Análise sobre a dispensa de
licitação para contratação de escritórios especializados pela Administração
Pública
Para
tratar o presente tema, inicialmente cabe indagar-se em que circunstâncias os serviços técnicos profissionais especializados de advocacia possuem natureza
singular, que sua prestação deva se dar por profissionais de notória especialização, tornando inviável a seleção por meio de processo
licitatório. A resposta tem sido apresentada pela doutrina e pela
jurisprudência.
Em
obra que enfrenta verticalmente a matéria, o jurista Rubens Naves (Advocacia em
defesa do Estado. São Paulo: Editora Método, 2008.) estabelece os diversos
ângulos de exame a partir dos quais a singularidade de um dado serviço pode ser
observada.
Primeiramente,
tal qual se encontra na lição de Marçal Justen Filho[1], divide-a em objetiva e subjetiva :
(...)
pode-se dizer que o serviço é singular
em virtude de suas próprias características, que o diferenciam de outros, ou
que ele o é porque depende de qualificações
especiais da pessoa que irá executá-lo.
A partir de um ponto de vista
objetivo, isto é, centrado no serviço que será executado, Marçal Justen Filho
observa :
(...) É imperioso verificar se a atividade necessária à satisfação do
interesse sob tutela estatal é complexa ou simples, se pode ser reputada
como atuação padrão e comum ou não. A natureza singular caracteriza-se como uma
situação anômala, incomum, impossível de ser enfrentada satisfatoriamente por
todo e qualquer profissional ‘especializado’. Envolve os casos que demandam
mais do que a simples especialização, pois apresentam complexidades que impedem
obtenção de solução satisfatória a partir da contratação de qualquer
profissional (ainda especializado).[2]
Ocorre que este ângulo de
apreciação, fundado no objeto do serviço a ser prestado, não dá conta da
totalidade do universo semântico contido na expressão serviço singular.
1. Da singularidade de objeto sob
o prisma da confiança
Mesmo os autores que fixam sua conceituação
nesse elemento, acabam por conceber a necessidade de atenção ao aspecto
subjetivo essencial nesta matéria. É o que se vê na obra do mesmo eminente
Marçal Justen Filho, ao tratar, precisamente, do exemplo dos serviços
advocatícios:
(...)
O que a Administração busca, então, é o desempenho
pessoal de ser humano dotado de capacidade
especial de aplicar o conhecimento
teórico para a solução de problemas no mundo real.
Ora, essas circunstâncias
significam que cada sujeito encarregado de promover o serviço produzirá
alternativas qualitativamente distintas. As soluções serão tão variadas e diversas entre si como o são as
características subjetivas da criatividade de cada ser humano. Considere-se o
sempre problemático exemplo do exercício da advocacia forense. Consultem-se
diversos advogados e cada qual identificará diversas soluções para condução da
causa. Todas elas poderão ser cientificamente defensáveis e será problemático
afirmar que uma é ‘mais certa’ do que outra. Algumas alternativas poderão ser
qualificadas como ‘erradas’, mas mesmo essa qualificação poderá ser desmentida
pela evolução dos fatos e tendo em vista a natureza contextual dos problemas
enfrentados. Depois, cada advogado executará a solução técnica de modo
distinto. Cada qual imprimirá à sua petição um certo estilo, valer-se-á de
palavras diversas, de argumentos distintos. A condução de uma causa perante a
Justiça ou a Administração nunca será exatamente idêntica a uma outra,
realizada por advogado diverso.[3]
Pelas
mesmas razões que se destacaram neste excerto, é possível identificar-se a
necessidade de que, na consideração da expressão utilizada pela Lei serviço de
natureza singular, seja o intérprete obrigado a enfrentar a questão sob o ponto
de vista subjetivo, isto é, dos atributos do prestador dos serviços que, anteriormente
à consideração da notória especialização
(circunstância passível de aferição objetiva), imprimem especialidade na
execução do serviço.
Por
isso, afirma Adilson de Abreu Dallari[4], que se dá a singularidade do serviço
“quando o fator determinante da contratação for o seu executante, isto é,
quando não for indiferente ou irrelevante a pessoa, o grupo de pessoas ou a
empresa executante”.
