vitimado. O chefe do executivo
municipal é aquela figura heróica, com recursos para lá de escassos,
insuficientes e sobre os seus ombros pesam enormes tarefas e responsabilidades,
muito superiores às suas forças. Surge uma estranha personagem
literário-mitológica, híbrida, um misto de Hércules e D. Quixote.
Essa versão tem alguma verdade,
evidente exagero e oculta alguns equívocos. Realmente, as prefeituras
brasileiras têm recebido encargos crescentes – a municipalização da saúde e da
educação são exemplos bem ilustrativos disso -, nem sempre compatíveis com os
recursos adicionais colocados à sua disposição. Mas apesar de reclamar da falta
de recursos, que impossibilita a prestação de um bom serviço nas áreas
essenciais, é muito comum vermos os prefeitos teimando em criar novas
secretarias, ampliar a atuação da prefeitura, estendendo-a a áreas que não lhe
competem. A Prefeitura de Porto Alegre é um típico exemplo: aí estão a
Secretaria da Copa, da Juventude, de Acessibilidade e Inclusão Social, além do
Inovapoa, recentemente criados e que não justificaram sua existência.
Por outro lado – por várias
razões que não será possível aqui detalhar -, de um modo geral os prefeitos
administram muito mal suas receitas próprias (IPTU, ITBI, ISQN), além de, também, gastar muito mal.
No que diz respeito às duas
principais receitas próprias – IPTU e ISSQN -, cabem duas rápidas observações.
Sabe-se que a grande maioria das prefeituras cobra mal e muito pouco IPTU. Por
razões políticas – é sempre desgastante aumentar imposto direto e o
contribuinte está logo ali, na esquina -, e, também freqüentemente, pela falta
de adequada estrutura de administração tributária. No que diz respeito ao ISSQN
– grande fonte de receita das cidades médias e grandes – ocorrem indesculpáveis
omissões. Um exemplo é a última mudança da lei federal, em vigor desde 2004,
que aumentou a incidência do imposto viabilizando
a sua incidência sobre operações bancárias, leasing, serviços cartoriais e
operações com cartões de crédito. A grande maioria das prefeituras gaúchas
e brasileiras ou não está tributando ou está cobrando inadequadamente essas
operações.
Já com relação às transferências,
as prefeituras e suas entidades representativas têm adotado atitude passiva,
acomodada. Um exemplo disso é a atual sistemática de distribuição do retorno do
ICMS aos municípios. Observe-se que o retorno do ICMS é a principal fonte de
receita da maioria das cidades brasileiras.. Temos um modelo distributivo
absurdo, injusto e concentrador em vigor há muitos anos. Assentado basicamente
no valor agregado, em bom português, na renda gerada no município – que tem um
peso de 75%,-, estimula a guerra fiscal e faz com que os municípios ricos
recebam cada vez mais e os pobres cada vez menos. No cálculo do índice final de
retorno a população, a produção e a produtividade agrícola têm peso
infinitamente menor, peso esse que deveria ser consideravelmente aumentado. E
introduzida, também, a variável pib “per capita”, de modo que cidades de baixo
pib “per capita” recebessem compensações, em detrimento dos de maior renda. A
injustiça do atual modelo de distribuição é posto a nu se olharmos os dados de
dois municípios gaúchos. Num extremo temos Triunfo, pequena população, PIB “per
capita” próximo dos 200 mil reais por habitante. No outro, Alvorada, grande
população, PIB baixíssimo (pouco mais de 4 mil reais por habitante). A
população de Alvorada é quase nove vezes a de Triunfo, mas os alvoradenses no
ano passado receberam sete vezes menos do que o valor recebido por Triunfo.
Resultado: em termos do que interessa, por habitante, o prefeito de Triunfo
recebeu de retorno do ICMS sessenta vezes o valor recebido por Alvorada.
Perguntamos: isso é justo, adequado? O estranho é que nunca se viu a FAMURS
criticar esse absurdo critério de distribuição e/ou pedir sua imediata
alteração.
Um outro equívoco capital, grave,
ocorrido na seara municipalista, foi a malfadada “avalanche emancipacionista” ocorrida no final dos anos oitenta.