O
elemento subjetivo na caracterização da singularidade é, igualmente, destacado
por Eros Roberto Grau[5]:
Serviços singulares,
assim, são aqueles que apresentam, a conformá-los, características, de
qualidade, próprias de seu prestador. Singulares são porque apenas podem ser
prestados, de certa maneira e com determinado grau de confiabilidade, por um determinado profissional ou empresa. Por isso mesmo é que a singularidade do
serviço está contida no bojo da notória
especialização.
Concluindo o ilustre jurista:
Ser
singular o serviço, isso não significa seja ele necessariamente o único. Outros
podem realizá-lo, embora não o possam realizar do mesmo modo e com o mesmo
estilo de um determinado profissional ou de uma determinada empresa.
Afastando-se
de um posicionamento extremado, seja no que tange à necessidade do elemento objetivo na caracterização da singularidade (não
parece razoável sustentar-se a existência de um serviço que, sendo técnico,
isto é, sendo passível de execução a partir da conjugação de procedimentos
catalogados pelo conhecimento científico,
seja também absolutamente inédito, único, sob pena de uma contradição em
termos), seja quanto ao elemento subjetivo (não há serviço intelectual que não
comporte, no seu modo de execução e na adoção de soluções para o enfrentamento
de um dado problema, uma modulação pelo sujeito que o realiza, tornando-o, no
limite, único), há doutrinadores que procuram conciliar ambos os aspectos da
questão na delimitação da natureza singular de um dado serviço :
Em
suma, a singularidade corporifica-se tendo em vista a viabilidade de o serviço,
prestado por determinado profissional, satisfazer as peculiaridades do interesse público, envolvido no caso particular.
Deve-se verificar se esse interesse público é peculiar, tendo em vista o valor
econômico ou o bem jurídico em questão, ou se a tutela revela-se complexa,
demandando serviços especializados. A especialidade do interesse público
justifica a seleção com base em uma avaliação
complexa, abrangendo critérios de
natureza subjetiva. A Administração deverá apurar quais são os
profissionais mais habilitados a atendê-la e, entre esses, optar por aquele
cuja aptidão (para obter a melhor solução possível) mais lhe inspire
confiança.[6]
Chega-se,
assim, ao núcleo do fundamento pelo qual se autoriza a Administração a proceder
à contratação direta de serviços
técnicos profissionais especializados de consultoria e assessoria jurídica,
qual seja, a impossibilidade de afastar-se o elemento de confiança, para a
formulação da sustentação jurídica das concretas decisões por meio de que a
Administração Pública implementa uma dada política pública. Se cabe ao
administrador público decidir, entre alternativas oferecidas pelo ordenamento
jurídico, a concreta manifestação do interesse público a ser perseguido
mediante a execução de uma específica política pública, então, não se pode prescindir
de assessoria e consultoria jurídica acolhida sob o signo da confiança.
Conforme
será explorado adiante, tem-se na confiança a matriz da inviabilidade de
competição a autorizar a contratação direta desses serviços. E esta
circunstância foi, data venia, incorretamente apreciada no exame que o d.
Representante do Parquet procedeu da contratação do escritório ora
co-Requerido.
O processo licitatório tem como
seu pressuposto teleológico a
possibilidade de aferir, a partir de elementos prévios objetivos e
catalogáveis, a melhor proposta que atenda ao interesse público concreto :
(...)
a licitação se destina a selecionar a
proposta mais vantajosa, segundo critérios objetivos e racionais. Tomando
em conta as necessidades a serem satisfeitas e os encargos que serão assumidos
pelo Estado, pode estabelecer-se uma espécie de relação objetiva que fornece
critérios de julgamento...
(...)
A
expressão ‘inviabilidade de competição’
indica situações em que os pressupostos acima indicados não se encontram presentes...
(...)
É
imperioso destacar que a inviabilidade de competição não é um conceito simples,
que corresponda a uma idéia única. Trata-se de um gênero, comportando
diferentes modalidades. Mais precisamente, a inviabilidade de competição é uma
consequência, que pode ser produzida por diferentes causas, as quais consistem
nas diversas hipóteses de ausência de pressupostos necessários à licitação.[7]
“Para que haja uma licitação,
mister a possibilidade de existência de pautas objetivas para um critério de julgamento
imparcial.[8]
Pois
bem, um limite ao estabelecimento de critérios
objetivos de seleção é a confiança, como elemento indissociável da defesa
do ponto de vista do administrador público na formulação das políticas
públicas.
Esta
consideração constitui o fundamento, a partir do qual também a Jurisprudência
vai se orientando no juízo acerca das contratações diretas para a prestação de serviços de assessoria e
consultoria jurídica, conforme pontificou o E. Plenário do Supremo Tribunal
Federal:
EMENTA:
AÇÃO PENAL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO
EMERGENCIAL DE ADVOGADOS FACE AO CAOS ADMINISTRATIVO HERDADO DA
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL SUCEDIDA. LICITAÇÃO. ART. 37, XXI DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. DISPENSA DE LICITAÇÃO NÃO
CONFIGURADA. INEXIGIBILIDADE DE
LICITAÇÃO CARACTERIZADA PELA NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS
CONTRATADOS, COMPROVADA NOS AUTOS, ALIADA À CONFIANÇA DA ADMINISTRAÇÃO POR ELES
DESFRUTADA. PREVISÃO LEGAL. A hipótese dos autos não é de dispensa de
licitação, eis que não caracterizado o requisito da emergência. Caracterização
de situação na qual há inviabilidade de competição e, logo, inexigibilidade de
licitação. 2. "Serviços técnicos profissionais especializados" são
serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado
de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria,
Administração, deposite na especialização desse contratado. Nesses casos, o
requisito da confiança da Administração em quem deseje contratar é subjetivo.
Daí que a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais
serviços - procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento
objetivo - é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o
direito positivo confere à Administração para a escolha do "trabalho
essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do
contrato" (cf. o § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93). O que a norma extraída
do texto legal exige é a notória especialização, associada ao elemento subjetivo
confiança. Há, no caso concreto, requisitos suficientes para o seu
enquadramento em situação na qual não incide o dever de licitar, ou seja, de
inexigibilidade de licitação: os profissionais contratados possuem notória
especialização, comprovada nos autos, além de desfrutarem da confiança da
Administração. Ação Penal que se julga improcedente.[9]
Como
se vê, a confiança constitui aspecto subjetivo insuperável, que impossibilita a
seleção segundo critérios objetivos, catalogáveis num edital de licitação.
Há
de esclarecer-se, então, por que a confiança
é um elemento relevante o bastante para afastar da atuação da Procuradoria Municipal os serviços em questão (prestação de serviços de consultoria
especializada e acompanhamento de processos perante o E. Tribunal de Contas
do Estado de São Paulo), mas não, por
exemplo, o contencioso fiscal da Municipalidade.
Realmente,
no Estado Democrático de Direito, a prestação de contas junto ao ente de
controle externo não constitui evento excepcional, mas é da própria natureza do
chamado sistema de freios e contrapesos. Mas, por isso mesmo, há de serem
acometidos ao Poder Executivo instrumentos efetivos pelos quais se lhe
assegurem o exercício do múnus conferido pelo poder democrático.
Dito
noutros termos, como corolário da harmonia e separação de poderes, compete ao
representante eleito democraticamente para ocupar o Poder Executivo o
desenvolvimento concreto de políticas públicas que integram sua plataforma
política e que devem ser formalizadas dentro do arcabouço institucional e
jurídico dado pela ordem pública brasileira. A outra face desta chamada
concretização de políticas públicas refere-se, precisamente, à prestação de
contas juntos às instituições de controle e demonstração, conforme o princípio de convencimento, da
adequação dos instrumentos utilizados ao ordenamento pátrio.
Embora
seja um lugar-comum a afirmação de que os entes
de controle limitam-se a exercer um exame de legalidade e de que o juízo de
mérito da ação administrativa seria exercido exclusivamente pela Administração,
a análise atenta do nosso ordenamento demonstra que este é tão somente um dogma
repetido sem muita reflexão. A Constituição da República, no caput do art. 37,
ao introduzir entre os princípios da Administração aquele da eficiência alargou
enormemente o âmbito de cognição dos demais Poderes sobre a esfera da política
pública considerado in concretu, dada a ampliação da ideia de legalidade.