Foi um típico subproduto do “furor legislativo” do processo constituinte que
antecedeu a Constituição de 1988. Muito já se disse, com razão, sobre a paixão
brasileira por produzir leis. Nisso somos praticamente insuperáveis. Há
milhares e milhares de leis e a cada ano, a cada mês, a cada semana surgem outras.
A grande maioria ninguém conhece e muito menos cumpre. Algumas exóticas, outras
absurdas. Este ano, por exemplo, a Câmara de Vereadores aqui de Porto Alegre
aprovou uma lei que exige uso de fraldas em cavalos! Pode??? Pois a promulgação
de uma lei emancipacionista permissiva, facilitadora dos desmembramentos,
provocou um verdadeiro “terremoto”: em alguns anos, de poucos mais de duzentos
municípios (e prefeituras!) o Rio Grande do Sul chegou número atual:
quatrocentos e noventa e sete!
Acontece que a grande maioria dos
“recém nascidos” era e é absolutamente inviável: sua população e o seu
potencial econômico são absolutamente insuficientes para assegurar aos
munícipes os investimentos mínimos e uma boa estrutura de serviços municipais.
Originou-se, assim, uma nova e vasta legião de “prefeitos pedintes”.
Não queremos invalidar o discurso
e as teses municipalistas. Muitas vezes os prefeitos têm razões justificáveis
para reclamar e reivindicar. Mas eles têm, necessariamente, que fazer o que
lhes cabe. Ampliar e aperfeiçoar suas equipes fazendárias, administrar seus
impostos de forma justa e transparente, especialmente o IPTU, um imposto
direto, cuja progressividade é adequada ao princípio da justiça tributária.
Cobrar o devido pelos bancos e operadoras de cartões de crédito, mais um
exemplo. E gastar melhor, pagando menos por obras e serviços através da
melhoria de sua estrutura de licitações.
Ampliando seus recursos próprios,
contribuirão para reduzir a imensa fila dos “pedintes-beija mão”, que integram
o longo e triste cortejo dos “coitadinhos da República”, na sua costumeira,
repetitiva romaria à capital federal.
Paulo Muzell é economista.
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Estão abertas as inscrições para
o vestibular da primeira Faculdade
Municipalista Mineira, instituição pioneira no país. O processo seletivo
será dia 26 de julho na Fundação Presidente Antônio Carlos (FUPAC) de Nova
Lima, região metropolitana de Belo Horizonte. Inicialmente, a faculdade
oferecerá vagas para os cursos de
graduação em Direito e Administração, com início das aulas em agosto e desconto
de 30% para servidores públicos e seus dependentes. As inscrições podem ser
feitas até o dia da prova, através do site www.institutoamm.org.br.
Os candidatos interessados devem
entrar em contato pelo telefone (31) 3657-9199, para mais informações. A
iniciativa é uma parceria do Instituto AMM de Ensino e Pesquisa, criado pela Associação Mineira de Municípios (AMM),
com a FUPAC.
Instituto AMM
O Instituto AMM é uma entidade
sem fins lucrativos, que tem por finalidade contribuir com as organizações públicas
e privadas sediadas no país, por meio de ensino, pesquisa e extensão. Foi
criado pela AMM para fomentar as ações de capacitação e treinamento de
servidores públicos. Propõe a realização de cursos de curta duração, educação
superior, pós-graduação – presenciais e a distância -, pesquisa, extensão e
certificação ocupacional
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O nome disso é
municipalismo
Mario Ribas do Nascimento
As manifestações ocorridas em junho deste ano mostraram a todos nós uma
virada no comportamento político da sociedade brasileira. Vivemos um momento
desafiador, especialmente para quem tem responsabilidade pública. Àqueles que
estão à frente de uma comunidade local, o convite feito pelos cidadãos é claro:
sentir o que eles sentem, fazer o que há de ser feito – e, inclusive, dizer ao
governo central o que precisa ser dito. Ao contrário de problema, esse
exercício é uma função natural dos prefeitos e das prefeitas. Manter contato,
olhar para as pessoas e tentar superar os desafios coletivos – tudo isso faz
parte do dia a dia dos gestores
municipais. E tem um nome: municipalismo. Essa é a nossa bandeira e é dela
que o Brasil precisa mais do que nunca!