Não
por outra razão, lê-se nos art. 70, caput, e 71 da Constituição da República,
quanto à competência do Tribunal de Contas da União (e, pelo princípio do
paralelismo, quanto à competência dos demais Tribunais de Contas) :
Art.
70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto
à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia
de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo,
e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
(...)
Art.
71 O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o
auxílio do Tribunal de Contas da União...
Isto
significa, portanto, que constitui condição sine qua non para que o
Administrador possa desenvolver e concretizar a política pública por ele
defendida e para a qual foi eleito democraticamente, que ele conte com uma consultoria jurídica alinhada aos seus
propósitos, sob pena de frustrarem-se, pela estagnação e emperramento
institucional, suas iniciativas legítimas. Nada tem de irregular que procure o
Administrador fazer valer, pelo exercício do contraditório e da ampla defesa
junto aos entes de controle externo, o seu ponto de vista enquanto ente
legítimo e democraticamente eleito para concretizar as políticas pelas quais
entende plasmar o interesse público.
Seria
incongruente com a ordem institucional que fosse acometido ao Administrador o
poder-dever de empreender suas políticas, bem como aos demais Poderes a função
de fiscalizar a Administração, mas não dispusesse o mesmo Administrador de instrumentos concretos para defender,
tecnicamente, seu ponto de vista.
Do
exemplo acima referido, vê-se, de pronto que são diametralmente diversos, de um
lado, a prestação de serviços de consultoria especializada e acompanhamento de
processos perante o E. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (por meio de
que se cerca o Administrador de instrumentos técnicos para defender seu ponto
de vista de política pública junto ao ente de controle externo), e, de outro, o
contencioso fiscal de uma Municipalidade
(a se desenvolvido pelas Procuradorias Municipais).
No
primeiro caso, a confiança do Administrador de que há técnicos que interpretam
o ordenamento, de modo a buscar alternativas institucionais para concretização
das políticas públicas por ele defendidas, é essencial. Retomando a lição de
Marçal Justen Filho, acima transcrita, “essas circunstâncias significam que
cada sujeito encarregado de promover o serviço produzirá alternativas
qualitativamente distintas. As soluções serão tão variadas e diversas entre si
como o são as características subjetivas da criatividade de cada ser
humano”[10], mas é legítimo que o Administrador venha a cercar-se de uma
consultoria que, no exercício do gênio técnico, esteja subjetivamente alinhada
para exercê-lo em defesa das iniciativas deste mesmo Administrador.
Eis,
portanto, a questão nuclear que envolve o juízo
acerca da legalidade da contratação direta, com inexigibilidade de licitação, de consultoria jurídica: é
legítimo que o Administrador disponha de instrumento institucional e técnico,
alinhado com as suas convicções (as quais receberam o beneplácito da ordem
democrática que o elegeu) e sob o signo da confiança, para a defesa deste ponto
de vista junto à instituição de controle externo.
2.
Da notória especialização
Ainda,
demonstrado o primeiro requisito para a subsunção da contratação direta ao
permissivo legal, qual seja, a singularidade decorrente do inafastável liame de
confiança na prestação dos serviços; relevante brevemente atentar que o tema
deve ser enfrentado ainda em um segundo requisito.
Importa,
então, considerar-se que o mesmo juízo que destaca o elemento subjetivo na
contratação de serviços técnicos profissionais especializados, estabelece o
limite de objetividade por meio do qual o ordenamento entende como protegido o
interesse público de que esta prestação de serviços se dê segundo os cânones da
melhor técnica: trata-se da notória especialização.
Assim,
“a notória especialização não é uma causa de configuração da inexigibilidade de
licitação, mas de seleção do profissional a ser contratado”[11].
3.
Da Impossibilidade de contratação de advogado para atividade singular de acordo
com o Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil
Por
fim, relevante traçarmos breves linhas sobre o posicionamento da Ordem dos
Advogados do Brasil acerca do tema ora tratado.
Em
destacado posicionamento, Alice Gonzales Borges[12] tece considerações
relevantes sobre a desnecessidade da licitação para a contratação de serviços
profissionais de advocacia, sobre vários e argutos fundamentos, inclusive o da
“antinomia entre normas e a conflitualidade de princípios, de que fala
Canotilho.
Isto
porque, descarta a efetivação de “uma pré-qualificação, seguida de seleção, ou
um registro cadastral também seguido de seleção e sorteio, para que incorra na
proibição do art. 22, § 8º, da Lei 8.666/93”[13] pelo fato de ocorrer a
inexigibilidade da licitação de serviços advocatícios por duas causas bem
definidas na legislação: “ou porque se trate de serviços de notória
especialização, ou porque, em muitos outros casos, se configure mesmo, por
causas diversas e potencialmente inimagináveis por qualquer legislador,
verdadeira inviabilidade de competição.”[14]
Nesse
sentido, o próprio Código de Ética da
Advocacia, em seus artigos 28 e 29, desestimula a competição entre seus
profissionais, inviabilizando o certame
licitatório, por ser recomendado ao causídico a moderação, discrição e sobriedade.
Por
sua vez, o artigo 34 do Estatuto da OAB, elenca como infração disciplinar
“organizar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros” (Art. 34,
IV). Na mesma esteira, o artigo 5º do Código de Ética veda qualquer procedimento de mercantilização do advogado
no exercício da profissão: “O exercício da advocacia, é incompatível com
qualquer procedimento de mercantilização.”
Para
impedir que haja captação direta ou indiretamente de clientes assim dispõe o
art. 7º da lei em debate: “Art. 7º - É vedado o oferecimento de serviços que
impliquem, direta ou indiretamente, vinculação ou captação de clientela.
Ainda
louvando-se nas lições da ilustre Alice Gonzales Borges, se extrai:
Enquanto
o art. 30, inc. II, da Lei 8.666/93, estatui, como um dos requisitos de
habilitação técnica a indicação das instalações materiais da empresa licitante,
o art. 31, § 1º, do Código de Ética do Advogado veda, nos anúncios do advogado,
menções ao tamanho, qualidade e estrutura da sede profissional, por
constituírem captação de clientela. Constitui requisito de habilitação técnica
dos mais importantes, na Lei 8.666/93, a comprovação, por meio de atestados
idôneos de órgãos públicos e privados, do desempenho anterior do licitante em
atividades semelhantes àquela objetivada na licitação (art. 30, § 3º). O Código
de Ética veda, nos arts. 29, § 4º e 33, IV, a divulgação de listagem de
clientes e patrocínio de demandas anteriores, considerados como captação de
clientela.[15]
A
seguir, a citada publicista indaga:
Se
o Estatuto da OAB e o Código de Ética vedam a captação de clientela, os
procedimentos de mercantilização da profissão e o aviltamento de valores dos
honorários advocatícios (arts. 39 e 41 do Código de Ética), como conciliar tais
princípios com a participação de advogados, concorrendo com outros advogados em
uma licitação de menor preço, nos moldes do art. 45, I e § 2º da Lei 8.666/93?
Também resulta inviável, pelos mesmos princípios, a participação de escritórios
de advocacia em licitação do tipo melhor técnica, a qual, nos termos do artigo
46, § 1º, descamba, afinal, para o cotejamento de preços. Obviamente, também a
licitação de técnica e preço do art. 46, § 2º, que combina aqueles dois
requisitos. Mesmas restrições sofrem a aplicação das normas relativas à
desclassificação das propostas, em razão dos preços oferecidos, prevista no
art. 48, II, da Lei 8.666/93, quando, eventualmente, os advogados licitantes
podem ser convidados para baixar o preço das suas propostas, dentro do prazo de
oito dias. O próprio problema do preço dos serviços advocatícios é outra
questão que oferece certas peculiaridades.[16]
Ratificando
o brilho e descortino da citada doutrinadora, a Ordem dos Advogados do Brasil,
Seção de São Paulo, através do seu Tribunal de Ética, manifestou-se no sentido de
não ferir a ética e nem tampouco a Lei 8.666/93, quando presente a condição de
notória especialização decorrente de situação pessoal do profissional ou do
escritório de advocacia:
Licitação
– Inexigibilidade para contratação de advogado – Inexistência de infração – Lei
n. 8.666, de 21.06.1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição
Federal, institui normas para licitações e contratos da administração pública.