Valorizar o poder local e
aproximá-lo do povo é tudo o que sempre postulamos. Trata-se do cerne da mudança do pacto federativo que
propomos e da melhor interação que a política brasileira pode encontrar. Os
gestores locais devem ser ouvidos, participar das grandes pautas políticas do
Estado e do País. Mais do que isso: precisamos levantar nossas bandeiras, propor reformas, estimular debates, comprar
boas brigas, abrir novas reflexões. Defender a bandeira do municipalismo,
como faz a Famurs (Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do
Sul), significa tratar bem o que nos é próximo. É também cuidar das pessoas
desde que elas nascem, ali em nossos hospitais. E, ao mesmo tempo, ajudar a
construir um país melhor para que essas mesmas pessoas possam ser felizes
individual e socialmente. Nascemos do ventre de uma mãe e, dali, vamos à
família e à sociedade. O município, por
sua vez, é o primeiro ventre social – é onde nasce a vida em comunidade. É
o verdadeiro habitat da felicidade humana. Portanto, vamos todos cuidar muito
bem dessa preciosidade!
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SOLUÇÃO PARA
FORTALECER O MUNICIPALISMO
SEGER LUIZ MENEGAZ*
A SOLUÇÃO ESTÁ PERTO DE NÓS
No entanto, toda crise gera
oportunidade. E, assim que a tempestade passar, vamos conseguir olhar tudo com
mais clareza e perceber o que foi nuvem passageira, o que melhorou e o que
piorou. Todos aqueles que possuem representação precisam estar especialmente
atentos ao que está acontecendo em nossa volta. Como responder a quem, com toda
legitimidade, reclama do poder público? Como aumentar a sintonia entre os
representantes e os representados, entre os políticos e os eleitores? São
questionamentos que exigem respostas imediatas e eficazes.
Uma instituição como a Famurs,
cuja presidência assumi recentemente, não pode fugir a esse desafio. A entidade
se solidariza com o sentimento da população. E, mais do que isso, propõe um
caminho concreto para que os anseios dos gaúchos sejam atendidos: o fortalecimento do municipalismo. Sua
essência está na simplicidade e na proximidade. Quanto mais próximo das pessoas
e mais simples for o governo, melhor ele vai ser. A prefeitura resolve mais
rapidamente os problemas exatamente por isso: porque está perto das pessoas e
vai ao ponto, sem tanta burocracia.
Temos no Estado histórias
exemplares de inclusão social, de desenvolvimento, de melhoria na qualidade de
vida dos cidadãos. Mas poderíamos fazer muito se os recursos e os poderes não
fossem tão centralizados na União.
Enquanto as receitas diminuem, as obrigações dos gestores municipais não param
de crescer. É uma conta que não fecha. Por isso, não vamos cansar de defender
um novo pacto federativo. Precisamos aprimorar o que cabe a nós e lutar pelas
mudanças que dependem das demais esferas. A
solução dos problemas que estão à nossa frente passa pelo municipalismo.
*Presidente da Famurs (Federação
das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul) e prefeito de Tapejara
ZERO HORA 05 de julho de 2014 |
N° 17850 ARTIGO
sábado, 5 de julho de 2014
Postado por Jorge Bengochea às sábado, julho
05, 2014
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Municipalismo
de resultado
– Alex Lopes
Mais que os prefeitos aprenderem a fazer o seu dever de casa, cabe ao
eleitor também fazer o seu dever das urnas.
O presente artigo é inspirado no
exemplo do companheiro Lourivaldo Souza Filho, ex-prefeito de Várzea da Roça, o
qual recebeu o Prêmio Juscelino Kubitschek de Melhores Prefeitos do Brasil,
gestão 2009/2012.
A honraria é concedida pelo
Congresso Nacional de Prefeitos, a partir da análise dos Gestores Municipais na
adoção de medidas que demonstrem sensibilidade e compromisso com metas
assumidas de desenvolvimento sustentável
e proteção ao meio ambiente; seu
grau de Empreendedorismo e dinamismo na adoção de medidas
orçamentárias participativas; nível de retorno no gerenciamento estratégico; Implantação de programas de capacitação dos servidores públicos
para a maior eficiência da Administração; elaboração de redes de proteção
social; ação efetiva de controle dos gastos e transparência na aplicação dos recursos financeiros; programas
voltados para a redução da mortalidade infantil e dedicação à saúde pública;
atendimento a lei de responsabilidade fiscal; e cumprimento de metas nas áreas
de saúde e educação.