Inexigibilidade de licitação para contratação de advogado, para prestação de serviços
ou defesa de causas judiciais ou administrativas. Condição de comprovação
hábil, em face da natureza singular dos serviços técnicos necessitados, de
tratar-se de profissionais ou empresas de notória especialização. Critério
aceitável pela evidente inviabilidade de competição licitatória. Pressuposto da
existência de necessária moralidade do agente público no ato discricionário
regular na aferição da justa notoriedade do concorrente. Inexistência, na lei
mencionada, de criação de hierarquia qualitativa dentro da categoria dos
advogados. Inexistência de infringência ética na fórmula legal licitatória de
contratação de advogados pela administração pública. [17]
Ressalta-se
que a doutrina comparada também acolhe a desnecessidade da competição quando se
vislumbra a prestação de serviços resultante da criação intelectual do
prestador do serviço público, sendo certo, que em posicionamento similar aquele
apresentado na presente defesa, o Professor portenho Roberto Dromi[18] assim se
posiciona: “Exceptúase también de la licitación pública la contratación en la
que resulta determinante la capacidad (...)”
Sayagués
Laso[19] também entende, que “resulta imposible la comparación de obras
científicas o de arte, para optar por la de precio más bajo, y aun mismo el
determinarse en función del costo, que esta materia es elemento completamente
secundario.”
Portanto,
ao se compulsar os comandos legais da Lei 8.666/93 deve ser feita a
interpretação sistemática tanto com o Estatuto do Advogado, como também com o
respectivo Código de Ética.
Após
amplo debate na sessão do Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, foi aprovada a edição de súmula que afirma que é inexigível
procedimento licitatório para a contratação de serviços profissionais de
natureza advocatícia pela Administração Pública, dada a singularidade da
atividade e a inviabilidade de competição, sendo, portanto inaplicável o artigo
89 da Lei 8.666/93.
4.
Conclusão
Pelo
exposto, forçosa a conclusão de que, preenchidos os requisitos da notória especialização e singularidade do serviço
prestado – principalmente no que tange o prisma da confiança do administrador público – não há de se falar qualquer
irregularidade com relação ao contrato
de prestação de serviços técnicos profissionais especializados contratados
pela Administração Pública com fulcro no artigo 25, inciso II da Lei de
Licitações.
Nesse
diapasão, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, em situação semelhante à tratada no presente estudo,
pronunciou-se nos seguintes termos:
Na
presente lide, em que pese a contratação ter ocorrido sem a realização de
licitação o escritório de advocacia contratado demonstrou, por meio de
documentos, que possui área de atuação diferenciada, especificamente em causas
administrativas e de interesse do Tribunal de Contas (fls. 288/292).
É
certo que os advogados do Município não guardam condições técnicas específicas
para o acompanhamento de processos de ordem jurídica e contábil como os
trabalhos desenvolvidos perante o Tribunal de Contas. E a especialização do
escritório de advocacia contratado é evidente.
Pode-se
afirmar, então, nesse caso que a especificidade dos advogados é que determinará
a exigibilidade da licitação ou não. A escolha deve obedecer, portanto o princípio da razoabilidade,
considerando-se um conjunto de circunstâncias.
E
no presente caso. A dispensa da licitação foi regularmente utilizada.
Diferente
não foi a manifestação do Ministério Público de 2ª instância, por meio da
promotora Dra. Anna Trotta Yaryd à fl. 625:
"Assim,
a contratação direta de serviços técnicos profissionais de advogado tem sua
legalidade ou ilegalidade dependendo de circunstâncias de fato, requerendo do
intérprete ou aplicados da lei um exame aprofundado de cada caso específico.
É
bem verdade que não há uma distinção evidente entre os serviços prestados pelos
procuradores e advogados da Prefeitura e os escritórios de advogados
profissionais especializados. Entretanto, na presente hipótese, a empresa
contratada comprovou, mediante diversos documentos que possui área de atuação
diferenciada, com preponderância em causas administrativas e de interesse no
Tribunal de Contas do Estado, assessoria específica nas áreas orçamentárias,
financeira, entre outras.”