Os critérios dessa premiação
traduzem a compreensão de que o Estado deve, com elevado nível gerencial,
priorizar, entre as políticas públicas, aquelas voltadas para a área social,
buscando enfrentar as desigualdades que impõem um fosso entre os brasileiros de
classes sociais diferentes. Cabe ao Poder Público pautar-se pela meritocracia
superando as práticas do clientelismo
e/ou assistencialismo, que, na prática, mantém o pobre preso à condição de
dependente do Estado.
Seguramente a maior
responsabilidade por essa mudança de paradigmas é dos Prefeitos, afinal é nas
Cidades onde a relação entre o Poder Público e a Sociedade se faz mais efetiva.
Na implementação dos fins do
Estado brasileiro, cabe aos Municípios a atenção básica da saúde, o ensino
fundamental, a mobilidade urbana, a sustentabilidade ambiental, etc. À medida
que se aperfeiçoam políticas afirmativas, cresce a responsabilidade dos
Municípios.
Com a crescente descentralização
das ações sociais, é essencial para o seu êxito que estejam a frente das
Prefeituras pessoas com uma visão renovada e renovadora de como fazer política.
A elevação das responsabilidades
dos Municípios não se fez acompanhar pelo aumento proporcional de receitas. De
todo o montante de tributos arrecadados, a União fica com 70% da receita, ao
passo que, por exemplo, 77.5% dos investimentos em educação e cultura e 90% em
saneamento básico e habitação são feitos pelos Estados e Municípios.
Diante deste cenário, não basta
ao Prefeito ter sensibilidade social. Se a Gestão não for orientada por um
planejamento estratégico, rigor nos gastos públicos, enfim, encarada com
profissionalismo, o Governo estará condenado ao insucesso, com graves prejuízos
para a população, com atrasos de pagamentos, queda na qualidade ou até
interrupção dos serviços públicos essenciais e na execução de diversos
programas sociais.
O Movimento Municipalista Brasileiro, do qual sou ferrenho defensor,
tem reivindicado uma maior participação
das Prefeituras nas receitas públicas. Cabe, no entanto advertir que,
independentemente do pedaço do bolo que caiba aos Municípios, os seus Prefeitos
têm que aprender a fazer o seu dever de casa, que é o estabelecimento objetivo
das prioridades de sua população. Em
outras palavras, cuidar não só da quantidade dos gastos, mas, sobretudo de sua
qualidade. Só assim teremos um Municipalismo
de resultado.
Mais que os prefeitos aprenderem
a fazer o seu dever de casa, cabe ao eleitor também fazer o seu dever das
urnas. Se cem Prefeitos conseguiram atingir metas para ganhar o Prêmio
Juscelino Kubitschek, é sinal de que, ao contrário do que se pensa, tem gente
preocupada em fazer da política um instrumento para a melhoria da qualidade de
vida dos brasileiros. Portanto, está nas mãos dos brasileiros às melhores
escolhas, que lhes trarão melhores Cidades, melhores Estados e um melhor País
para se morar, trabalhar, se divertir, sentir-se seguro, enfim, ser feliz.
Alex Lopes – Vice-prefeito e secretário da
Saúde de Conceição do Coité
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Quem Somos
O Municipalista é um portal de notícias e serviços voltados
à gestão pública e ao municipalismo,
com foco prioritário na Região Metropolitana de Tubarão (SC), composta por 18
municípios. Possibilita às prefeituras e câmaras de vereadores ampliarem sua
visibilidade, por possibilitar a postagem de notícias das assessorias de
imprensa destes entes públicos. O Municipalista também produz seu próprio
conteúdo jornalístico, seja em formato de reportagens, seja em forma de
entrevista ou artigos. O portal também serve de indicador eletrônico na medida
em que possibilita que o internauta encontre neste endereço links para as
principais entidades municipalistas nas três esferas – municipal, estadual e
federal, bem como, links para institutos e instituições de todo o Brasil, que
tratam de assuntos relacionados à gestão pública e ao municipalismo.
O Municipalista possui articulistas que escrevem periodicamente sobre
temas de interesse dos gestores e servidores públicos. O portal também está se
estruturando para oferecer uma gama de serviços, como capacitações, cursos,
workshops, treinamentos, promoção de eventos, cerimonial, pesquisas de opinião
e assessoria de comunicação.
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