Assim,
a ação é improcedente e o pedido do apelante Sr. José Leandro da Silva para
elevar os honorários advocatícios ficou prejudicado.[20]
Em
recente Acórdão de setembro de 2013, neste mesmo sentido pronuncia-se novamente
o E. Tribunal de Justiça deste Estado:
RECURSOS
OFICIAL E DE APELAÇÃO AÇÃO CIVIL PÚBLICA
CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS
PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS POR PREFEITURA MUNICIPAL SEM A REALIZAÇÃO PRÉVIA DE CERTAME LICITATÓRIO LEGALIDADE
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS AUTORIZADORES
DA INEXIGIBILIDADE DE TAL PROCEDIMENTO IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADA.
1.
Os elementos de convicção produzidos nos autos permitem concluir pelo
preenchimento dos requisitos da notória especialização e singularidade do
serviço prestado. 2. Precedente desta E. 5ª Câmara de Direito Público. 3.
Sentença de improcedência ratificada, nos termos do artigo 252 do Regimento
Interno desta E. Corte de Justiça. 4. Recursos oficial e de apelação
desprovidos.
(...)
Portanto,
estando devidamente preenchidos os requisitos da notória especialização e singularidade do objeto do
contrato de prestação de serviços técnicos profissionais especializados,
conclui-se como inexorável que a hipótese dos autos comportava o reconhecimento
da inexigibilidade de realização prévia de certame licitatório, em razão da
inviabilidade de competição, consoante o disposto nos artigos 13, V, 25, II e §
1º, todos, da Lei Federal nº 8.666/93.[21]
[1] Ainda a inviabilidade de
competição para contratação de serviços técnicos profissionais especializados,
Fórum de Contratação e Gestão Pública, v. 2, n. 17, p. 2.064, maio 2003. Apud :
NAVES. Op. cit. p. 56
[2] Comentários à lei de
licitações e contratos administrativos. 12.ed. São Paulo : Dialética, 2008. p.
350. comentário n. 7.3 ao art. 25.
[3] op. cit. p. 349. comentário
n. 7.2 ao art. 25.
[4] Aspectos jurídicos da
licitação. Apud : NAVES. Op. cit. p. 57.
[5] Inexigibilidade de licitação
: serviços técnico-profissionais especializados - notória especialização,
Revista de Direito Público, v. 25, n. 99, p. 72, jul./set. 1991
[6] NAVES. Op. cit. p. 61
[7] JUSTEN FILHO, Marçal. Op.
cit. p. 340. comentários n. 1.6, 1.7 e 1.8 ao art. 25.)
[8] FIGUEIREDO, Lúcia Valle;
FERRAZ, Sérgio. Dispensa e Inexigibilidade de licitação. 2.ed. São Paulo :
Editora Revista dos Tribunais, 1992. p. 62.
[9] STF. Ação Penal n.º 348-SC,
Plenário, rel. Min. Eros Grau, DJ de 03.08.2007.
[10] op. cit. p. 349. comentário
n. 7.2 ao art. 25.
[11] JUSTEN FILHO. Op. cit. p.
352. comentário n. 7.5 ao art. 25.
[12] BORGES, Alice Gonzales.
“Licitação para Contratação de Serviços Profissionais de Advocacia”, in RDA
206, out/dezembro de 1996, ps. 135-141.
[13] BORGES, Alice Gonzales. op. cit. ant, p.
138
[14] Idem, p. 138
[15] BORGES, Alice Gonzales. op. cit. ant., p.
138
[16] BORGES, Alice Gonzales. op. cit. ant. p.
139
[17] in, TOLOSA FILHO, Benedicto
de. Contratando Sem Licitação, Rio de Janeiro: Forense, 1998, ps. 94/95
[18] DROMI, Roberto. La
Licitación Pública, Montevideo: Acali, 1978, p. 74.
[19] LASO, Sayagués, Licitações
Públicas, 2. ed., Buenos Aires: , 1995, p. 147.
[20] TJSP. Apelação nº 0003330-62.2009.8.26.0075
- Comarca de Santos - Rel. Des. Franco Cocuzza - Julgado em 22.10.12
[21] TJSP. APELAÇÃO Nº
0009080-06.2006.8.26.0510. COMARCA: Rio Claro. APELANTE: Ministério Público do
Estado de São Paulo PELADOS: Prefeitura Municipal de Rio Claro e Antônio Sérgio
Baptista Advogados Associados e Cláudio Antônio de Mauro
Publicado por Michel Cury Neto
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